terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

OS SECTÁRIOS NÃO PASSARÃO

Uma campanha de satanização ocupa alguns espaços da esquerda virtual. Explicitamente, contra a Anistia Internacional e instituições que defendem os direitos humanos. Implicitamente, contra mim e contra Carlos Lungarzo, articulistas sintonizados tanto com os ideais revolucionários quanto com os DH.

Tudo começou quando, na véspera da posse de Porfirio Lobo, a Anistia Internacional se posicionou contra a intenção do novo presidente hondurenho, de passar uma borracha sobre os acontecimentos recentes.

A AI conclamou Lobo a não relevar os assassinatos, torturas, estupros e intimidações praticados pelo governo golpista de Micheletti, mas sim apurá-los e levar aos tribunais seus autores, para que a impunidade não servisse como estímulo para outros trogloditas atentarem contra resistentes no futuro.

Apoiei tal posição, claro, porque é simplesmente a única cabível para um um homem civilizado - e, ainda mais, para um revolucionário.

Os crimes da repressão não devem ser anistiados, mas sim punidos. É como sempre nos posicionamos em relação à anistia brasileira de 1979, que igualou as vítimas a seus carrascos.

No entanto, passaram a surgir contestações delirantes, na linha de que, ao apelar para Lobo, a AI estaria reconhecendo seu governo ilegítimo.

Ora, o que importa, afinal, esse pseudo-reconhecimento por parte da AI, quando foi o presidente ilegalmente deposto o primeiro a reforçar a autoridade de Lobo?!

Manuel Zelaya não só negociou com Lobo para obter um salvo-conduto que lhe permitisse deixar o país, como expressou sua disposição de contribuir para a "reconciliação nacional".

E não se posicionou, que eu saiba, contra a anistia de Lobo, que o beneficiará tanto quanto àqueles que derramaram o sangue dos hondurenhos.

Para quem vive no mundo real, já não existe a mais remota dúvida de que a crise hondurenha foi superada.

Teve um péssimo desfecho, claro, mas não adianta brigarmos com fatos consumados. A comunidade internacional acabará reconhecendo Lobo, como o próprio Brasil se prepara para o fazer. É tudo questão de tempo.

Por quê? Porque a resistência a um golpe de Estado em nome do presidente deposto só se mantém enquanto tal presidente permanece firme.

Ao abandonar o Brasil em 1964, João Goulart deixou de ser a bandeira dos que resistiam à quartelada. A luta contra o arbítrio ainda mobilizava muita gente. A restituição de Goulart, não. Ao priorizar a salvação da própria pele, ele se descredenciara para o exercício do poder.

Da mesma forma, a pá de cal na resistência hondurenha ao golpe de 2009 foi o acordo selado por Zelaya com Lobo. O resto é desconversa e/ou sonho de uma noite de verão.

A luta pela justiça social em Honduras passou para outra etapa; quem insistir em olhar para trás não responderá adequadamente aos novos desafios, nem enxergará as possibilidades que surgirão doravante.

A História é dinâmica... e implacável com quem não consegue acompanhar tal dinâmica.

Quanto à Anistia Internacional, ela só pode conclamar os governantes a respeitarem os valores civilizados. Não tem tropas para impor sua vontade a mandatários, nem para derrubar governos ilegais e/ou injustos.

Sua autoridade é moral - e, enquanto tal, indiscutível.

Só pessoas com poucas informações ou muita má fé são capazes de a questionar, com suas obtusas teorias conspiratórias que remontam à guerra fria (e, como ressaltou o Lungarzo, são edificadas no vácuo, já que não citam fontes confiáveis nem oferecem provas de nada).

De resto, não há explicação plausível para essa grita histérica e essa argumentação estapafúrdia que tantos lançaram repentina e simultaneamente contra a AI, a não ser a de uma orquestração política.

Seu objetivo será o de solapar a credibilidade das instituições defensoras dos DH, para diminuir o impacto de seus relatórios contra governos "amigos" que atropelam os valores civilizados?

Ou se trata de uma reação ao prestígio que o Lungarzo e eu conquistamos ao travarmos a luta, extremamente desigual, contra os linchadores de Cesare Battisti?

Poderá, ainda, ter sido inspirada pelo temor de que finalmente frutifique minha pregação de anos, no sentido de que os ideais revolucionários não servem como desculpa para violações dos DH e de que a revolução só voltará a ser internacional caso conquiste também a adesão dos cidadãos das nações mais desenvolvidas (que são muito ciosos de sua liberdade).

Provavelmente, de tudo um pouco.

O certo é que pregações rancorosas e negativas jamais ampliarão nossas fileiras.

Continuarei cumprindo a missão que assumi, de abrir mentes e sensibilizar corações para a possibilidade de se proporcionar a todos os habitantes do planeta uma existência digna, a partir de uma nova organização da sociedade, que contemple o atendimento das necessidades humanas e não a realização do lucro.

