Como meu sobrenome deixa evidente, sou de ascendência italiana (por parte do avô paterno e do bisavô materno).
Mas, os dois ramos já haviam se dissociado desse passado quando eu começava a entender as coisas.
Uma lembrança remota da minha meninice foi a do meu pai e meu tio comentando a morte de um ancestral famoso: Angelo Longaretti (1). Circulava de mão em mão a notícia publicada no jornal italiano Corrieri della Sera.
Atraído pelas promessas dos fazendeiros brasileiros, que mandavam recrutadores à Itália oferecendo viagem gratuita, Angelo veio trabalhar na lavoura cafeeira.
Raul Salles, filho do fazendeiro Diogo Eugênio Salles, assediou a irmã de Angelo. Este tentou transferir-se com a família para outra fazenda, mas Raul fez com que fossem rejeitados. E ainda persuadiu o delegado de Analândia a prender Angelo por embriaguez.
Quando o soltaram, no dia 3 de outubro de 1900, Diogo e Raul tentaram expulsar os Longaretti da fazenda, sem pagar-lhes os 2.000 réis a que faziam jus por seu trabalho. O velho Francisco, pai de Angelo, disse que não sairiam. Diogo agarrou-o, sacudiu-o e atirou-o no chão.
Angelo, vendo o pai desmaiado, supôs que estivesse morto. Foi buscar uma velha e enferrujada garrucha (2) e disparou contra Diogo, ferindo-o mortalmente.
Seguiu-se uma série de descalabros, como as intimidações policiais a habitantes de Analândia para que depusessem contra Angelo.
Este evadira-se, mas acabou sendo detido em 18 de maio de 1901, delatado por um compatriota ávido pela recompensa por sua prisão.
No processo, não foi levada em conta a minoridade do réu (Angelo ainda não completara 21 anos) nem o juiz providenciou tradutor para ele e as testemunhas da defesa que não falavam bem o português. E foram relevadas várias contradições dos acusadores.
O falecido era irmão do presidente Campos Sales, que cogitou até a instauração da pena de morte, com efeito retroativo, para que pudesse ser aplicada nesse caso; mas, foi dissuadido pela Inglaterra.
O governo italiano, supondo tratar-se de mais um anarquista, não deu a mínima. Angelo foi, entretanto, fortemente apoiado pela colônia, que até se cotizou para pagar-lhe um advogado famoso. Isto não impediu sua condenação a 21 anos de reclusão.
Num segundo julgamento a pena diminuiu para 10 anos. Acabou cumprindo sete anos e meio da pena e sendo libertado por decisão do Supremo Tribunal Federal. Voltou à Itália, onde levou vida tranqüila até a morte, em 1960.
Atraído pelas promessas dos fazendeiros brasileiros, que mandavam recrutadores à Itália oferecendo viagem gratuita, Angelo veio trabalhar na lavoura cafeeira.
Raul Salles, filho do fazendeiro Diogo Eugênio Salles, assediou a irmã de Angelo. Este tentou transferir-se com a família para outra fazenda, mas Raul fez com que fossem rejeitados. E ainda persuadiu o delegado de Analândia a prender Angelo por embriaguez.
Quando o soltaram, no dia 3 de outubro de 1900, Diogo e Raul tentaram expulsar os Longaretti da fazenda, sem pagar-lhes os 2.000 réis a que faziam jus por seu trabalho. O velho Francisco, pai de Angelo, disse que não sairiam. Diogo agarrou-o, sacudiu-o e atirou-o no chão.
Angelo, vendo o pai desmaiado, supôs que estivesse morto. Foi buscar uma velha e enferrujada garrucha (2) e disparou contra Diogo, ferindo-o mortalmente.
Seguiu-se uma série de descalabros, como as intimidações policiais a habitantes de Analândia para que depusessem contra Angelo.
Este evadira-se, mas acabou sendo detido em 18 de maio de 1901, delatado por um compatriota ávido pela recompensa por sua prisão.
No processo, não foi levada em conta a minoridade do réu (Angelo ainda não completara 21 anos) nem o juiz providenciou tradutor para ele e as testemunhas da defesa que não falavam bem o português. E foram relevadas várias contradições dos acusadores.
O falecido era irmão do presidente Campos Sales, que cogitou até a instauração da pena de morte, com efeito retroativo, para que pudesse ser aplicada nesse caso; mas, foi dissuadido pela Inglaterra.
O governo italiano, supondo tratar-se de mais um anarquista, não deu a mínima. Angelo foi, entretanto, fortemente apoiado pela colônia, que até se cotizou para pagar-lhe um advogado famoso. Isto não impediu sua condenação a 21 anos de reclusão.
Num segundo julgamento a pena diminuiu para 10 anos. Acabou cumprindo sete anos e meio da pena e sendo libertado por decisão do Supremo Tribunal Federal. Voltou à Itália, onde levou vida tranqüila até a morte, em 1960.
Mas, esta história familiar não me interessou muito na época. Só fui lhe dar valor muito tempo depois, em função do rumo que minha própria vida tomou.
