domingo, 30 de janeiro de 2011

A CHANCE DESPERDIÇADA DE UMA VERDADEIRA REDEMOCRATIZAÇÃO

"A praça! A praça é do povo
Como o céu é do condor
É o antro onde a liberdade
Cria águias em seu calor!"
(Castro Alves)

Foi de arrepiar a campanha das diretas-já, desenvolvida pela cidadania para convencer o Congresso Nacional a aprovar a emenda Dante de Oliveira, que restabelecia imediatamente as eleições diretas para presidente da República.

Houve uma série de grandes comícios nas nossas principais capitais, alguns deles reunindo até 1 milhão de brasileiros que não suportavam mais a bestialidade & boçalidade implantadas pelos golpistas de 1964.

As minhas melhores lembranças são:
  • o mar de camisas amarelas sinalizando a volta da esperança; 
  • o incrível carisma de Leonel Brizola que, em função da mesquinha disputa de espaço político no campo da esquerda, começou sob vaias seu discurso numa manifestação das diretas-já na Praça da Sé (SP) e, com uma fala empolgante, conseguiu colocar o público a seu favor, terminando sob aplausos generalizados; 
  • e a promessa do craque Sócrates num comício-monstro do Anhangabaú (SP), de que, caso fosse restituído ao povo brasileiro o direito de escolher seu presidente, ele ficaria aqui para contribuir na redemocratização, recusando a proposta astronômica da Fiorentina.
Infelizmente, o Congresso rejeitou em abril/2004 a Dante de Oliveira e a eleição acabou sendo, mais uma vez, indireta. 

Aí, parte dos parlamentares que haviam frustrado a vontade popular abandonou o partido da ditadura (PDS) e formou uma nova agremiação (o PFL, depois DEM) que, unida ao PMDB, assegurou a vitória do peemedebista Tancredo Neves no colégio eleitoral.

Os vira-casacas de última hora receberam todas as recompensas.

Um dos piores deles era José Sarney,  que presidia o PDS, estimulou a dissidência que viraria PFL... mas ele próprio se filiou ao PMDB, provavelmente para tornar mais digerível sua indicação para vice na chapa de Tancredo, que já estava sendo articulada.

A Presidência acabou lhe caindo no colo: como Tancredo, vitimado por uma infecção generalizada, nem sequer pôde assumir, o primeiro presidente pós-ditadura acabou sendo alguém que, meses antes, era um dos mais servis porta-falácias da ditadura.

E as perguntas que não querem calar:
  1. quando, exatamente, esses congressistas de origem  arenosa  decidiram desembarcar da canoa furada da ditadura?
  2. foi só depois de eles terem assegurado, com seus votos, a rejeição da emenda Dante de Oliveira?
  3. ou já tinham esse projeto em mente, mas voltaram as costas ao povo para depois obterem bom preço nas barganhas com o PMDB?
O certo é que, pelo voto popular, daria Brizola ou Lula; pela via indireta, deu Tancredo.

A grande imprensa, sob a batuta da Rede Globo, tudo fez para vender o conceito de que tal saída da ditadura pela porta dos fundos era o coroamento das diretas-já.

O auê saudando a Nova República foi poeira colorida atirada nos olhos dos brasileiros, que acabaram engolindo gato por lebre: uma redemocratização pela metade, com expressiva participação de cúmplices da ditadura, ao invés da verdadeira ruptura com o totalitarismo que a aprovação da emenda Dante de Oliveira teria propiciado.

Vai daí que não se investigaram as atrocidades cometidas pelo regime militar, nem se julgaram os criminosos (que haviam anistiado preventivamente a si próprios).

E, por se ter deixado passar o momento ideal para a apuração e punição dos responsáveis por tais episódios infames, é possível que isto nunca venha a ocorrer.

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