segunda-feira, 14 de junho de 2010

VARGAS LLOSA: EXISTE FOME E GENTE QUE MORRE POR FALTA DE REMÉDIOS EM GAZA


Mario Vargas Llosa escreve tão bem que consigo ler com satisfação até seus piores livros.

Se me fosse dado decidir qual a obra literária que melhor traduz a terra e o transe de nuestra America, eu ficaria com o mais consistente e rigoroso Conversa na Catedral, de preferência aos fogos de artifício de Cem Anos de Solidão, de Gabriel Garcia Marques.

Politicamente, entretanto, Llosa é mais um homem de esquerda que, em função de algumas más experiências, ficou desnorteado.

Não me dá nem vontade de discorrer sobre isso, embora pudesse. Fico sempre triste e pesaroso quando vejo pessoas com o talento de Llosa perderem a esperança num mundo melhor, que o capitalismo jamais nos proporcionará.

Enfim, o que eu quero mesmo é dizer que seu artigo A difícil amizade com Israel, traduzido e publicado por O Estado de S. Paulo neste domingo (13), é condescendente demais com o estado judeu em várias passagens, mas consegue ser bem fiel ao drama palestino noutros trechos.

Não dá para engolirmos, p. ex., esta confissão:
"Continuo amigo dos israelenses, apesar da repugnância que me inspira o governo atual, a intransigência fanática dos seus colonos, os abusos e, às vezes, os crimes que Israel comete nos territórios ocupados, em Gaza, ou fora das suas fronteiras, como vimos com os nove mortos e as dezenas de feridos da frota da liberdade".
Será que não lhe sobraram amigos menos reprováveis?

O que há de melhor no artigo são as observações in loco de Llosa, que visitava Israel no momento mesmo do brutal ataque à flotilha de ajuda humanitária. Vale a pena reproduzi-las aqui:
"Esta foi a quinta vez que estive em Israel. Cheguei poucos dias depois da imbecilidade cometida pelas autoridades, impedindo Noam Chomsky de entrar no país - ninguém como elas para, com suas medidas equivocadas, contribuir para o desprestígio da imagem internacional do seu país.

"Parti três dias depois de os comandos israelenses tomarem de assalto, em águas internacionais, o Mavi Marmara, um ato violento inútil que fez tanto dano para a imagem de Israel no mundo quanto a invasão do Líbano. Que também lhe valeu a inimizade da Turquia, seu único aliado entre os países muçulmanos, e uma avalanche de condenações que estão longe de cessar.

"Passei o dia todo (...) percorrendo as grutas do Monte Hebron, um espetáculo deplorável de camponeses e pastores árabes que, desalojados de suas terras pelos colonos de Gush Emunin, aferram-se a um território cercado de postos militares, onde os poucos poços de água que existiam foram fechados pelos invasores para forçá-los a partir. A maioria dos israelenses, que alcançou um nível de vida tão alto como o dos países mais avançados, nem mesmo suspeita que, a pouca distância das suas casas, vive uma sociedade miserável condenada ao desaparecimento.

"Mas é ainda pior o espetáculo em Gaza, para onde voltei um dia depois do assalto ao navio Mavi Marmara. As casas bombardeadas nos bairros de Beit Lahiya, ao norte da Faixa, e de Ezbt Abed Rabbo, exibem interiores dilacerados, pedaços de ferro e escombros por toda a parte. O pior não é a desolação, mas ver que, sob essas ruínas, vivem famílias inteiras, crianças esfarrapadas e descalças brincando, inconscientes do perigo que correm.

"Num artigo publicado em 8 de junho no El País, Bernard-Henri Levy nega que exista fome em Gaza pois Israel, diz ele, permite a entrada de caminhões de alimentos, diariamente. Ele está muito mal informado. Existe fome em Gaza, desnutrição, doenças que não podem ser curadas e gente que morre por falta de remédios e material para as equipes médicas, como qualquer pessoa pode ver ao visitar o hospital Al-Shifa, conversar com os médicos e se horrorizar com as condições em que trabalham.

"O bloqueio de Gaza não tem desculpa, pois condena um milhão e meio de habitantes a uma morte lenta. As principais vítimas não são os terroristas, mas os seres mais desvalidos: idosos, mulheres, doentes e crianças. O bloqueio não lhes permite importar ou exportar, nem pescar, já que só podem fazê-lo dentro das três milhas marítimas da praia, 'onde não há quase peixes'. Quem vive sob essas condições dificilmente não abrigaria o ódio e o ressentimento que tornaram possível a vitória eleitoral dos fanáticos do Hamas".

2 comentários:

Roberto SP disse...

Fiquei impressionado com isso.

Quando até um Arnaldo Jabor peruano diz coisas como essas é porque a situação da palestina é indescritivelmente cruel e injusta.

E o mundo nada faz, a não ser hipócritas e inúteis protestos. Palavrório sem serventia

damastor dagobé disse...

Arnaldo Jabor peruano??????????????
primeiro o tal jabor teria de aprender a escrever para aspirar tal comparação...

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