O que me predispôs mesmo a valorizar meu sangue latino foram os livros do primeiro autor que me fez a cabeça: Monteiro Lobato, com sua veneração pelo legado greco-romano.
Graças a ele, passei a identificar a Itália com o humanismo, o equilíbrio, a sensatez. Não com o fascismo que só a derrota na II Guerra Mundial conseguiu afastar do poder.
E foi ainda a arte que reforçou minha admiração pela Itália: desde os fundamentais escritores Dante Alighieri, Alberto Moravia e Italo Calvino até os maravilhosos filmes de Federico Fellini, Ettore Scola, Mario Monicelli e tantos outros.
O AFETO QUE SE ENCERRA
Sem nunca ter podido conhecer a pátria dos meus antepassados, eu supunha que fosse um contraponto ao american way of life, tão sôfrego e calculista. Idealizava cada italiano como um Marcello Mastroianni e cada italiana como uma Sofia Loren.
E, embora estivesse ciente dos excessos com que foram combatidos os militantes da ultraesquerda na década de 1980, não os imputava ao povo italiano.
Para mim, a culpa toda era do PCI, que aliara-se ao partido da burguesia facinorosa (a Democracia Cristã) contra os verdadeiros revolucionários, tangendo-os ao desespero e a atitudes insensatas como a execução de Aldo Moro.
Aí, pensava eu, aproveitando o emocionalismo do momento, os herdeiros de Mussolini e os traidores de Gramsci lançaram aquela extemporânea caça às bruxas.
O Caso Battisti desfez rudemente minhas ilusões: percebi que existem italianos comuns, a exemplo do que ocorria durante o fascismo, submetendo-se docilmente a lideranças demagógicas e rancorosas.
Assim como os brasileiros foram levados pela mídia a quase trucidarem os donos da escola-base, houve italianos que aderiram grotescamente à vendetta pregada por Berlusconi. Que decepção!
O aspirante a Duce me fez lembrar uma frase que andou em voga no final do patético governo do arenoso que herdou a primeira Presidência da Nova República, embora fosse um dos brasileiros que menos a merecesse: "De hora em hora, Sarney piora".
Berlusconi também tem piorado de hora em hora: recorre a um estoque infinito de casuísmos, abusando do seu poder e contando com a cumplicidade de parlamentares ignóbeis, para driblar processos por crimes financeiros e corrupção, em que fatalmente seria condenado, persegue os imigrantes com furor e arbitrariedades que fazem lembrar o pesadelo hitlerista, protagoniza escândalos e deboches dignos de um Calígula, etc.
Os companheiros que participarem da manifestação de protesto marcada para esta 6ª feira, diante do consulado italiano em São Paulo, deverão ter em mente, entretanto, que a imprensa golpista brasileira transmite uma visão distorcida, exageradíssima, da amplitude da rejeição a Cesare Battisti.
Da mesma forma como uma Veja cria a ilusão de insatisfação generalizada com nosso governo anterior e o atual, também o noticiário a respeito de Battisti dá erroneamente a entender que ele seja, ao menos, um personagem importante para a opinião pública italiana.
Na verdade, não o é. Faz muito barulho a banda de música neofascista -- e também a dos comunistas que outrora abdicaram de seus ideais para participar do governo, e hoje movem céus e terras para silenciar os que lhes cobram tal infâmia.
Mas, falam por si, e não pelas grandes massas.. Estas têm outros interesses, preocupações e prioridades, bem mais prosaicas. Os direitistas assumidos e empedernidos não constituem, nem de longe, a maioria, melhor definida pelo título de uma obra-prima de Moravia: Os Indiferentes.
Ou, mais precisamente: os omissos. Não devemos isentar os demais italianos da culpa por tudo que faz em seu nome o inacreditável Berlusconi. A sabedoria antiga continua valendo: quem cala, consente.
Ainda assim, a nada nos levará antagonizar os trabalhadores e cidadãos comuns de outros países.
Devemos, isto sim, incentivá-los a reencontrarem a humanidade perdida, distanciando-se da herança mussolinesca e reassumindo os nobres valores dos quais seu passado também é pródigo. Como os da Renascença.
Nossa luta, em última análise, é contra o capitalismo -- e suas manifestações extremadas, como o fascismo que Berlusconi tenta pateticamente reviver, numa repetição da História como buffonata.
Enfim, não são um país e um povo nossos verdadeiros alvos -- mas sim o sistema que inspira os pogroms contra imigrantes e a vendetta contra Battisti, entre tantas formas de intimidação a que o capital recorre para, pelo arbítrio e o terror, perpetuar sua dominação.
- o sobrenome familiar correto é Longaretti, mas Papai foi registrado equivocadamente como Lungaretti, já que o escrivão confundiu-se com o sotaque italiano do meu avô. E eu também acabei ficando Lungaretti.
- curiosamente, a arma lhe fora há tempos entregue pelo próprio Raul, como pagamento por um serviço prestado
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