segunda-feira, 28 de julho de 2014

A TRAGÉDIA DO ORIENTE MÉDIO

Era uma vez o Oeste: mocinho de branco e bandido de preto.
Os folhetins, o cinema e a TV nos acostumaram a observar os complexos dramas das pessoas, povos e nações a partir de uma ótica simplista: heróis-vilões-vítimas.

Ou, simplificando mais ainda, a acreditarmos que quem causa sofrimento às vítimas são os bandidos e quem as defende, os mocinhos.

No fundo, trata-se do velho e obtuso maniqueísmo, a que os pensadores marxistas contrapuseram a dialética: Bem e Mal não existem como instâncias metafísicas que, desde os píncaros do paraíso celestial ou das profundezas do inferno, teleguiam a práxis humana, mas sim como resultado das decisões e ações adotadas pelos homens em cada situação.

No primeiro caso, alguns encarnam o Bem absoluto e o Mal absoluto, sem nuances: os mocinhos são sempre mocinhos e os bandidos, eternamente bandidos.

Na análise marxista, os papéis vão sendo assumidos a cada instante, de forma que o mocinho de ontem poderá ser o bandido de hoje, e vice-versa.

A esquerda mundial até hoje não se recuperou do pesadelo stalinista, que, como Isaac Deutscher bem assinalou, foi um amálgama do pensamento sofisticado dos revolucionários europeus com a religiosidade primitiva da Santa Mãe Rússia.

A esquerda retrocedeu ao maniqueísmo
E a História, infelizmente, favoreceu essa perda de densidade crítica por parte da esquerda. O nazifascismo parecia mesmo encarnar o Mal absoluto, colocando os que o combatiam na condição de cruzados do Bem absoluto.

Veio a guerra fria e a estreiteza de visão se consolidou definitivamente, de ambos os lados. A política mundial se tornou um mero western daqueles tempos em que os mocinhos se vestiam sempre de branco e os bandidos só usavam trajes negros.

Então, desde a década de 1950, quando os EUA se colocaram como protetores de Israel e os soviéticos se compuseram com o líder egípcio Gamal Abdel Nasser, ficou estabelecido que a única forma progressista de encararmos os conflitos do Oriente Médio era beatificando os árabes e satanizando os judeus.

A questão no Oriente Médio é muito mais complexa.

Em primeiro lugar, temos um povo (o judeu) milenarmente perseguido, não só devido à maldade intrínseca dos poderosos de todos os tempos, mas também a uma certa vocação para o martírio: nunca quis misturar-se aos outros povos e conviver harmoniosamente com eles, fazendo, pelo contrário, questão de preservar sua identidade cultural/religiosa e de ostentá-la aos olhos de todos.

Então, mais do que a outros povos, fazia-lhe imensa falta um território próprio. Constituindo uma colônia minoritária em outros países e segregando-se rigidamente dos naturais desses países, neles despertava previsível hostilidade.

Ademais, os judeus eram invejados pelos gênios da cultura e da ciência que produziam (Marx, Freud, Einstein e tantos outros) e por seu êxito nas finanças, além de despertarem a hostilidade dos governos pela participação marcante que tinham em movimentos libertários/revolucionários.

É sintomático, aliás, que a esquerda hoje esqueça ou omita a importantíssima contribuição do Bund (União Judaica Trabalhista da Lituânia, Polônia e Rússia) para a gestação do movimento revolucionário russo, no início do século passado.

Gueto de Varsóvia: vítimas ontem, algozes hoje em Gaza. 
HOLOCAUSTO – Ao buscar um inimigo comum contra o qual unir a nação alemã, Hitler não precisou pensar muito: os judeus eram a opção óbvia.

Finda a II Guerra Mundial, a indignação que o Holocausto provocou na consciência civilizada fez com que a ideia de um lar para os judeus passasse a ser vista com simpatia generalizada.

Foi quando estes cometeram seu maior erro de todos os tempos: aceitando a liderança espúria de fundamentalistas religiosos/terroristas sanguinários, implantaram seu estado nacional numa região em que se chocariam necessariamente com outros fundamentalistas religiosos/terroristas sanguinários.

A Inglaterra, império decadente, bem que tentou impedir este desvario, em vão. E as pombas desnorteadas, judeus imbuídos dos melhores ideais, acabaram aderindo em massa ao projeto sinistro dos falcões.

Então, uma das experiências socialistas mais avançadas que a humanidade conheceu, a dos kibbutzim (comunidades coletivas voluntárias israelenses), acabou sendo tentada num país que logo viraria campo minado – e, melancolicamente, foi definhando, até quase nada diferir hoje em dia das cooperativas dos países capitalistas.

As nações árabes só não exterminaram até agora o estado judeu porque jamais o enfrentaram juntas e disciplinadas, sob um verdadeiro comando militar. Mesmo quando vários exércitos combateram Israel, como na guerra dos seis dias, atuaram praticamente como unidades independentes, em função das querelas e disputas de poder entre os reis, sheiks, sultões, califas, emires, etc., de países cuja organização política e social ainda é feudal.

Kibbutzim: os belos ideais se foram, o militarismo ficou.
Os israelenses, por enquanto, têm compensado sua inferioridade numérica com a superioridade de seus quadros e equipamentos militares, bem como com a repulsiva prática de promover massacres intimidatórios, reagindo de forma desproporcional e freqüentemente genocida aos ataques que sofre.

Os movimentos fundamentalistas/terroristas árabes agem como provocadores: sabem que jamais conseguirão enfrentar de igual para igual Israel, mas atraem retaliações contra seus povos, na esperança de que isto acabe trazendo as nações para o campo de batalha. Querem ser o estopim de uma guerra santa e não hesitam em sacrificar os seus em nome dos desígnios de Alá.

