Os jovens talvez só tenham ouvido falar de Walter Hugo Khouri como o diretor de um filme polêmico (Amor estranho amor, de 1982) no qual Xuxa, antes de virar a rainha dos baixinhos, fez o papel de sedutora de um menor -e, com a mesma hipocrisia dos defensores da censura de biografias, adiante moveu céus e terras para impedir que continuasse sendo exibido em cinemas e comercializado em VHS, pois não condizia com a imagem que a TV dela fabricou.
Mas, claro, ele era muito mais do que isto. Ao longo de 25 filmes que dirigiu entre 1953 e 1998, sempre com roteiro próprio, Khouri se afirmou como uma espécie de Ingmar Bergman brasileiro, com quem coincidia em suas preocupações um tanto obsessivas sobre a incompreensão e incomunicabilidade entre os seres humanos (outra de suas influências: Michelangelo Antonioni). Complementarmente, era conhecido como o cineasta brasileiro que dava tratamento mais sofisticado às cenas nu e de sexo.
Considero Noite vazia -que vocês podem ver, completo, na janelinha abaixo- sua obra-prima. Mas, choca um pouco verificarmos que, no sinistro ano de 1964, as preocupações de Khouri estavam tão distantes das aflições dos melhores brasileiros. Enfim, seu mundo era outro, para o bem e para o mal.
Só me lembro de um filme em que ele se sintoniza um tiquinho com as sementes da revolta: O último êxtase (1973), no qual um jovem idealista e puro perde sua namorada para um quarentão montado na grana. Foi seu afago aos hippies e mochileiros.
Noite vazia tem exatamente a duração de uma noite, em que dois amigos de classe média (Mário Benvenutti e Gabriele Tinti) saem em busca de um programa e acabam tendo de se contentar com prostitutas da boca do luxo (Odete Lara e Norma Bengell).
Um trata a parceira como coisa, vive uma noitada degradante e dela sai tão podre quanto entrou. O outro descobre na parceira um ser humano, percebe o vazio no qual estava atolado e sai aparentemente redimido.
Khouri repetiria a crítica à bestialização de homens que procuram no sexo, obsessivamente, uma afirmação de poder, em O prisioneiro do sexo (1978). Eu, que nunca apreciara suas pretensões bergmanianas, considerei bom este filme nu e cru, feito numa época de vacas magras, na qual precisava provar aos produtores que ainda era capaz de fazer dinheiro...
Os críticos mais conhecidos, pelo contrário, preferiam suas obras mais pernósticas; caíram de pau no prisioneiro. Então, minha crítica no humilde jornal Fim de semana foi o que de melhor lhe restou para colocar em cartazes promocionais, ao lançar o prisioneiro no RJ.
Ligou-me para pedir autorização e, conversa vai, conversa vem, acabei tendo acesso privilegiado às filmagens e publicando vários textos sobre ele e as atrizes do seu filme de 1980, Convite ao prazer. De quebra, ele me contratou para escrever o texto do folheto.
Não deu liga. Ele queria que sua obra fosse abordada de forma pretensiosa e elitista, na eterna luta que travava para ser reconhecido pelos críticos como grande cineasta, imbuído de preocupações existenciais profundas, e não apenas como um bom despidor de corpos femininos; enquanto eu sempre busco a inteligibilidade e a clareza, escrevendo para o homem comum e não para os intelectuais. Nossos caminhos se distanciaram.
O que não me impede de considerar Noite vazia um dos dez melhores filmes brasileiros de todos os tempos.
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