segunda-feira, 9 de abril de 2018

DE QUEM É A CULPA POR VIVERMOS DE MODO TÃO CAÓTICO?

A culpa por vivermos de modo tão caótico não é de alguém em específico, mas de todos nós. Somos os culpados da tragédia social que nos vitima, por dela sermos também atores, ao mesmo tempo.

Compreender a gênese dos males sociais já é tarefa complexa; rebelarmo-nos conscientemente contra ela, atacando os seus pontos nevrálgicos ao invés de nos mantermos na periferia de seus problemas, causas e consequências é tarefa árdua que exige sacrifícios inauditos.

Ambos os aspectos são imprescindíveis: diagnóstico e ação conscientes.

Devemos ter crença na vida, não como um dogma irrefletido, mas pela capacidade do ser humano de superação histórica dos seus problemas.

Neste sentido, devemos encarar a existência de modo, ao mesmo tempo, tenaz e leve, como na canção de Paulo Soledade, que, numa manhã de sol, após sair do hospital curado de uma séria enfermidade, escreveu no trajeto de casa a letra da clássica Estão voltando as flores. Mas, para chegar à leveza, fez-se necessária a dolorosa intervenção médico-hospitalar. 
É assim mesmo, a dor como pressuposto da leveza. Por que tem de ser assim? Não sei exatamente, mas sei que tem sido assim. A cada passo gigantesco da humanidade tem correspondido um rastro de sofrimento e de dor; e essa dor, que em muitos aspectos e períodos históricos é diminuída, noutros parece aumentar, como se uma coisa estivesse na razão direta da outra.

Um dia, no início dos anos 80, em Fortaleza, remando contra a maré que ainda se agrupava contra as oligarquias coronelistas nordestinas e dos que achavam que o esforço de construção do Partido dos Trabalhadores era dispersão de esforços, acreditei que dita construção pudesse ser a luz que nos conduziria ao paraíso. Era a utopia própria dos ingênuos.

Essa experiência que, para espanto de muitos, resultou vitoriosa, com a conquista da prefeitura de Fortaleza pelo PT após 21 anos de ditadura militar, trouxe a incumbência de administrarmos o aparelho de estado com um norte referencial de compromisso inarredável com o povo, da qual pudemos tirar importantes conclusões. 
Maria Luíza Fontenele reunida com seu secretariado
Restou para mim, pessoalmente, uma grande lição: quando administramos comprometidos com o povo somos sempre um vírus no organismo estatal (capitalista liberal ou capitalista de estado) e dele acabamos expulsos. 

A opção de permanência no poder e no jogo sujo da política (principalmente nos cargos executivos) significa com ele compactuar por mera sobrevivência política e nos descaracterizarmos, tornando-nos populistas de quinta categoria.

Na base do populismo perdemos sempre, pois na arte de mentir e enganar os políticos tradicionais (principalmente a histórica elite política brasileira) têm história e deitam cátedra.

Acreditar na democracia burguesa é tão ingênuo como acreditar que o capitalismo pode ser bom para a maioria; que o dinheiro pode ter justa distribuição; que as instituições são isonômicas; e que a lei sob o capitalismo é justa.            

Mas, se somos todos culpados, onde está o cerne da nossa culpa? 

John Lennon, um roqueiro sem maior aprofundamento nas ciências sociais, crítico mordaz dos políticos e dos juristas (a quem chamava de os odiosos homens de preto), disse certa vez que, se quisermos, a guerra acaba amanhã.
A reflexão lennonista é diferente da reflexão leninista. 

Na reflexão leninista seria a ação dos trabalhadores enquanto classe e como sujeito da revolução proletária que os levaria ao poder sob um estado proletário (sem nunca se opor à forma-valor em si, esquecendo esse aspecto fundamental da teoria marxiana).

Na reflexão lennonista seria a inércia contra a convocação para vestir a farda aquilo que poderia pôr fim à guerra (do Vietnã). 

Parafraseando Lennon, podemos dizer também que, se ao invés de irem às urnas escolher dentre aquilo que já lhes foi escolhido, os trabalhadores ficarem em casa, todos, estarão dando um grande passo de rebeldia, ainda que isso não representasse por si só o fim da tragédia social. 

E digo mais: se, como na música do Raul Seixas, eles deixassem de produzir mais-valia, ficando em casa até que se ouvissem as retumbantes e ensurdecedoras vozes dos seus silêncios (como fizeram durante os 15 dias do maio de 68, que deixaram a França de cabeça para baixo), o dragão da maldade morreria de inanição. 
Quando vejo magistrados togados nossa corte suprema alegarem que os 66 mil assassinatos havidos no país em 2017 (que fizeram do Brasil o campeão mundial de violência urbana) se deveriam apenas à impunidade, fico a me perguntar:
— punir as vítimas da tragédia social, os pobres, geralmente pretos e mulatos, atirando-os às masmorras capitalistas, como sói acontecer, resolve?
— tornar o Judiciário, a polícia e o Ministério Público mais atuantes contra a corrupção endêmica com o dinheiro estatal, mas continuarmos pagando mais de R$ 400 bilhões anuais de juros ao sistema financeiro internacional e nacional, correspondendo a aproximadamente R$ 2 mil anuais para cada brasileirinho descalço e desnutrido das favelas ou para cada cidadão, revolve?
— tentar combater a inevitável concentração de riqueza abstrata nas mãos dos vitoriosos na guerra de concorrência de mercado, mas mantendo o próprio mercado, a extração de mais-valia (pública ou privada) e o alto custo dos impostos que sustentam a opressão estatal incidente sobre a maioria dos cidadãos, resolve?
Muitas seriam as indagações sobre a eficácia aos ataques periféricos ao capitalismo sem, contudo, atacá-lo na sua substância. Só chegaremos à emancipação social quando superarmos as categorias capitalistas, dando um fim à impunidade-mor.  

Isto porque a principal impunidade brasileira (e mundial) reside especialmente na aceitação de uma forma de ser derivada de uma lógica abstrata (a forma-valor) que serve como mediação social de um sistema de exploração estabelecido através dos últimos milênios.

Tal forma de mediação social vem sendo aperfeiçoada juridicamente sem que se questione a essência de sua natureza segregacionista; e aceita a partir da Constituição Federal, à qual os magistrados se referem como se fosse a bíblia social capaz de nos levar todos ao paraíso, mas que, pelo contrário, protege os cânones e categorias capitalistas como se fossem socialmente virtuosos(as), o que estão muito longe de ser.

Com a mediação social a partir das categorias capitalistas, ora em fase de contradição irresolúvel por seus próprios fundamentos, e apoiados numa constituição burguesa, caminhamos, isto sim, para o abismo,  sob a cega jurisdição de semideuses togados.

Está passando da hora de, ao invés de imputarmos nossa miséria social aos fatores externos e aos outros, numa cômoda e irresponsável transferência de responsabilidade, assumirmos a nossa culpa coletiva que reside no fato de apenas criticamos pontualmente aspectos periféricos do móvel social que nos oprime – a forma-valor   sem atacá-la na sua própria existência e natureza segregacionista.

O dinheiro é a expressão materializada da forma-valor, e não há dinheiro bom e dinheiro ruim. Todo capital dinheiro-valor acumulado traz na sua constituição o sangue sugado de todos nós, de uma forma ou de outra.

(por Dalton Rosado)

Um comentário:

Valmir disse...

pensa bem...vc tava no trecho em 1970 e se lembra: eram 90 milhões em ação...hoje somos mais de 200 milhões..tai a resposta..um brasileiro é um caos, dois brasileiros são dois caos e assim sempre...até 200 milhões e contando.

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