Eis-me de novo em Brasília, cidade do poder, que tão pouco tem a ver com minhas devoções e predileções.
Afora São Paulo - a qual, como Tomzé disse, apesar de todo defeito, carrego no meu peito -, gosto mesmo é daquele Rio de Janeiro que eu conheci outrora, com brasileiros cordiais sempre prontos a tirar as vicissitudes de letra e a jogar conversa fora.
Talvez nem exista mais. Só tenho passado por lá no sufoco, sem condições de verificar se continua sendo o Rio de Janeiro, fevereiro e março. Dizem que não.
Parece que é minha sina vir sempre a Brasília trazendo esperanças na bagagem. Para lutar.
Primeiramente foi por minha anistia, em 2004/05, quando se tratava da última possibilidade de dar a volta por cima da maior crise financeira por que passei na vida.
Tinha de utilizar ônibus, por medida de economia. A viagem durava, se bem me lembro, 12 horas, que viravam 14 quando o trajeto incluía as cidades-satélites.
Foi um julgamento adiado e três realizados. Dramáticos.
No decisivo, nem percebi que minha sustentação oral (eu mesmo defendi minha causa, por falta de grana para advogado) atraía a atenção do pessoal de apoio: estenógrafas, porteiros, a mulher do cafezinho, sei lá mais quem.
Quando anunciaram o deferimento de meu pedido, vi-me cercado por umas oito pessoas, que me abraçavam e cumprimentavam. Uma senhora chorou. Foi de lavar a alma!
No longo caminho de volta, fiquei me lembrando da frase de Platão, sobre o espírito de justiça que é inerente a todo ser humano.
Os funcionários mais humildes do Ministério tinham tal espírito, sem dúvida. E minha fala, dirigida aos conselheiros, tocou seus sentimentos.
Foi, também, uma justiça poética. Por eles eu lutara, décadas atrás. E deles recebia o carinho, no momento mágico em que acabava de conquistar meu resgate da terrível penúria que me sobreveio ao ficar desempregado e tido como velho demais para o jornalismo.
Reconstrui minha vida em 2006 e, no final de 2008, abracei a causa de Cesare Battisti, em nome da solidariedade revolucionária e também porque me identificava pessoalmente com seu drama, que tinha muitos pontos de contato com aquele do qual eu lograra sair: um e outro, caídos em armadilhas da História e transformados em bodes expiatórios de situações que ultrapassavam em muito a esfera individual.
Já é a terceira vez que venho a Brasília por Cesare. Quando do julgamento interrompido por pedido de vista no STF, estava com uma doença passageira, mas muito debilitado.
E o transcurso dos trabalhos só fez aumentar meu sofrimento: fiquei enojado, pois o relatório de César Peluso foi o mais parcial e tendencioso de que tive o desprazer de tomar conhecimento em minha vida inteira.
Os ministros que o acompanharam me pareceram negações vivas da frase imortal de Platão. Como puderam avalizar aquele emaranhado ridículo de distorções e aberrações?!
No entanto, foi assim também a luta por minha anistia: depois de terríveis decepções, a sofrida vitória final.
É esta minha expectativa para o final do julgamento no Supremo.
Como disse um personagem do maior filme brasileiro de todos os tempos (Terra em Transe, do Glauber Rocha), para que se concretize o triunfo imortal da justiça e da beleza!
Um comentário:
Celso
A sua disposição pessoal de lutar para que a justiça prevaleça é exemplar. Uma disposição que deveria ser de todos aqueles que se colocam do lado de cá na luta de classes. A tentativa de condenar Battisti faz parte da cruzada sanguinária da direita que prevalece há séculos. É emblemática. Faz lembrar o sacrifício de Sacco e Vanzetti, que nossa memória nunca abandonará.
Não dá para esperar nada desses doutores que se arrogam juízes e ao mesmo tempo se dispõem a prestar serviços sujos. Não há justiça alguma quando quem julga é parte da contenda.
Ainda assim, vale a pena lutar para que possamos ver Battisti livre das grades pós-fascistas.
Patricio
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