Por Rui Martins |
Como o ex-presidente Lula conseguiu diluir o capital
favorável do povo em seu favor, de mais de
65%, e deixou de disputar um terceiro
mandato em 2014, quando seria
eleito no primeiro turno?
Me lembro de Carlito Maia, tamborilando sua composição, depois pirateada, Lula Lá, entusiasmado com a perspectiva de se levar o líder sindicalista Lula à presidência, pela esquerda reunida no grande desafio que era o Partido dos Trabalhadores.
E o que parecia um sonho impossível se realizou: Lula se elegeu – o Brasil ia mudar, tinha se tornado uma república socialista.
Nem tanto, pois, para ter o apoio de empresários e banqueiros, Lula, mestre em negociações, precisou prometer concessões. E o mundo conheceu esse líder sindicalista brasileiro, eleito pela mistura de tendências de esquerda reunida no PT, quando participou do Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça.
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Capa de uma Veja de julho de 2001 |
O Brasil poderia virar um país socialista? Lula levou água e açúcar a Davos, conquistando, com sua linguagem de paz & amor, os donos da economia mundial. O Brasil ia ter uma política light de esquerda.
Os donos do capital estrangeiro se dispuseram a investir, os empresários brasileiros aceitaram experimentar esse socialismo homeopático e a esquerda menos light se preparou para a infinidade de sapos que seria obrigada a deglutir. Um deles foi o banqueiro Henrique Meirelles, vindo diretamente do Bank of Boston para o Banco Central do Brasil.
Logo no começo do governo Lula, se decretaram medidas provisórias que permitiram o plantio e a alta produção de cereais transgênicos, OGM (organismos geneticamente modificados), trazidos pela Montanto e Bayer, anulando as liminares que proibiam o uso dessas sementes. A esquerda engoliu, mas não deve ter escapado do efeito modificador desses grãos: pouco a pouco o PT foi se transformando num PT OGM.
E o agronegócio brasileiro desmatava a Amazônia para plantar soja transgênica, se transformando rapidamente no terceiro maior produtor de cereais transgênicos do mundo. Cereais que as crianças e seus pais comem diariamente sem terem ideia do que poderia causar em seus corpos no futuro.
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"O Frei Betto, responsável pelo programa Fome Zero, foi um dos primeiros a se decepcionar" |
Nessa época, tive a oportunidade de conversar com o Frei Betto, responsável pelo programa Fome Zero, que, desestimulado, logo depois entregou o cargo. Foi um dos primeiros a se decepcionar, houve outros, mas eram uma minoria.
No lugar do Fome Zero se preferiu o programa Bolsa Família, cujos efeitos positivos valeram aplausos na Organização Internacional do Trabalho ao ministro Patrus Ananias, mas, na verdade, pagar 70 reais por cabeça de pobre não era o espírito da lei aprovada pelo Congresso por proposta do senador Eduardo Suplicy.
A Lei da Renda Básica de Cidadania nunca foi implementada |
O senador tinha se entusiasmado com o projeto de economistas progressistas, europeus, canadenses e estadunidenses, chamado Renda Fixa Universal uma espécie de Salário para Todos; elaborou um projeto e conseguiu o milagre de vê-lo aprovado por deputados e senadores, transformando-se em Lei.
Uma lei que ficou na gaveta da mesa de Lula e nunca foi posta em prática. Se 70 reais tinham ativado a economia, imaginem os efeitos de um verdadeiro salário e não a esmola tão louvada por tantos esquerdistas, normalmente avessos à filantropia.
Apesar da aplicação homeopática do socialismo transgênico, os deputados e senadores faziam corpo mole diante dos projetos light do governo Lula. Então José Dirceu, que nessa época exercia um posto equivalente ao de primeiro-ministro, imaginou uma grande ideia para financiar o PT OGM e aproveitar a corrupção latente nos deputados e senadores comprando-lhes os votos. Funcionou até ser descoberta a jogada e estourar o escândalo do Mensalão.
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Helmut Kohl teve de sair do governo alemão |
Práticas de financiamento ilícito de partido acontecem mesmo na Europa e a mais conhecida delas foi a utilizada pelo chanceler Helmut Kohl, do partido democrata-cristão alemão. Ele se demitiu, fez-se uma limpeza nos métodos do partido e surgiu Angela Merkel. O PT OGM preferiu deixar à Justiça a punição, em lugar de fazer uma auto-limpeza.
Essa rachadura na credibilidade do partido se tornou ainda mais grave com o mensalão-bis, o Petrolão, muito mais grave porque deixou de poder ser explicada como financiamento de partido, já que envolvia igualmente o enriquecimento pessoal.
Ao contrário do partido de Helmut Kohl, o PT transgênico adotou a solução suicida – insistindo em negar a culpa de seus líderes, alegando falta de provas mesmo com denúncias de bancos estrangeiros como os suíços e se negando à uma necessária autocrítica de seus líderes e limpeza em todo o aparelho.
Faltou citar os acordos com os feios, sujos e malvados da velha classe política brasileira, que acabaram por infectar todo o partido com seus velhos e corruptos esquemas de funcionamento. Enfim, a ideologia de esquerda, fosse marxista ou socialista, deixou de ser a peça principal do partido.
"Todos os envolvidos no Petrolão deveriam ter-se demitido" |
A crise hoje vivida pelo partido não teria havido se, logo depois de ter rebentado a crise do Petrolão, todos os envolvidos, inclusive Lula, tivessem se demitido de seus cargos e assumido se defender na Justiça, sem o envolvimento do partido e sem arrastar consigo seus membros e simpatizantes.
Nesta altura, o PT, não mais infectado, já teria novos líderes e mesmo outro candidato escolhido para a presidência do país. Hoje o partido, funcionando na base de Lula, corre o risco de não conseguir mais se levantar.
Para nós todos de esquerda, mesmo não nos identificando com o PT, essa crise interminável é dolorosa porque nos custará nossa credibilidade junto ao povo. Nós, que tanto denunciamos os riscos do populismo, vemos à nossa frente ao que nos levou o populismo de esquerda.
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"Em 2014 o candidato deveria ser Lula e não a autoritária Dilma" |
Enfim, antes que se encerrem as ilusões dos tantos de nós que víamos e exagerávamos com otimismo as coisas boas deixadas pelo lulismo (que, ao final, engoliu o petismo), restam as impressões de ter havido muito amadorismo e falta de estratégia.
Nunca entenderemos por que Lula, em 2014, quando era cotado com 65% de intenções de voto, não se impôs como candidato, cedendo à autoritária Dilma Rousseff. Foi um erro fatal, do qual todos nós sofremos hoje as consequências.
Um comentário:
Bom dia, meu amigo. Mais um ótimo artigo que vc disponibiliza no blog. No que se refere a negativa de Lula em participar do pleito de 2014, penso que a explicação, talvez, seja pelo fato do mesmo não querer se "queimar", posto que sabia que teria que tocar adiante as reformas exigidas pelo poder econômico. Ele e o PT preferiram rifar a Dilma e, na sequência, adotar a postura vitimista e tentar tirar proveito eleitoreiro fazendo críticas as medidas do governo Temer. Abraços !
Marcelo Roque
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