segunda-feira, 18 de agosto de 2008

EX-MILITAR RELATA ATROCIDADES CONTRA GUERRILHEIROS DO ARAGUAIA

O bom amigo Ismar C. de Souza me alertou para a existência de uma matéria complementar àquela que foi manchete da Folha de S. Paulo ontem, sobre os ex-militares que pedem indenização pelas seqüelas de sua participação na guerra suja do Araguaia. Refere-se a pleiteantes do Piauí e só foi aproveitada no site da Agência Folha ( http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u415410.shtml ).

Veio ao encontro da distinção que eu propus, entre os recrutas que prestavam o serviço militar e estavam lá por obrigação (caso se recusassem a praticar atos indignos, enfrentariam julgamentos brabos) e os profissionais que poderiam pedir baixa, se dessem a mínima importância para os direitos fundamentais do homem.

Como se sabe, nenhum deles o fez. Pelos critérios do Julgamento de Nuremberg, os oficiais não só teriam negada qualquer pretensão a serem indenizados, como dificilmente escapariam da condenação por crimes contra a humanidade.

Eis os trechos principais da excelente matéria da repórter Kamila Fernandes, que bem merecia ter saído na edição impressa:

"...os ex-militares alegam que não eram oficiais, apenas recrutas do serviço obrigatório, e que não estavam no Araguaia porque queriam.

"Logo que chegamos lá, fomos avisados de que ou matávamos ou morríamos. Não tivemos escolha", diz o presidente da Associação Brasileira dos Ex-Combatentes do Araguaia no Piauí, João Batista de Oliveira, 59. "Fomos vítimas, até mais do que os guerrilheiros, porque fomos enganados", afirma. "Que reconheçam que não somos carrascos. Os carrascos eram os generais."

"...pensavam que iriam fazer apenas mais uma manobra regular. Só no meio da viagem até Xambioá (TO), quando passavam por Grajaú (MA), é que ficaram sabendo que se tratava de um combate real. (...) "Só soube quando entregaram munição real para a gente. Se fosse só uma manobra, aquilo não era necessário", diz Raimundo Pereira dos Santos, 56.

"...os ex-militares dizem ter ficado em grupos separados, de 13 a 15 homens cada um, interconectados por um sistema de rádio, de onde vinham as ordens. "Ainda hoje lembro os dizeres da transmissão: 'É para calcinar o cipó'. Calcinar era matar, cipó eram os guerrilheiros", afirma Guilherme Xavier Neto, 60

"Apesar dos relatos de que havia ordens para matar, os ex-combatentes entrevistados negam ter feito isso ou torturado qualquer guerrilheiro. Eles dizem que a violência era produzida pelos oficiais de carreira do Exército.

"Vi muitos que ficavam sem as unhas, sem parte da orelha, fracos de tanto perder sangue nos interrogatórios", diz Oliveira. "Quando um era morto, o corpo era pendurado no helicóptero num saco de estopa e exibido na cidade, para fazer medo. Depois, enterrado numa cova rasa ou jogado no rio. Com certeza, a maioria dos que ainda buscam corpos de parentes não vai encontrar nada."

CONDIÇÃO PARA SER INDENIZADO: REVELAR A VERDADE - Então, parece que não será difícil encontrar veteranos que atendam à interessante sugestão que Fernando Rodrigues deu na sua coluna de hoje na Folha de S. Paulo, depois de registrar que o Governo Lula, conservador, excluiu-se do debate relativo às atrocidades cometidas pela ditadura de 1964/85, passando o abacaxi para o Judiciário descascar:

"Caberá agora aos juízes responsáveis pelo casos dos ex-militares fazer história. Podem determinar uma condição preliminar: os reclamantes terão de descrever minuciosamente as atrocidades praticadas - as torturas a militantes de esquerda e o trabalho de ocultação dos cadáveres de guerrilheiros. Se um ex-militar se recusar a relatar o ocorrido ou alegar amnésia, não terá como sustentar perante um juiz seus tormentos do presente. Ninguém fica abalado psicologicamente com algo já esquecido."

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