Os governantes feudais árabes, entretanto, têm mais medo de serem desalojados dos seus palácios do que ódio por Israel. Sabem que, da mobilização contra o inimigo externo, as massas podem evoluir para o questionamento da desigualdade gritante e dos privilégios odiosos dos tiranetes de seus países. Preferem preservar o status quo, ao preço de fecharem os olhos a atrocidades como as cometidas contra os palestinos em Gaza.

Não se trata de nenhum filme de mocinho-e-bandido, pois só há vilões entre os atores políticos; ninguém que mereça nossa simpatia e aplauso.

Hoje, é esta a 'contribuição' de Israel à humanidade...
Quanto às vítimas, estas sim são indiscutíveis: os civis que, desde 1948, têm sido abatidos como moscas, devido à cegueira e (sejamos francos) imoralidade monstruosa desses atores políticos.

No fundo, a solução sensata seria o estabelecimento dos judeus noutro território qualquer – quantos países paupérrimos não lhes cederiam terras e autonomia administrativa, em troca de recursos e cooperação para seu desenvolvimento?

Mas não é a sensatez que rege o mundo e sim, como Edgar Allan Poe notou, o horror e a fatalidade.

Então, os Hamas da vida seguirão semeando ventos e os israelenses desencadeando tempestades. E os civis que não estão em guerra com ninguém, inclusive velhos, mulheres e crianças, deverão continuar sendo os mais atingidos, para horror do mundo civilizado, até que surja um novo T. E. Lawrence e consiga levar à vitória a guerra santa sonhada pelos fundamentalistas/terroristas árabes.

Em sua arrogância míope, cada vez mais desumanizados, os israelenses esquecem a frase lapidar de Napoleão Bonaparte: "Com as baionetas pode-se fazer tudo, menos uma coisa: sentar-se sobre elas". Ao tornarem o estado judeu um bunker, predispuseram-no ao destino habitual dos bunkers. Mais dia, menos dia, acabam sendo tomados pelos inimigos. Quantos morrerão até lá?

O que temos no Oriente Médio é, portanto, uma tragédia: os acontecimentos marcham insensivelmente para o pior desfecho e nada podemos fazer, exceto atenuar, tanto quanto possível, os banhos de sangue.

QUEM MATA UM IRMÃO...
"Quem mata um irmão é jogado no fundo do mar. Vai 
embora, Antonio, e cruza os caminhos de fogo do 
mundo pedindo perdão pelos crimes que você cometeu!"

3 comentários:

Anônimo disse...

Com relação ao stalinismo eu tenho certa dificuldade na assimilação.Stalin não criou nenhuma ideologia ou teoria,no máximo a ideia da mãe Rússia que não difere muito do imperialismo dos outros países.Me incomoda a esquerda focar muito niss.Eu por exemplo ví um vídeo de um professor dizendo que a URSS acabou quando Stálin assumiu o governo,mas caramba ele morreu em 56(?) e a URSS perdurou até a década de 90, será que foi tudo culpa dele e somente dele?
E outra coisa que não compreendo são pessoas que se declaram 'stalinistas', o que isso quer dizer necessariamente?. Perseguir seus adversários?,isso todo político faz (não da forma que ele fez obviamente).

celsolungaretti disse...

O fundamental em Stalin foi a tentativa de construir o socialismo num só país -e, ainda por cima, um país atrasado.

Até então, os socialistas acreditavam que a revolução teria necessariamente de ser internacional. Mesmo a de 1917 só foi feita porque os bolcheviques acreditaram que ela pudesse ser o estopim da revolução européia, começando pela alemã.

Eles sabiam que era impossível construir o socialismo na Rússia, mas confiavam em que as dificuldades seriam amenizadas com a colaboração dos alemães no início, e de outros países depois.

Quando a revolução soviética ficou isolada, Stalin apresentou uma mera fórmula de sobrevivência como se fosse uma evolução teórica: afirmou que era possível, sim, construir o socialismo num único país.

Mas, o esforço para modernizar uma nação mal saída do feudalismo era demais para a devoção dos trabalhadores conscientes. Stalin teve de usar o chicote, exatamente como sempre se fez na "Santa Mãe Rússia". A coletivização forçada da agricultura, p. ex., deve ter causado a morte de 20 milhões de pessoas!

Como resultado, os defensores do capitalismo puderam desmoralizar o socialismo, apresentando-o ao mundo como um estado policial -e, infelizmente, era isto mesmo.

Deformando os ideais marxistas no território soviético e submetendo a revolução em outros países às conveniências geopolíticas da URSS, Stalin acabou sendo o que Trotski disse que ele seria: o coveiro da revolução.

Tal espantalho foi fundamental para que outros povos não se libertassem do capitalismo. E eo preço pago para salvar a revolução acabou sendo inútil, porque ela foi suprimida da mesma forma, em 1989.

Ninguém, nem mesmo o carrasco Pol-Pot, foi tão nocivo para o movimento socialista mundial como Stalin. Assumiu o poder quando o bolchevismo era uma esperança para os trabalhadores do mundo inteiro e, ao morrer, ele havia se transformado num pesadelo. Stalin simbolizou esta transição negativa.

Anônimo disse...

Agradeço pela sua resposta Celso.
Sobre querer construir o socialismo em um país atrasado a gente pode até relevar, agora o pior (além é claro das mortes que nem cabe discutir)foi ele não ter apoiado os movimentos revolucionários em outros países.

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