Se fizer concessões ao blefe de pijamados que não têm real influência nas tropas... |
Quando a Comissão da Verdade se tornou lei, teria sido melhor definir seus integrantes e instalá-la de imediato "ou usar o largo prazo de 180 dias para compô-la, contando em enfraquecer com o tempo e a persuasão as reações dos temerosos ou contrários à veracidade histórica"?
A indagação é do veterano jornalista Janio de Freitas, na sua coluna desta 5ª feira (ver íntegra aqui).
Para ele, não há como saber, ainda, se o governo fez a melhor escolha ao optar pelo segundo caminho.
Na minha opinião, o Manifesto Interclubes e o Manifesto Brilhante Ustra constituem prova evidente de que a opção foi desastrosa. Deu-se ao inimigo todo tempo do mundo para reagrupar suas forças e reagir, e o resultado aí está: pressões e intimidações cujo verdadeiro objetivo é torná-la inócua, ao arrepio do que o Executivo propôs e o Legislativo aprovou.
Agora, tudo leva a crer que acontecerá o que eu, desde o primeiro momento, temia: a indicação, para integrá-la, de sete personagens conciliatórios, palatáveis aos que têm esqueletos no armário e aos remanescentes/simpatizantes da ditadura, em geral.
Foi o que me levou, em setembro, a apresentar-me como anticandidato à Comissão da Verdade: evitar que o espaço fosse totalmente tomados por cidadãos com espinha flexível, dispostos a concessões em nome da famosa governabilidade (a justificativa para todas as incoerências e todos os recuos!).
Então, mais do que nunca, insisto: presidente Dilma, não adianta bom senso e jogo de cintura ao lidar com essa minoria de fanfarrões obcecados em evitar que sua imagem apareça no espelho da História como os Calibãs que foram e que ainda são.
...o governo, apesar das aparências, terá perdido a verdadeira batalha. |
[É um esforço inútil, claro. Independentemente do veredicto do Estado brasileiro, Brilhante Ustra será lembrado até o fim dos tempos como o comandante de um dos piores centros de tortura que já funcionaram no Brasil e Jarbas Passarinho, signatário do seu recente manifesto, como o ministro que afirmou estar mandando os escrúpulos às favas ao endossar outro documento igualmente hediondo, o que instaurou o AI-5.]
Ceder desta vez, explicita ou implicitamente, só os estimulará a ameaçarem com a velha desordem militar sempre que sentirem seus calos pisados. E os desafios vão se tornar cada vez mais explícitos e intoleráveis.
Ceder desta vez, explicita ou implicitamente, só os estimulará a ameaçarem com a velha desordem militar sempre que sentirem seus calos pisados. E os desafios vão se tornar cada vez mais explícitos e intoleráveis.
Então Jânio de Freitas está certíssimo quanto à forma de lidar com os dois manifestos "dessas criaturas da Guerra Fria, que elevaram o anticomunismo acima dos seus juramentos militares, da Constituição e da soberania nacional": a presidente da República e o ministro da Defesa tem mesmo é de "cobrar, na forma da lei e dos regimentos militares, o respeito à sua autoridade impessoal e à Constituição".
Como ele bem sintetizou: "aos fora da lei, a lei".
Mas, não adiantará nada ambos manterem firmeza aparente e recuarem no que realmente importa.
O primeiro manifesto insubmisso exigia que Dilma desautorizasse suas ministras Eleonora Menicucci e Maria do Rosário, e foi o que Amorim implicitamente fez, ao garantir aos militares que a Comissão da Verdade vai respeitar a anistia que os verdugos concederam a si próprios, como um habeas corpus preventivo, em 1979.
Se Dilma, ademais, constituir a Comissão com sete figuras que não cheirarem nem federem; e se aceitar a exclusão de antigos combatentes contra a ditadura --o que equivalerá a endossar a velha tese do Brilhante Ustra & cia., da igualação dos torturadores e resistentes, dos carrascos e suas vítimas, de bestas-feras da tirania e defensores da liberdade--, então os oficiais de pijama terão, na verdade, vencido a parada, apesar das aparências.
E dias piores virão, com certeza.
Um comentário:
Talvez o Jânio não saiba das dificuldades de encontrar tais pessoas, dispostas e capazes, para uma tarefa que é espinhosa e colossal. Por outro lado, reitero que a comissão não é um tribunal, já que nossas leis não prevêem a criação de tribunais de exceção em tempos de normalidade democrática. Mas, como disse antes, uma vez que nenhuma lesão ou ameaça de lesão ao direito pode ser excluída da apreciação do poder Judiciário, os fatos que ali forem apurados podem servir, sim, como elementos para fundamentar novas ações. Em todo caso, o valor simbólico dessa iniciativa é, hoje, muito mais importante que qualquer punição em si. Você declara o Estado culpado e comprova que quem agiu em seu nome foi fulano: essa pessoa, que se escondia sob o anonimato institucional, vem à tona, agora no papel de carrasco, verdugo, crápula. É isso.
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