quarta-feira, 24 de setembro de 2014

LIVRE PENSAR É SÓ PENSAR

Leio diariamente a Folha de S. Paulo, porque tive a sorte de contratar o provedor UOL no comecinho, quando o livre acesso à Folha e à veja fazia parte do pacote.

A Folha saiu fora desta jogada há muito tempo, mas continuou honrando o compromisso assumido: quem tinha adquirido o direito, o manteve.

A veja o desonrou, passando a dar acesso gratuito à edição de um sábado apenas a partir da 6ª feira seguinte. Até nisto se tornou uma revista picareta, para quem o solenemente pactuado entre duas partes não vale nada.

Às vezes vou também no portal do Estadão, da IstoÉ e da Época, geralmente atrás de uma informação específica. E, claro, acompanho o noticiário do UOL.

Fiz esta introdução porque, nesta 4ª feira, a Folha traz um bom número de textos que dão o que pensar. Vale a pena dar uma refletida em cima deles.

ELEIÇÕES: QUADRO ESTABILIZADO.

Sobre as eleições, a nova pesquisa do Ibope mostra um quadro estabilizado: Dilma, 38%; Marina, 29%; e Aécio, 19%. Apesar do wishful thinking dos internautas-torcedores e dos blogueiros amestrados, o cenário é desfavorável a Dilma, que não leva jeito nenhum de liquidar a fatura no 1º turno nem tem motivos para sonhar com uma virada de Aécio que tire Marina do 2º. 

O mais provável é mesmo que a disputa final seja entre Dilma e Marina, quando a acriana terá tempo igual no horário gratuito e vai se beneficiar da rejeição ao PT (que, aliás, é acentuada a ponto de até uma vitória sobre o Aécio ser incerta, conforme alertei; ao mover uma verdadeira guerra de extermínio contra Marina, uma candidata do campo da esquerda, o PT assumiu o insensato risco de devolver o governo à direita).

LATA D'ÁGUA NA CABEÇA

Em editorial, a Folha adverte que o (des)governador Geraldo Alckmin brinca com fogo e os paulistas poderão se queimar. O posicionamento é inatacável, desta vez assino embaixo de cada palavra:
"... a crise de abastecimento [de água] é grave. Reconheça-se que se abate sobre a Grande São Paulo a maior estiagem em 84 anos --e, segundo especialistas, o panorama só deve melhorar a partir de meados de outubro.
Diante desse cenário excepcional, seria de esperar respostas também excepcionais, mas o governo paulista parece orientar-se mais pelo cronograma eleitoral do que pelo calendário das chuvas.
...Num ano eleitoral, opta-se pela solução menos desgastante para a imagem da administração estadual: o uso do volume morto.
 ...uma segunda parte dessa reserva (...) acrescentará 10,7 pontos percentuais à capacidade das represas.
 Dado o ritmo de queda do Cantareira, o volume atual se esgotará em dois meses. Com a nova cota, o sistema ganhará sobrevida até fevereiro; o governador sustenta que as águas alcançarão março.
Que seja. Mesmo que as expectativas oficiais se confirmem, estará desenhado um quadro hídrico alarmante para o próximo ano.
...Ou seja, a não ser que as chuvas deste verão sejam abundantes, o sistema chegará ao início do próximo período de estiagem já num nível bastante crítico.
Como se vê, não se trata simplesmente de garantir o abastecimento até março de 2015. Mesmo que isso esteja assegurado, convém perguntar: e depois?"
EMISSÃO DE GASES ESTUFA 

Ainda na linha dos efeitos futuros das nossas omissões atuais no trato das questões ambientais, Roberto Smeraldi, diretor da ONG Amigos da Terra, faz um alerta veemente (que dificilmente será ouvido, como sempre):
"A atual conjuntura climática é inédita: os 13 anos deste século estão entre os 14 mais quentes desde que se mede a temperatura de forma sistemática. Da Califórnia, nos EUA, ao Brasil, estiagens inusitadas geram escassez no abastecimento de água, queda na produção agrícola, picos nos preços na energia.
...No Brasil, em plena campanha eleitoral, seria importante os candidatos à Presidência explicarem como pretendem enfrentar um tema que já deixou de ser ameaça e se tornou realidade.
 ...Na perspectiva econômica, a única maneira de enfrentar a mudança climática é a de precificar o carbono, como agora reconhecem alguns importantes formadores de opinião. Ao precificar o carbono, seja por meio de impostos ou de alocação de cotas, promove-se a inovação e a eficiência.
Essa medida é essencial no Brasil, pois há dois indicadores preocupantes de perda de competitividade. O primeiro é que no último decênio piorou nossa quantidade de energia necessária para produzir uma unidade de PIB, isto é, nossa intensidade energética. O segundo é a piora de nossa intensidade de carbono, ou seja, a emissão de gases estufa por unidade de PIB.
...é sinal de que precisamos reverter a atual tendência. Corretamente, a presidente Dilma Rousseff disse ontem que ao reduzir emissões nos tornamos mais produtivos. Mas as atuais políticas públicas não captam esse conceito [o grifo é meu]".
"CONFUSÃO DANADA" OU GAFE?

