Paradoxo: as torturas que sofri me impediram de entender direito o que o juiz espanhol Baltasar Garzón disse sobre a punição dos torturadores, no seminário internacional promovido ontem pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, num hotel chique de São Paulo.
Garzón falava depressa, como se estivesse se dirigindo a hispânicos. A grande maioria compreendeu, riu de suas piadas, aplaudiu-lhe as tiradas retóricas.
Eu fiquei boiando, pois, desde que o cabo Polvorelli me estourou o tímpano num longínquo dia de junho de 1970, no quartel da PE da Vila militar (RJ), tenho dificuldade com certos timbres de voz.
Enfim, pelo pouco que consegui captar, mais o noticiado pela imprensa, depreendo que o principal momento da palestra do juiz responsável pela prisão de Pinochet foi quando ele reiterou: o Brasil tem obrigação de apurar as atrocidades cometidas pela ditadura de 1964/85, pois crimes contra a humanidade não prescrevem nem podem ser objeto de uma anistia autoconcedida pelos verdugos.
Uma informação interessante é a de que Garzón tenta fazer justiça com criminosos mais recentes, como George W. Bush. Tomara que consiga.
De resto, a perspectiva é de que o Judiciário brasileiro assuma sozinho a missão da qual se omitiram o Executivo (explicitamente) e o Legislativo (implicitamente).
Então, teremos uma longa guerrilha jurídica, até os processos desembocarem na corte suprema, que vai dar a palavra final.
Com isso, mais o arsenal de recursos protelatórios à disposição dos criminosos ricos e/ou protegidos pelos poderosos, dificilmente algum encarcerável será encarcerado. A maioria já morreu e os restantes estão com o pé na cova, tendo mais a temer da justiça divina do que da humana.
E, claro, depois que Lula decidiu passar o abacaxi adiante, nem se cogita uma revogação da Lei da Anistia, essencial para que se começasse a mirar na caça graúda: os canalhas sofisticados que não mancharam as roupas com nosso sangue, mas ordenaram e acobertaram tudo que as bestas-feras fizeram.
A Lei da Anistia será contornada acusando-se os torturadores e assassinos de crimes comuns; os Ustras e Curiós ficarão na berlinda. Mas, como vai ser respeitada a anistia dada em 1979 aos crimes políticos, os superiores dos Ustras e Curiós continuarão impunes, como sempre.
Brasil.
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