Num primeiro momento, a tendenciosidade com que a Folha de S. Paulo enfocou o fato prosaico de Dilma Rousseff ter sido guardiã de um envelope fechado com o endereço do arsenal da VAR-Palmares me irritou profundamente. Tanto que nem me preocupei em repassar as minhas recordações de 1969.
Depois de escrito meu artigo, entretanto, refleti um pouco e me caiu a ficha sobre o motivo dessa medida.
É que, em setembro daquele ano, três desafortunados militantes da VAR-Palmares tiraram o azar grande: seu veículo teve qualquer problema no Largo da Banana, à noite.
Tratava-se de um logradouro muito vigiado pela Polícia comum, no bairro paulistano da Barra Funda.
Não tiveram a prudência de abandonar o carro e ir embora, cada um para um lado. Ficaram tentando recolocá-lo em movimento.
Despertaram suspeitas em policiais que passavam numa viatura. Houve troca de tiros, na qual morreram Fernando Borges de Paula Ferreira (o Fernando Ruivo) e Luiz Fogaça Balboni.
O terceiro era João Domingos da Silva, o Elias, meu companheiro no Comando Estadual da VAR; ele liderava os grupos táticos, ou seja, as unidades de operações armadas.
O Elias ficou gravemente ferido, mas sobreviveu. As bestas-feras da Operação Bandeirantes, entretanto, o submeteram a torturas antes de que os ferimentos estivessem suficientemente cicatrizados. Teve uma hemorragia e morreu.
O companheiro, infelizmente, não tinha muito senso de organização: guardava as informações na cabeça. Perdemos aparelhos, armas e veículos que só ele sabia onde estavam.
Como resultado houve um verdadeiro caos, tendo quadros procuradíssimos de ser amontoados nos poucos aparelhos que restaram.
Ora, o Antônio Roberto Spinosa, do Comando Nacional, acompanhou de perto tal situação. Então, com certeza, deve ter sugerido a medida em questão, para diminuir a possibilidade de novas perdas.
Ou seja, o local do arsenal provavelmente seria do conhecimento de apenas um ou dois militantes, incumbidos de retirar as armas quando necessitadas; e alguém do Comando -- no caso, a Dilma -- guardaria o endereço, lacrado, só abrindo o envelope no caso de queda(s).
É ridículo a Folha, a partir desta providência rotineira, ficar buscando pêlo em ovo. Ela não estabelece vínculo real nenhum entre Dilma e o uso que era dado às armas.
Da mesma forma, quando foi adquirida a área inicial de treinamento guerrilheiro em Registro (SP), o Comando Nacional determinou que a propriedade ficasse em nome de um membro do Comando Estadual.
Era desaconselhável ou impossível para os demais fazerem essa viagem, então acabou sobrando para mim, embora meu setor fosse o de Inteligência.
No cartório de Jacupiranga, assinei a papelada sem ler. Não soube, naquele momento, nem sequer o nome da cidade. Olhava sempre para o chão.
Até hoje os sites ultradireitista dão grande importância ao fato de que meu nome aparecia na escritura desse sítio. No entanto, àquela altura, eu não tinha envolvimento real nenhum com a tarefa principal (instalação do foco).
Seria despropositado apresentarem-me como participante da guerrilha rural apenas por ter servido de fachada para a aquisição dessa área, assim como são despropositadas as prevenções que tentam criar contra a Dilma.
Alguns meses mais tarde, devido a um fato novo (eu ter-me tornado, também, alvo importante da repressão), acabei integrando a equipe precursora incumbida de preparar a escola de guerrilha para receber seus alunos. Mas, esta é outra história.
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