E meu lema continuará sendo o de que quem não está contra mim, poderá ser meu aliado.

É assim que agem os empenhados em mudar o mundo: somando apoios, ao invés de hostilizar e afugentar quem não reza exatamente pela mesma cartilha.

Há uma grande diferença entre revolucionários e fanáticos religiosos. Uns constroem o futuro, outros querem recriar o passado.

Não passarão.

13 comentários:

Marco Rocio disse...

Prezado Celso,

Não vai aqui nenhum patrulhamento semântico e, além disso, o termo já se consagrou para referir-se a alguém com posições e procedimentos extremados, no limite do racional, mas usar o termo "xiitas" no título do artigo, não faz jus ao rigor do conteúdo.

Também parecerá um demérito aos adeptos do xiismo que não sejam extremados. Além do que, muitos sunitas, seus oponentes diretos, muitas vezes são autores de atos extremos.

Grato por sua atenção,

Marco

wilson cunha junior disse...

Eu não entendo porque a esquerda é tão desunida. Sempre tem uma pendenga que separa pessoas que pensam parecido e que buscam transformar o mundo tornando-o para todos. O sucesso da direita deriva do contrário. Os caras podem se odiar mas sempre caminham juntos quando defendem suas bandeiras. Já a esquerda batalha entre si gastando energia que devia ser usada na luta contra os defensores de um mundo que não mais se sustenta. Como sempre, nos separamos e nos enfraquecemos. A turma do Pinochet já está de volta e debates na esquerda sobre se o Chávez, o Evo, enfim, são dignos ou não de pertencerem as nossas fileiras nos enfraquece ainda mais. Claro que há erros imensos de percurso. Mas não devemos deixar de reconhecer o avanço e que é melhor do que já houve por lá. Queremos muito mais e eu concordo porque só nos contentaremos com o impossível. Mas só conseguiremos unidos. Como o Celso sempre cita o Raul também tomo a liberdade:

"Nunca se vence uma guerra lutando sozinho,
Cê sabe que a gente precisa entrar em contato."

celsolungaretti disse...

Wilson,

particularmente, eu considero que práticas autoritárias às vezes causam um mal imenso à imagem da revolução. Ficamos com a Venezuela e a Bolívia, mas perdemos, p. ex., a França e o Canadá.

Só que eu vinha evitando ao máximo colocar claramente posições que me colocariam em choque com certos agrupamentos da esquerda. Deixava que corressem na faixa deles, enquanto eu corria na minha.

Não adiantou. Vieram em bando atacar a mim e ao Lungarzo, arrastando-nos para uma polêmica que não pretendíamos travar.

Então, companheiro, se você tem críticas a fazer, enderece-as a quem iniciou as hostilidades. Chegaram até a colocar em discussão, na rede do Castor, se eu estaria recebendo grana da CIA para defender a Anistia Internacional.

Assim não dá.

wilson cunha junior disse...

Tranquilo Celso, sei que a luta revolucionária, ou evolucionária como querem alguns, é uma corrida de revezamento. É só uma inquietação pessoal de tanto ver o bastão cair das mãos.

Haroldo M. Cunha disse...

A defesa de ideologias faz da esquerda refém da direita troglodita, pois enquanto NÓS estamos discutindo por um mundo diferente, que respeite os contraditórios, eles estão a nos dividir e, o que é pior, entramos nesse jogo. Essa é a diferença maiúscula a nos assolar.

Laurene disse...

Oi, Celso. Acho que esse debate é importante e hoje postei um artigo de Laerte Braga a respeito.

Sobre a Anistia Internacional pedir a Lobo que investigue os crimes cometidos, acho até justo. Mas a sua argumentação a favor é que achei muito triste. A resistência ainda luta com a liderança de Zelaya, é só olhar o blog de Fabrício Estrada: fabricioestrada.blogspot.com

celsolungaretti disse...

Ao Marco, ia esquecendo de dizer que concordei com seus argumentos e acatei sua sugestão: onde pude, tirei "xiitas" e botei "sectários".

Ao Penetrália, informo que, com minha experiência jornalística de mais de três décadas e revolucionária de quatro décadas, não tenho dúvida nenhuma de que essa etapa da vida hondurenha está encerrada: a luta deve continuar de outra forma e com outros objetivos.

A restituição de Zelaya pertence ao "antes" (antes de ele fazer acordos com Lobo). Estamos no "depois".

Laurene disse...

Pois é...Leia um comunicado da resistência hondurenha:

Como un enorme imán, Mel atrajo poderoso y en cuatro ocasiones diferentes al pueblo en Resistencia: en su primer intento de entrada el 5 de julio, en su segundo intento en agosto en el Departamento de El Paraíso; en su impresionante entrada a Honduras e inmediato encarcelamiento en la Embajada de Brasil y en esta última ocasión, 27 de enero, día de su salida con salvoconducto.