Rui Castro faz fina ironia com a declaração de Dilma sobre o papel da imprensa (adiante corrigida, como vocês podem verificar aqui):
"Na sexta passada (19), a presidente Dilma afirmou que 'o papel da imprensa não é de investigar, e sim de divulgar informações'. A imprensa tomou nota e obedeceu. Ouviu a fala da presidente, dispensou-se de investigá-la e divulgou sua declaração.
Aliás, nem haveria o que investigar, já que foi uma declaração para vários jornalistas ao mesmo tempo, e no Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência. Como todos os jornais publicaram a mesma frase, supõe-se que foi exatamente o que a presidente falou e disse.
Dois dias depois, no entanto, Dilma acusou a imprensa de ter feito 'uma confusão danada' com a sua declaração. Disse que não disse o que disse, mas que, ao contrário, a imprensa deve investigar, sim, 'para informar e até para fornecer prova'. E foi além: 'O jornalismo investigativo pode até fornecer elementos. Agora, quem faz a prova é a investigação oficial. Sem ela, você não consegue condenar ninguém'.
É verdade. Se, mesmo com a investigação oficial, não se consegue condenar ninguém, imagine sem. Mas foi refrescante ouvir de Dilma que ela autoriza a imprensa a investigar --até para evitar outras 'confusões danadas' quando se trata de divulgar o que ela diz e, ao ser alertada para as gafes que comete, desdiz. Como isso é frequente, o aconselhável seria que a imprensa, ao ouvir suas declarações, fosse logo investigar para saber se ela declarou ou não o que declarou"
A REPRODUÇÃO DA MEDIOCRIDADE

Moralmente, Delfim Netto carregará até a morte o estigma de ter sido um dos signatários do AI-5, acumpliciando-se com a abertura dos portões do inferno.

Como economista, sempre foi e dificilmente deixará algum dia de ser um defensor empedernido da perversidade e da desigualdade capitalistas --o que foi relevado, p. ex., por Lula, ao acolhê-lo como uma espécie de eminência parda dos seus governos, o grande guru macroeconômico de mediocridades como Antonio Palocci.

Mas, claro, é um homem sofisticado, capaz de nos oferecer observações e argumentações inteligentes. Então, como não sou nenhum fanático religioso, recuso-me a considerá-lo um demônio do qual só se podem esperar diabruras. Prefiro ler seus textos com espírito crítico, descartando muita coisa e aproveitando alguma.

Na sua coluna desta 4ª feira, p. ex., estes trechos são simplesmente irrespondíveis:
"Uma das mais graves consequências da submissão das campanhas eleitorais ao domínio irresponsável dos 'marqueteiros' é a deseducação do honesto cidadão e a vacina contra a ética que transmitem à sociedade.
Não tem o menor constrangimento de afirmar o 'fisicamente impossível' ou mentir descaradamente, confiados na ingenuidade que é própria daqueles aos quais os sucessivos poderes incumbentes negaram, pela falta de educação, o espírito crítico. Trata-se de um processo de reprodução da mediocridade.
...Para o "marqueteiro" tudo isso não interessa. Se vendeu ou não o seu 'sabonete', embolsa a grana da sua genialidade e vai descansar até a próxima eleição. Para o candidato eleito não!
As falsidades que o elegeram são as mesmas que lhes serão cobradas no exercício do governo".
De duas aberrantes falsidades propagadas pelo PT, uma é que Marina, ao defender corretamente a atualização da ultrapassadíssima CLT, pretenda tornar mais selvagem ainda a terceirização (o que, convenhamos, seria simplesmente impossível!). A outra, que eu também tenho apontado, o Delfim detona com a maior facilidade;
"Afirmar que um Banco Central independente 'rouba a comida da boca do pobre' é uma ignomínia.
Independente de quem, se sua diretoria é escolhida pelo presidente que lhe fixa os objetivos e aprovada pelo Senado, ao qual presta contas regularmente?"
Bota ignomínia nisto! Ignóbil não é apenas a mentira em questão, como também o recurso desmedido às práticas nazistas e stalinistas de manipulação da opinião pública, por parte de quem jamais deveria espelhar-se em exemplos tão execráveis.

Um comentário:

celsolungaretti disse...

Ao catarinense Maurício Gil,

peço-lhe desculpas por haver deletado por engano seu comentário (apertei a tecla errada ao autorizar a publicação).

Mas, seu questionamento à minha afirmação de que leio a "Folha de S. Paulo" todo dia é um bocado simplista.

Aos 18 anos eu já era comandante de Inteligência da VPR em SP. Uma das minhas funções consistia, exatamente, em garimpar informações úteis para a Organização nas entrelinhas do que os jornais, mesmo censurados, publicavam.

Depois, em 31 anos de exercício profissional do jornalismo, aprendi tudo mais que precisava saber. Hoje, para mim, os jornais são livros abertos: sei perfeitamente o que é informação e o que é distorção. Tudo que leio, leio criticamente.

P. ex., acompanho a Folha e sou o cara que mais questiona a Folha, pegando no pé deles toda vez que publicam algo que me irrita, como o tratamento editorial dado à resistência contra a ditadura.

Já consegui forçá-los a darem a mão à palmatória várias vezes, obrigando-os a humilhantes autocríticas. Sou odiado pelo Otávio Frias Filho. Estou numa lista negra tal que nenhum jornalista de lá pode me citar ou publicar algo sobre mim sem autorização superior.

Para quem sabe fazer a triagem, separando as poucas pepitas do muito calhau, um jornalão é mais rico em matéria-prima informativa do que os veículos de esquerda, que não têm recursos para efetuarem grandes coberturas e, em termos de viés, conseguem ser mais tendenciosos ainda do que o PIG.

Enfim, como diz a música La Bamba, "Yo no soy marinero, soy capitán". Publicação nenhuma faz minha cabeça. Eu tiro de cada uma delas o que me é útil.

Abs.

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