domingo, 15 de maio de 2011

UMA ÚLTIMA PALAVRA SOBRE O CASO DE MASSAFUMI YOSHINAGA

No artigo Dois enfoques do drama de Massafumi Yoshinaga, eu mais reproduzi o que sabia do que, propriamente, me posicionei -- salvo quanto à atitude do Pérsio Arida, que considerei a pior possível. Ele jamais deveria ter evocado, daquela forma oportunista e insensível, uma tragédia pessoal tão terrível.

No outro blogue, um companheiro pediu uma definição minha sobre o "arrependimento" do Massa.

Talvez valha a pena reproduzi-la aqui, como uma palavra final sobre o assunto.

O Massa, antes mesmo de deixar a VPR, já sentia-se como um estranho no ninho.

Queixava-se de estar distante das massas, sentindo, nas suas palavras, "falta de calor humano".

Dizia que não aguentava mais ouvir falarem o dia inteiro sobre assuntos militares, queria outros papos.

Aí ele saiu e a Organização, responsável por haver se tornado perseguidíssimo, nada fez pelo Massa: não providenciou sua fuga para o exterior e nem mesmo deu uma graninha para ele se manter durante alguns meses. Nada.

Então, vivendo como um mendigo durante quase meio ano, estava chegando no limite.

Foi quando viu cinco velhos amigos se "arrependendo", inclusive o guru dele, o Marcos Vinícius Fernandes dos Santos.

Procurou a irmã do Marcos, enviou-lhe um pedido de socorro e, em troca, recebeu conselho para se render.

Para dourar a pílula, o Marcos ainda mandou a irmã dizer que, entregando-se, o Massa agilizaria a libertação dos cinco.

Então, o Massa sentiu-se desculpado para ceder. Viu-se fazendo uma ação nobre, à maneira dos antigos samurais (assim ele se justificou depois para o tio Akitoshi).

Como eu coloquei, caiu numa armadilha do destino. Errou, claro, e pagou um preço altíssimo.

Agora que tudo isso pertence a um passado distante, podemos reequilibrar os pratos da balança, admitindo que o coitado teve lá suas atenuantes.

Como a de que nem de longe ele estava estava preparado para uma militância em condições tão extremadas, mas a VPR o aceitou por falta de quadros mais apropriados.

A de que, ademais, ele era muito jovem. Quem, aos 20 anos, não se desesperaria ao levar vida de fugitivo, sem recursos e em constante perigo, vendo seu rosto em cartazes espalhados pelo Brasil inteiro? Poucos. 

E a de que ele só tomou a decisão errada depois de comer o pão que o diabo amassou.

Se merecia castigo, já foi suficientemente castigado em vida, ao passar os últimos anos em parafuso, num inferno inenarrável.

E se a esquerda queria castigá-lo, já o fez, imputando-lhe faltas que não cometeu,  mas contribuíram para seu ostracismo e depressão. O Massa não dedou companheiros nem entregou área guerrilheira nenhuma, como a VPR colocou até num manifesto.

O que ele fez foi colaborar com a propaganda inimiga -- agindo tal e qual cerca de 40 militantes  no Brasil inteiro, em diferentes circunstâncias e por diferentes motivos.

Inclusive eu, infelizmente.

Inclusive o José Genoíno (*), sem que o mundo desabasse na sua cabeça.

Por que foi tão seletiva a intensidade da estigmatização, a ponto de o principal bode expiatório ser empurrado para o suicídio?

Brecht, aos que viriam depois: "pensem
em nós com um pouco de compreensão"
.
Salta aos olhos e clama aos céus que a responsabilidade pela derrota da luta armada não cabe aos Massafumis, Lungarettis e Genoínos.

Perdemos porque o inimigo era totalmente inescrupuloso, recorria a práticas hediondas que nossa ideologia nos vedava, tinha muito mais recursos e muito mais homens.

E,  last but not least, contava com a mão forte dos EUA, que, com seus vultosos investimentos, viabilizaram o tal  milagre econômico -- de curta duração, mas a suficiente para criar no Brasil uma euforia consumista que minou o apoio popular à guerrilha, já tão escasso (antes, em 1969, a grande maioria dos que concordavam conosco tinha medo de envolver-se, pois os riscos eram imensos).

Fomos isolados, acuados e esmagados. Quem conhece a concepção materialista da História, sabe muito bem que tal desfecho independeu das ações de um, dois ou 40 militantes.

Finalmente, outro pequeno detalhe que o Pérsio esqueceu: no momento mais crítico, o Massa não teve o apoio de uma família ricaça como a Arida, que conseguia até subornar impunemente policiais em plena ditadura.

* refiro-me ao prospecto distribuído no Araguaia para estimular os guerrilheiros a se renderem, com foto do Genoíno instalado numa cela cheia de mordomias. Se, como no meu caso, a alternativa  era a tortura e a morte, é preciso avaliar-se bem se valia a pena alguém imolar-se para frustrar uma jogada propagandística de efeito duvidoso.

4 comentários:

Júlio disse...

Celso, acompanhei e gostei destes textos sobre esse rapaz, Massafumi. Destruído por um dos momentos históricos mais crueis da nossa história, o rapaz não foi nem covarde e nem herói, foi um homem digno. Não entregou nada e nem ninguém. Nem se favoreceu individualmente, pelo contrário, acabou se suicidando. É importante resgatar a história de homens como o Massafumi.

forte abraço.

PERNAMBUCANO FALANDO PARA E COM O MUNDO disse...

O segredo é do medo que encerra.

O segredo é somente uma cela e um pau de arara.

No escuro da noite, sem haver razões, tem estrelas caladas com sonhos e ilusões.

Estão trancados, perdidos, com a mente sempre a voar.

Anônimo disse...

Rapaz, são temas que a história vai cobrar de vcs. e outros
. Uns podem aguentar o tranco, outros....

celsolungaretti disse...

O Massa era muito emotivo, caiu na armadilha de ver a si próprio pelos olhos dos outros. Isto o destruiu.

Eu nunca duvidei, por um momento sequer, da minha condição de injustiçado. Fiz questão de sobreviver para poder tornar pública minha versão dos acontecimentos, custasse o que custasse.

Desde muito jovem, tenho a característica de não me importar com o número de pessoas que esteja contra mim, quando tenho a convicção de estar certo. Então, enquanto não estavam criadas as condições para meu resgate pessoal, simplesmente fiz outras coisas na vida.

Cheguei a pensar que só seria reabilitado depois de morto. Saí no lucro.

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