En cada uno de estos impactantes actos personales de Mel, el pueblo en Resistencia se movilizó como un aparato circulatorio que busca llegar imperiosa al cerebro... roja y clamorosa, la Resistencia fue en busca de su imán y en el trancurso, todo el cuerpo de la nación sintió las convulsiones de la vida. No tengo la menor duda en afirmar que no ha existido en toda la historia de este país semejante simbiosis, algo que sufren con rabia y encono los retrasados golpistas, que desearían tener entre manos a una personalidad de esta tallan sui generis, tan evocadora como anti-sistémica.

Lo que Mel ha logrado es la destrucción del molde básico e histórico que mantenía petrificado al pueblo hondureño, y sus efectos, han erosionado hasta el alma granítica de la los ultra-fascistas, que ahora hacen intentos patéticos para crearle una imagen bromista y relajada al Lobo Pepe, que ya está usando una serie de bromitas y gestos que se acerquen a la francas y proverbiales maneras de Mel.

Laurene disse...

Oi, Celso. Para mim, lendo esses posts confirmei que é tudo o que o Laerte falou: sinaliza-se para a esquerda e vira-se para direita, estrelismo, inutilidade da experiência -- e eu não sou um fake dele. Ele é o que escreve, eu o conheço pessoalmente, leva uma vida franciscana.

Abs do Lúcio Jr.

celsolungaretti disse...

Lúcio Jr.,

tudo depende de qual seja seu entendimento de direita e esquerda.

O meu é o de Marx: nossa missão é conduzirmos a humanidade a um estágio superior de civilização, livando-os os dos grilhões da necessidade para que possam desfrutar plenamente sua LIBERDADE.

Há outros por aí, sem o mesmo comprometimento com a liberdade e com a civilização.

Que cada um escolha o seu.

celsolungaretti disse...

Quanto ao comunicado que você afirma ser da Resistência, não há retórica apoeticalhada do mundo capaz de disfarçar a inconveniência e inoportunidade das negociações do Zelaya com o Lobo.

Na verdade, o Zelaya cometeu quatro crimes sem perdão para quem pretenda liderar o povo:

- deixou-se humilhar com a expulsão do país em pijamas;

- depois de ter ido em carreata até o território hondurenho, não ousou levar seus atos até a última consequência, deixando-se prender para forçar os hondurenhos, a ONU, a OEA e os governos amigos a agirem;

- barganhou um salvo-conduto com Lobo mesmo antes dele ser empossado e endossou sua política de "reconciliação nacional";

- não se posicionou contra a anistia que o beneficia, ao mesmo tempo que livrará a cara dos capangas de Micheletti responsáveis por assassinatos, torturas, estupros e intimidações.

Lembra daquela palavra-de-ordem contra a Rede Globo? "O povo não é bobo!"

Duvido que Zelaya volte a desempenhar um papel nas lutas populares.

Quem viver, verá.

Laurene disse...

Meu caro: a retórica poética é de Fabrício Estrada, poeta hondurenho. E vamos deixar o adjetivo de canalha para Bush, Micheletti e outros.

Mas é estranha a sua forma de pensar, estranhíssima! Se for pensar assim, Lamarca não poderia ter se deixado matar, nem Che Guevara.

Micheletti já disse: "morto o cão, acaba a raiva". É um claro recado do que pode acontecer com a prisão de Zelaya.

Ele tentou um acordo com o governo golpista mesmo, que prometeu sua restituição no congresso, mas foi traído novamente.

Lobo é que quis resolver o impasse para tomar posse. Zelaya negou-se a assumir nesse mês de janeiro, mesmo de forma simbólica. Ele simplesmente terminou seu mandato na embaixada. Não sei se vc ficou sabendo, ele estava vivendo um cerco e queriam aprisioná-lo.

Mas Lungaretti, muito estranha essa maneira de pensar! Você quer mártires ou líderes?

Aliás, a Globo deu um tratamento vergonhoso a essa crise do Zelaya, mentindo, ocultando, ridicularizando o presidente; o pior é ver seus textos impregnados dessa cobertura vergonhosa.

Mas tudo bem. Entre vc e o Laerte, vc sabe qual é minha opção

Hasta la victoria siempre!
Lúcio Jr.

celsolungaretti disse...

Francamente, não tenho o mais remoto interesse pela opção alheia. Meu único compromisso é com a consciência, não com a popularidade fácil.

Como me defino no "quem sou eu" deste blogue:

"Sou revolucionário, luto pela superação do capitalismo.

Sou civilizado, recuso a barbárie.

Sou homem, defendo os direitos humanos".

É o que me basta -- a certeza de que sigo meus princípios em quaisquer circunstâncias, sem ceder às claques e aos rolos compressores.

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