segunda-feira, 7 de março de 2011

O ENSINO: PORQUE NADA RESTOU, TEREMOS DE RECONSTRUIR TUDO

A ditadura militar de 1964/85 intimidou reitores, diretores, alunos e professores, criando um ambiente irrespirável nas escolas.

Primeiro foram os expurgos, a caça às bruxas.

Depois que a poeira baixou, veio a fase da paranóia: quem estava em instituições ou cursos tidos como de esquerda, sabia ser vigiado o tempo todo, por espiões infiltrados nas salas-de-aula. Todo cuidado era pouco.

No entanto, até por falta de capacidade intelectual -- imaginem só, o coronel Jarbas Passarinho chegou a ser ministro da Educação!!! --, os governos militares não conseguiram implantar a filosofia educacional fascistóide que seria condizente com sua visão de mundo. Causaram mais males no varejo que no atacado.

Pior mesmo foi a mercantilização do ensino que veio em seguida, com a imersão total do Brasil no capitalismo globalizado. Deixaram de existir estudantes, no sentido real do termo. Foram substituídos por carreiristas ávidos por adquirir diplomas e outras certificações, com o único objetivo de agregarem valor a seus currículos profissionais.

Nem mesmo a ditadura conseguiu suprimir a tradicional missão da educação, de capacitar os cidadãos para refletirem sobre o mundo em que vivem. A sociedade de consumo logrou este feito.

Agora, as escolas formam apertadores de parafusos, com uma formação especializada que lhes permite executar mal e porcamente suas tarefas numa determinada profissão -- e mais nada. Que terra arrasada!

Quando cursei a Escola de Comunicações e Artes da USP, na década de 1970, os dois primeiros anos eram de formação geral, de forma que extraíamos ensinamentos riquíssimos da sinergia com os colegas de outras vocações (jornalismo x música, p. ex.). Esse respiradouro foi fechado, com a especialização castradora sendo agora imposta desde o primeiro dia.

Disciplinas fundamentais para adquirirmos um conhecimento mais crítico e globalizante foram praticamente banidas dos currículos -- começando pela filosofia, que nos permite estabelecer conexões entre os várias abordagens da realidade, habituando-nos a pensar o todo, as partes e as interações entre ambos.

E que dizer do latim, vital para a compreensão de como os idiomas evoluíram e se diferenciaram a partir de uma base comum?! Como é triste ver brasileiros macaquearem sofregamente o falar estrangeiro e não mostrarem o menor interesse na jornada evolutiva que está por trás dele!

NOSSA MÁXIMA CULPA -- É terrível o sentimento de culpa que minha geração carrega, por haver se deixado dizimar na luta armada, ficando praticamente fora de cena quando a sociedade brasileira se reconfigurava ao longo da década de 1970 -- para pior, infinitamente pior.

Então, os que de gênios tinham muito pouco mas possuíam ganância e oportunismo em excesso, puderam concretizar sem maior resistência seu objetivo de substituir qualificação por memorização mesmerizada, franqueando as universidades a uma legião de zumbis do sistema.

Mas, nem tudo está perdido. Emblematicamente, desde 2007 o movimento estudantil vem dando sinais de vida e ensejando esperanças de que o retrocesso, afinal, seja detido e voltemos a caminhar para a frente.

Exatamente como em 1967, quando as setembradas foram a primeira reação marcante à imensa prostração que se abateu sobre os idealistas após o êxito da quartelada.

Meio na surdina, sem serem noticiadas com destaque pela domesticada grande imprensa, as ocupações de reitorias foram pipocando por todo o País, desde a vitoriosa reação dos estudantes da USP a decretos abusivos do Governo Serra, em 2007.

E não foi pouco os estudantes terem conseguido derrubar o reitor da Universidade de Brasília que, imbuído da imoralidade do "enriquecei!" capitalista, emasculou o templo do saber.

Quando um terremoto destruiu a infra-estrutura com que o Chile contava para sediar o Mundial de Futebol de 1962, um grande dirigente esportivo andino liderou o esforço para reerguer-se tudo em tempo recorde, tendo proferido uma frase célebre: "porque nada tenemos, lo haremos todo".

Em matéria de educação, é mais ou menos essa a situação. Nada mais temos, então precisamos construir tudo de novo... com 1968 como referencial.

4 comentários:

Felipe disse...

Nova manchete da Folha:

"Brasil não está pronto para erradicar miséria, diz pesquisador"

Se depender deste jornal, nunca estará!

Haroldo Mourão Cunha disse...

Celso, a respeito disso, leia o artigo de Roberto Porto no "Direto da Redação".
http://www.diretodaredacao.com/noticia/passou-meu-filho-pesames-para-o-brasil

Anônimo disse...

Celso,

admiro tua coragem em abordar frontalmente o tema das horríveis repercuções da ditadura em nossa história... e os ecos e 'fantasmas' que ainda insistem nos afrontar...

a paciênica em relatar toda tua vivência! na tentativa de decifrar este imenso quebra-cabeças... hoje com 190 milhões de fragmentos...

eu hoje, aos 53 anos, (já há algum tempo, você sabe consigo admitir também minha condição de "náufrago-desta-utopia") ainda me espanto com tuas revelações.

sou lhe profundamente agradecido pelo despertar de minha consciência cidadã e lhe desejo força e sabedoria pros teus combates!

sds,
Márccio Campos
rio de janeiro

celsolungaretti disse...

Márcio,

é gratificante ler algo assim, obrigado!

Eu participei de uma luta em que muitos morreram. Também acreditava que deveria "vencer ou morrer", mas acabou não acontecendo nem uma coisa, nem outra.

Então, eu há quatro décadas me considero um sobrevivente. E acredito que a missão dos sobreviventes é manter vivos os valores pelos quais os companheiros combateram.

Isso não tem nada a ver com estratégia. A luta armada cabia naquele momento, mas não cabe no atual.

Eu falo dos valores morais, como a honestidade intelectual, a fidelidade ao ideário da esquerda e a determinação de lutar sempre por ele, sem aburguesamento nem concessões à "realpolitik".

É importante haver alguém de esquerda lembrando as objeções de Marx a tiranos e a estados teocráticos, enquanto tantos defendem Egito e Irã apenas por serem pedras no sapato dos EUA e de Israel.

Eu tento mostrar como era a esquerda do meu tempo: capaz de ver muito mais longe e de produzir análises bem mais complexas do que essa mentalidade de Fla x Flu hoje predominante.

Um abração, Márcio!

Related Posts with Thumbnails