O nosso presidente é bom para contar anedotas, falar o que cada uma de suas platéias quer ouvir e driblar as afirmações de princípios; desconversar, enfim.
Ideologicamente, pula de galho em galho, ao sabor das conveniências.
Mesmo assim, não consegue driblar eternamente as definições. Enrolação tem limites e ninguém consegue passar a vida inteira em cima do muro.
Assim é que, participando da reunião do G20 no último sábado (15), ele colocou sua assinatura num documento que, entre outras profissões de fé no capitalismo e no livre mercado, diz o seguinte:
"Nosso trabalho será guiado por uma crença compartilhada de que os princípios de mercado, abertura comercial e de regimes de investimento e mercados financeiros eficazmente regulados estimulam o dinamismo, a inovação e o espírito empreendedor, essenciais para o crescimento econômico, o emprego e a redução da pobreza".
Ou seja, como conseqüência de suas contradições insolúveis, o capitalismo acaba de impor ao mundo uma terrível recessão, cujos desdobramentos mais dramáticos conheceremos no ano que vem.
O estopim, repetindo 1929, foi a falta de controle sobre os mercados financeiros. As instâncias reguladoras incumbidas de evitar a repetição daquela catástrofe econômica funcionaram como verdadeiros hímens complacentes.
Mesmo assim, a crença inabalável no bezerro de ouro foi reafirmada pelos líderes das 22 nações economicamente mais poderosas do planeta, inclusive Lula.
Então, estamos conversados: enquanto ele não retirar seu endosso à frase acima citada, é ela que o define. Lula, o Metalúrgico se tornou Lula, o Neoliberal.
Complementarmente, ele também está sendo obrigado a descer do muro quanto à sua postura diante da ditadura de 1964/85.
Todos pensávamos que o Lula se colocasse como vítima do arbítrio, mesmo porque foi isto que ele alegou à Justiça, ao reivindicar em 1996 uma pensão vitalícia, que acabou obtendo, à guisa de compensação pelo desconforto de haver passado 31 dias detido e pela arbitrária extinção do seu mandato sindical.
Prisão é sempre prisão, mesmo quando se trata de uma tão aprazível que permitia a disputa de animadas peladas nas tardes modorrentas, conforme atestam as fotos publicadas nos jornais da época.
Mas, convenhamos, a reparação que ele pleiteou e obteve foi exageradíssima, comparativamente às concedidas aos opositores anônimos do regime militar (aqueles que, em vez de tratamento vip, recebiam pancadas e choques elétricos).
Pior ainda é constatarmos que, depois de mais de uma década sendo mensalmente agraciado com um montante que hoje supera R$ 5 mil, o Lula mostra que seu coração pende mesmo é para os antigos carrascos.
É o que se deprende das posições claríssimas que assumiu em três situações:
* quando o Alto Comando do Exército lançou uma nota insubordinando-se contra o ministro da Justiça (que lançara o livro Direito à Memória e à Verdade) e o próprio ministro da Defesa (que afirmara ser inaceitável qualquer protesto militar contra o esclarecimento de episódios históricos) e Lula mandou Tarso Genro e Nelson Jobim enfiarem a viola no saco, acatando a ordem unida;
* quando o ministro da Justiça convocou uma audiência pública para se discutir a punição dos antigos carrascos e Lula imediatamente impugnou qualquer iniciativa partida do Executivo no sentido de se revogar a anistia que os culpados por atrocidades concederam a si próprios em 1979, como habeas corpus preventivo;
* quando a Advocacia Geral da União (AGU) emitiu parecer favorável ao ex-comandante do DOI-Codi/SP Carlos Alberto Brilhante Ustra, ao sustentar que os crimes cometidos num dos piores centros de tortura dos anos de chumbo já não podem mais ser punidos.
Agora, a AGU está prestes a emitir novo parecer, no qual definirá a posição do Governo Federal face a uma questão levantada pela Ordem dos Advogados do Brasil: “se houve ou não anistia dos agentes públicos responsáveis, entre outros crimes, pela prática de homicídio, desaparecimento forçado, abuso de autoridade, lesões corporais, estupro e atentado violento ao pudor contra opositores políticos ao regime militar".
Caso a AGU venha a reiterar a posição de que a anistia de 1979 colocou uma pedra sobre o assunto, será Lula quem vai estar negando, pela quarta vez, sua identificação com as vítimas (e, conseqüentemente, alinhando-se com os carrascos).
Nem Pedro foi tão longe: caiu em si após ter negado Cristo pela terceira vez.
Torçamos para que ele, como Pedro, corrija seu rumo. O atual o levará a passar à História não só como Lula, o Neoliberal, mas também como Lula, o Reacionário.
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