domingo, 26 de agosto de 2018

"JAMAIS IMAGINEI, HÁ 16 ANOS, QUE OS POBRES VENEZUELANOS ABANDONARIAM A PÉ SUA TERRA PARA NÃO MORRER DE FOME"

clóvis rossi
VENEZUELA, OU COMO MORRE UM PAÍS
"...Janaina Figueiredo, a excelente jornalista que é correspondente de O Globo em Buenos Aires... [enfocou a crise venezuelana num texto que] demonstra sentimento, coração, coisas que o jornalista quase sempre tem que sufocar para cingir-se aos fatos secos e/ou à opinião baseada neles.

Ela escreveu sobre sua experiência de nove viagens à Venezuela, entre 2002 e 2018: 
'Vi esse país desmoronar lentamente e jamais imaginei, há 16 anos, que os pobres venezuelanos, que foram a base do chavismo, abandonariam a pé sua terra para não morrer de fome. A Venezuela dói, cada vez mais'.
Tenho idêntico sentimento cada vez que vejo as fotos de venezuelanos marchando rumo ao Brasil, à Colômbia, ao Peru, ao Equador, até à Argentina e ao Uruguai, tão distantes. "A dimensão do êxodo rivaliza com aqueles de países devastados por guerras como Afeganistão e Sudão do Sul", escreve a revista The Economist no número que está nas bancas.

No total, a ONU calcula que 2,3 milhões de venezuelanos fugiram da ditadura fracassada. Posto como proporção das respectivas populações, corresponderia ao êxodo de uns 15 milhões de brasileiros, mais que toda a população da cidade de São Paulo.

Por isso e por todos os demais dados do colossal desastre econômico e social da Venezuela, atrevo-me a sugerir um complemento ao já clássico Como Morrem as Democracias, de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt.

O que está acontecendo na Venezuela vai muito além da morte da democracia, o que já seria desastroso. É a morte de um país.

Na coluna para a Folha de S. Paulo de 6ª feira (24), Levitsky escreve, tendo em mente a Venezuela, entre outros países: "Hoje, a maioria das democracias morre não por ação de generais, mas sim de líderes eleitos —presidentes ou primeiros-ministros que usam as instituições da democracia para subvertê-la".

De pleno acordo, mas é importante ir além e investigar como se torna possível que se elejam líderes que acabam apunhalando a democracia.

A Venezuela seria o perfeito estudo de caso para explicar como essa tragédia ocorre. Fez em meio século o percurso de saída de uma ditadura (de Marcos Pérez Jiménez, 1952-58) para acabar caindo nas mãos de Hugo Chávez, o líder eleito que usou as instituições da democracia para comê-las pelas bordas até que seu sucessor, Nicolás Maduro, completasse a obra de destruição —da democracia e do país.

Como isso aconteceu é tema que cientistas políticos ou historiadores explicariam melhor. Minha opinião: a democracia venezuelana nunca foi inclusiva o suficiente para apaixonar as massas marginalizadas e empobrecidas. 

Quando surge alguém como Hugo Chávez disposto a ouvi-las, vão atrás. Pouco importa se é demagogia, se é populismo, se é insustentável. Sentem uma atenção que jamais tiveram.

Não é diferente em grande parte da América Latina. A democracia precisa atender às maiorias. A alternativa, se e quando algum Chávez se instalar, será dizer que dói, como Janaina disse sobre a Venezuela.(trechos de artigo do Clóvis Rossi publicado neste domingo, 26)

3 comentários:

Henrique Nascimento disse...

A cidade de Manaus, onde resido atualmente, é relativamente próxima da Venezuela. Ela dista cerca de 1.000 km da fronteira em Paracaima/Santa Elena depois de passar pela cidade de Boa Vista. A rodovia asfaltada, BR-174, possibilita facilmente o acesso por terra à Venezuela desde Manaus. Esta rodovia até meados da década de 90 era praticamente de terra, mas após o seu asfaltamento muitos residentes de Manaus começaram as passar as férias de final de ano no Caribe venezuelano, pois era bem mais barato do que pegar avião e ir para outras praias brasileiras (Manaus não tem ligação por terra à outras partes do Brasil: só sai daqui ou de avião ou de navio. Este última forma se levam 4-5 adias até Belém ou Porto Velho). De uns cinco anos para cá está inviável visitar a Venezuela, mas ainda alguns muito poucos manauaras ainda se arriscam em enfrentar um país totalmente estilhaçado.

Já visitei a Venezuela 5 vezes: 2002, 2003, 2007, 2010 e 2014. Todas essas viagens fiz de motocicleta, adentrando o interior do país em viagens que duravam cerca de 20 dias. Estive desde a região andina a oeste na fronteira da Colômbia, passando pela floresta amazônica ao sul e todo o litoral venezuelano. Para mim, ficou claramente visível a decadência social e econômica a cada viagem. Na última viagem em abril de 2014 confesso que fiquei amedrontado, pois a violência já era facilmente perceptível nas cidades.

Tristemente agora aqui em Manaus vejo perambulando pelas ruas, atrás de migalhas para se alimentar, além de vários outros venezuelanos, vestindo seus trajes tipicos os indígenas da etnia Pemones que habitam (já pode-se dizer hoje em dia que 'habitavam') a região da Gran Savanas no sul venezuelano próximo à Roraima. Nas aldeias desses indígenas, algumas vezes passei noites nas suas cabanas alugadas, comprei os seus artesanatos, visitei as diversas cachoeiras ao redor e um deles nos serviu de guia para visitar o Monte Roraima em 2010.

Vandeco disse...

O silêncio, a favor ou contra, do PT, cujo dono está encarcerado em Curitiba, e dos demais partidos satélites do PT , bem como classe tida como intelectual, artística em geral, no presente caso da Venezuela chega a ser um "silêncio sepulcral", como sair da festa à francesa ou eu não tenho nada com isso. A Venezuela está para explodir diante dos olhos dos brasileiros e do mundo. E agora José? A festa acabou!

Henrique Nascimento disse...

O descaso para essa situação não vem só dos partidos que outrora se beneficiaram da ditadura chavista (leia-se PT). Para piorar ainda mais, os ultra-nacionalistas facistas que hoje querem tomar o poder vomitando frases de efeito, usam o falso argumento do socialismo que deu errado. Todos sabem que para muito além de socialismo, a Venezuela vive uma ditadura há anos. Nessa linha de fogo estão os venezuelanos famintos. O resultado agora se apresenta.

PS. O Peru,desde sábado, resolveu restringir a entrada de venezuelanos. Daqui a pouco será a Colômbia, país por onde passa o contingente de venezuelanos que vão para outros países da América do Sul e Central.

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