A citação do grande Proudhon é longa, mas vale a pena lê-la até o fim. Para um homem de esquerda, tem tanta relevância quanto os 10 mandamentos para os cristãos:
"Ser governado é: ser guardado à vista, inspecionado, espionado, dirigido, legisferado, regulamentado, depositado, doutrinado, instituído, controlado, avaliado, apreciado, censurado, comandado por outros que não têm nem o título, nem a ciência, nem a virtude.
Ser governado é: ser em cada operação, em cada transação, em cada movimento, notado, registrado, arrolado, tarifado, timbrado, medido, taxado, patenteado, licenciado, autorizado, apostilado, admoestado, estorvado, emendado, endireitado, corrigido.
É, sob pretexto de utilidade pública, e em nome do interesse geral: ser pedido emprestado, adestrado, espoliado, explorado, monopolizado, concussionado, pressionado, mistificado, roubado;
Depois, à menor resistência, à primeira palavra de queixa: reprimido, corrigido, vilipendiado, vexado, perseguido, injuriado, espancado, desarmado, estrangulado, aprisionado, fuzilado, metralhado, julgado, condenado, deportado, sacrificado, vendido, traído e, para não faltar nada, ridicularizado, zombado, ultrajado, desonrado. Eis o governo, eis sua justiça, eis sua moral!"
O stalinismo e os regimes autoritários de esquerda vieram comprovar o acerto da postura de desconfiarmos sempre de governos e a necessidade de tudo fazermos para dar-lhes fim, instaurando uma sociedade de iguais em todos os sentidos, em que a administração dos homens seja substituída pela administração das coisas (tanto meta suprema do anarquismo quanto etapa final da edificação do comunismo --as divergências entre ambos se restringiam à via para chegarmos à sociedade perfeita, não havendo dúvida nenhuma quanto à obviedade de que nela não poderão existir governantes e governados).
No essencial, eu jamais abdiquei dos valores básicos da geração 68, como o de desconfiar sempre dos governos, inclusive dos tidos como amigos. A verdade é revolucionária! Se mentem, devem ser, sim, denunciados. E devemos cobrar-lhes autocríticas. E devemos exigir que passem a confiar mais no seu povo, ao invés de o manipular.
Governos nos traem: aliam-se até ao pior inimigo |
E, como os dramas dos anos de chumbo, minhas lutas na defesa dos direitos humanos e a atividade jornalística tornaram familiar para mim a sistemática do asilo político, desde o primeiro momento avaliei que, no episódio do resgate fantástico, era uma aberração o governo de Evo Morales ter passado mais de um ano e meio sem conceder o salvo conduto para o senador Roger Pinto Molina.
ENTÃO, FACE À POSTURA GROTESCA DO GOVERNO BOLIVIANO E AO DESCASO DO GOVERNO BRASILEIRO DIANTE DE UMA SITUAÇÃO INACEITÁVEL, JUSTIFICAVA-SE, SIM, O VOLUNTARISMO DO DIPLOMATA EDUARDO SABÓIA, QUE FOI, REPITO, O ÚNICO PERSONAGEM LOUVÁVEL DESSA COMÉDIA DE ERROS. ELE SALVOU A HONRA DO BRASIL, JÁ QUE O ITAMARATY PARECE TER ESQUECIDO ATÉ O SIGNIFICADO DA PALAVRA!
O pior veio depois, com a satanização de Sabóia pela rede virtual de propagandistas do governo, sempre prontos a repassarem as versões convenientes, sem nunca se preocuparem em verdadeiramente informar-se e refletir sobre os episódios. São os homens unidimensionais ditos de esquerda, contraponto à unidimensionalidade a que a indústria cultural reduz os cidadãos comuns, os videotas.
E, pouco a pouco, percebi que o governo boliviano fez com Molina exatamente o que o governo italiano fez com Cesare Battisti, satanizando-o a partir do veredicto de uma farsa jurídica que nenhuma democracia de verdade admitiria.
Só que a Bolívia agiu por atacado, com os processos contra Molina brotando como cogumelos a partir de 2008. Antes, amigo de Morales, recebia todas as honras. Depois, só faltou acusarem-no de haver assassinado Simon Bolivar...
Linchamentos morais são uma constante na web |
O que nunca serei na vida é tolo. Ao ver a pilha de uns 20 processos instaurados contra ele e quão disparatados alguns eram, não tive dúvidas de que sofria perseguição política e que o MEDÍOCRE (vide o episódio dos 12 torcedores corinthianos) Judiciário boliviano acumpliciava-se com uma mesquinha vendetta governamental.
Foi o motivo de eu haver reproduzido, neste sábado, uma entrevista do Molina. Antes, até admitia que pudesse ser mesmo um mero corrupto. Agora, tenho absoluta certeza de que isto é o que menos importava; fosse ele a Madre Teresa de Calcutá e inventariam pretextos para processá-lo da mesma maneira.
Por último, acabo de ter a confirmação do que já suspeitava: A BOLÍVIA NÃO ESTAVA DESOBRIGADA DE CONCEDER O SALVO CONDUTO, COMO OS PROPAGANDISTAS BRASILEIROS ALEGARAM. Eis o que o ex-ministro das Relações Exteriores Luiz Felipe Lampreia esclarece (os grifos são meus):
"É de grande relevância registrar que existe uma Convenção sobre Asilo Diplomático firmada em Caracas no dia 28 de março de 1954, que se acha em pleno vigor e da qual a Bolívia é signatária desde o primeiro dia, assim como nosso país.
Essa convenção reza que 'concedido o asilo, o Estado asilante pode pedir a saída do asilado, sendo o Estado territorial obrigado a conceder imediatamente, salvo caso de força maior, as garantias necessárias a que se refere o artigo 5º e o correspondente salvo-conduto'".
O diplomata septuagenário, aliás, chegou exatamente à mesma conclusão que eu: "O governo brasileiro deveria ter tratado do assunto com mais firmeza", pois impunha-se "uma posição firme e categórica", com a "exigência mais enérgica do cumprimento do direito internacional".
Antigamente se dizia que "em tempo de guerra, mentira como terra". Só que não estamos em guerra. E nem quando era nenê eu engolia terra.
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