sábado, 3 de março de 2018

SERÁ QUE MARX ASSINARIA O MANIFESTO 'UNIDADE PARA RECONSTRUIR O BRASIL'? - 2

(continuação deste post)
Sobre as idílicas proposições para a retomada do desenvolvimento econômico

CONTRA A AUSTERIDADE NEOLIBERAL   A busca do equilíbrio fiscal imposto aos países periféricos pela decrépita moral capitalista mundial, ou seja, da adequação da receita fiscal aos gastos do Estado, é uma imposição contábil para quem não pode emitir moeda sem lastro (sem valor advindo da produção de mercadorias). Ora, uma vez no poder administrativo do Estado, a esquerda não pode fugir das exigências desta adequação sob pena de se tornar inadimplente; e o mal ser ainda maior. 

Destarte, uma vez no poder, a esquerda tem de cumprir a agenda de administração do déficit orçamentário eliminando gastos com demandas sociais, pois estes são menos impositivos do que o pagamento dos juros da dívida, folha de pagamento dos funcionários, manutenção da máquina militar e policial, bem como dos demais poderes do Estado. Administrar a falência do capitalismo não deve ser tarefa de quem se coloca em favor do povo, a menos que se queira exercer tão função por mero interesse econômico, político, fisiológico.

A austeridade financeira estatal não é nem neoliberal, nem keynesiana, mas sim capitalista.

A FAVOR DO ESTADO NACIONAL FORTE –  Tradicionalmente a esquerda, nos seus mais variados matizes (com exceção dos anarquistas), pugna por um Estado nacional forte, parecendo já ter esquecido os horrores do século passado. O que era o nacional-socialismo senão um estado forte voltado para a defesa dos interesses econômicos xenófobos de uma Alemanha humilhada e espoliada após a derrota na 1ª Guerra Mundial?

A consigna usada no manifesto, conquista da natureza patriótica, se não for apenas meramente demagógica, é repugnante em termos ideológicos. Denota um nacionalismo pretensamente heroico e certamente ultrapassado, que ignora a dinâmica do mundo one world moldado pela dinâmica capitalista, que está clamando por uma interação transnacional (o que diriam desta proposição os sofridos migrantes europeus?) e não pelo tosco nacionalismo de um Trump ou de um Bolsonaro.    

Por afirmar as categorias capitalistas ao invés de denunciá-las (não é por menos que a foice e o martelo, símbolos do trabalho abstrato, produtor de valor e de mais-valia na cidade e no campo, tremulavam nas bandeiras pretensamente revolucionárias), a esquerda perde o referencial libertador que a deveria nortear, trocando-o pela verborragia opressora da busca do poder. