A indicação de José Antonio Dias Toffoli para substituir o falecido ministro Carlos Alberto Direito no Supremo Tribunal Federal deu ensejo a mais um ato falho do presidente da instituição, Gilmar Mendes.
Mal fez os elogios de praxe a Toffoli, ele começou a pressionar para que o ex-advogado geral da União não participe da conclusão do julgamento do Caso Battisti.Reconheceu inexistirem restrições legais a que Toffoli dê seu voto, desde que já tiver sido sabatinado pelo Congresso Nacional e empossado no STF. Mas, disse que ele "dificilmente" votará, por conta do prazo e das "peculiaridades do caso".
"Prazo"? Mendes parece ter esquecido que prazo era o que menos lhe importava quando deixou de libertar Cesare Battisti no momento da concessão do refúgio humanitário pelo Governo Federal, mantendo-o ILEGALMENTE preso desde janeiro e só marcando o julgamento sob vara, quando o grande jurista Dalmo de Abreu Dallari o acusou publicamente de haver tornado o escritor italiano um prisioneiro político do STF.
Quanto às "peculiaridades do caso", Toffoli não precisará nem de meia hora para concluir que inexiste um caso. Por vários motivos:
- o refúgio de Battisti foi concedido por quem de direito, segundo a lei vigente;
- a jurisprudência é inequívoca no sentido de que, uma vez tomada a decisão pelo Governo, pedidos de extradição devem ser arquivados;
- Battisti foi condenado por crimes políticos, mediante o enquadramento numa lei italiana criada para combater a subversão contra o Estado;
- se os crimes fossem comuns, a Justiça italiana deveria apreciar cada um deles isoladamente. Mas, julgou-os todos de uma vez, num só pacote, o que confirma sua caracterização política;
- a Lei do Refúgio estipula que estrangeiros não devem ser extraditados para cumprir sentenças por crimes políticos; e
- como o refúgio é um intituto humanitário, prevalecem na sua apreciação as leis do governo concedente e não as do que pleiteia a extradição. Ora, pelas leis brasileiras a sentença de Battisti está há muito prescrita.
Então, o que se tramou e quase se cometeu naquela quarta-feira negra foi a subversão da lei e o estupro da Justiça. O providencial pedido de vistas do ministro Marco Aurélio Mello evitou o pior.
Toffoli, avaliando de forma isenta o relatório do ministro Cézar Peluso, perceberá facilmente que não se trata de peça jurídica, mas de mera expressão de desejo.
Queria entregar a cabeça de Battisti a Berlusconi e tentou, por meio de contorcionismos e malabarismos, dar aparência de legalidade ao que não passaria de um linchamento togado.
Ao invés do equilíbrio que se espera de um relator, ele atuou como um torcedor de futebol apresentando os motivos pelos quais seu time, e nenhum mais, tem de ser campeão...
Outros três ministros se prestaram a conceder a Caliguloni o troféu de que tanto necessita para ofuscar os escândalos por ele protagonizados, e à direita brasileira munição para iniciativas mais ousadas em sua escalada reacionária (como, p. ex., a de tentar enquadrar também como crimes comuns os atos praticados pelos resistentes que pegaram em armas contra a ditadura militar).
Tão ansioso Gilmar Mendes estava em bater o martelo que tentou passar por cima do pedido de vistas do ministro Marco Aurélio. Fez como se este já houvesse votado pela concessão do refúgio e começou a emitir seu voto de desempate.
Interveio o atento advogado de Battisti para alertá-lo da existência do pedido de vistas. Foi quando Marco Aurélio se deu conta do que Mendes estava tentando e lhe deu um chega-pra-lá, reiterando que precisava de tempo para estudar melhor o caso.
Visivelmente contrariado, Mendes teve de bater em retirada, suspendendo a sessão.
No dia seguinte, correu a defender seu pupilo das fundamentadas críticas de Tarso Genro ao relatório unilateral e tendencioso que Peluso cometeu.
Como sempre, preferiu manifestar-se na mídia do que nos autos, ignorando a liturgia do seu cargo: onde já se viu presidente do Supremo batendo boca com ministro da Justiça?
E agora, ao dar o pontapé inicial no lobby contra a participação de Toffoli no julgamento de Battisti, evidencia seu temor de que o fator novo detone seu plano de, enfim, vingar-se do vexame de 2007.
No caso de Oliverio Medina, acusado de envolvimento com a guerrilha colombiana, Mendes foi o relator e introduziu toda a racionália tortuosa agora recauchutada por Peluso.
Mas, ele ainda não presidia o STF e seu relatório foi derrubado por sonoros 9x1, com todos os demais ministros reconhecendo que não cabe ao Supremo intrometer-se quando o Governo já concedeu refúgio.
Mendes viu no despropositado pedido de extradição do escritor uma oportunidade de reapresentar sua tese destroçada em 2007. E tudo fez para colocar Battisti à mercê da vendetta italiana.
Agora, percebendo que seu castelo de cartas começa a desabar -- não só por causa da posse do novo ministro, mas porque as aberrações jurídicas propostas por Peluso deram demasiadamente na vista, ensejando contra-ataques vigorosos --, Mendes tenta salvar o plano A. Talvez porque, de tão desmoralizado que anda, falte-lhe margem de manobra para um plano B.
A comparação que me ocorre é com um jogador que marcou cuidadosamente as cartas mas, no momento das apostas altas, vê o dinheiro escapar-lhe das mãos: o adversário exige troca de baralho.
Caso se confirmem os receios de Mendes, o Brasil, pelo menos, evitará repetir o papel infame que desempenhou ao entregar Olga Benário para a morte nos cárceres nazistas; e Battisti terá, finalmente, reconhecido seu direito de residir e trabalhar em paz, neste país que tradicionalmente prefere a cordialidade à intolerância.
Justiça só teria sido realmente feita se o STF houvesse se recusado, por unanimidade, a apreciar o que o Governo já decidiu. Então restará, como tarefa para o futuro, a correção do descalabro cometido na primeira votação, quando o Supremo decidiu usurpar prerrogativa do Executivo, num atentado à separação de Poderes.
Dos males, o menor. A perspectiva é de que este episódio deprimente termine de tal forma que os religiosos dirão: Deus escreveu certo por linhas tortas.
Amém.
Toffoli, avaliando de forma isenta o relatório do ministro Cézar Peluso, perceberá facilmente que não se trata de peça jurídica, mas de mera expressão de desejo.
Queria entregar a cabeça de Battisti a Berlusconi e tentou, por meio de contorcionismos e malabarismos, dar aparência de legalidade ao que não passaria de um linchamento togado.
Ao invés do equilíbrio que se espera de um relator, ele atuou como um torcedor de futebol apresentando os motivos pelos quais seu time, e nenhum mais, tem de ser campeão...
Outros três ministros se prestaram a conceder a Caliguloni o troféu de que tanto necessita para ofuscar os escândalos por ele protagonizados, e à direita brasileira munição para iniciativas mais ousadas em sua escalada reacionária (como, p. ex., a de tentar enquadrar também como crimes comuns os atos praticados pelos resistentes que pegaram em armas contra a ditadura militar).
ARDIL MALOGRADO
Tão ansioso Gilmar Mendes estava em bater o martelo que tentou passar por cima do pedido de vistas do ministro Marco Aurélio. Fez como se este já houvesse votado pela concessão do refúgio e começou a emitir seu voto de desempate.
Interveio o atento advogado de Battisti para alertá-lo da existência do pedido de vistas. Foi quando Marco Aurélio se deu conta do que Mendes estava tentando e lhe deu um chega-pra-lá, reiterando que precisava de tempo para estudar melhor o caso.
Visivelmente contrariado, Mendes teve de bater em retirada, suspendendo a sessão.
No dia seguinte, correu a defender seu pupilo das fundamentadas críticas de Tarso Genro ao relatório unilateral e tendencioso que Peluso cometeu.
Como sempre, preferiu manifestar-se na mídia do que nos autos, ignorando a liturgia do seu cargo: onde já se viu presidente do Supremo batendo boca com ministro da Justiça?
E agora, ao dar o pontapé inicial no lobby contra a participação de Toffoli no julgamento de Battisti, evidencia seu temor de que o fator novo detone seu plano de, enfim, vingar-se do vexame de 2007.
No caso de Oliverio Medina, acusado de envolvimento com a guerrilha colombiana, Mendes foi o relator e introduziu toda a racionália tortuosa agora recauchutada por Peluso.
Mas, ele ainda não presidia o STF e seu relatório foi derrubado por sonoros 9x1, com todos os demais ministros reconhecendo que não cabe ao Supremo intrometer-se quando o Governo já concedeu refúgio.
Mendes viu no despropositado pedido de extradição do escritor uma oportunidade de reapresentar sua tese destroçada em 2007. E tudo fez para colocar Battisti à mercê da vendetta italiana.
Agora, percebendo que seu castelo de cartas começa a desabar -- não só por causa da posse do novo ministro, mas porque as aberrações jurídicas propostas por Peluso deram demasiadamente na vista, ensejando contra-ataques vigorosos --, Mendes tenta salvar o plano A. Talvez porque, de tão desmoralizado que anda, falte-lhe margem de manobra para um plano B.
A comparação que me ocorre é com um jogador que marcou cuidadosamente as cartas mas, no momento das apostas altas, vê o dinheiro escapar-lhe das mãos: o adversário exige troca de baralho.
Caso se confirmem os receios de Mendes, o Brasil, pelo menos, evitará repetir o papel infame que desempenhou ao entregar Olga Benário para a morte nos cárceres nazistas; e Battisti terá, finalmente, reconhecido seu direito de residir e trabalhar em paz, neste país que tradicionalmente prefere a cordialidade à intolerância.
Justiça só teria sido realmente feita se o STF houvesse se recusado, por unanimidade, a apreciar o que o Governo já decidiu. Então restará, como tarefa para o futuro, a correção do descalabro cometido na primeira votação, quando o Supremo decidiu usurpar prerrogativa do Executivo, num atentado à separação de Poderes.
Dos males, o menor. A perspectiva é de que este episódio deprimente termine de tal forma que os religiosos dirão: Deus escreveu certo por linhas tortas.
Amém.
3 comentários:
O conservadorismo trabalhando para afastá-lo da votação. Evidentemente, todas as resistências que estão aparecendo a seu nome na mídia talvez estejam realmente o levando a afirmar que não participará da votação para que seu nome seja 'melhor aceito'. No entanto, o Estadão nunca é confiável:
Toffoli deve ficar fora do caso Battisti para evitar desgaste
http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,toffoli-deve-ficar-fora-do-caso-battisti-para-evitar-desgaste,437159,0.htm
Essa declaração do Estadão não passa de wishful thinking, expressão com que os ingleses denunciam aquele tipo de raciocinio que expressa melhor o desejo do interlocutor que a analise objetiva dos fatos. Se não há impedimento regimental, não vejo porque o Toffoli deixaria de votar. Nem acredito que o governo repita de nova a enorme incompetencia que demonstrou ao perder a votação no Conare, se isso acontecer, começo a acreditar em cartas marcadas.
O Estadão realmente é notório no wishful thinking, por isso há que se desconfiar. No entanto, faz sentido o que é exposto na reportagem. E votação do CONARE é diferente. O representante do Ministério da Justiça foi estupidamente orientado a votar contra o refúgio. No caso de ministro do STF, ele não é delegado do governo. Nada garante que Toffoli votaria ou votará contra a extradição. E nada garante que se ele tomar posso a tempo ele realmente irá sequer proferir voto na matéria. Pode muito bem escolher se abster. E não seria estranho. Lembremos que essas pesosas, embora com passado de 'esquerda', hoje são burocratas, não militantes.
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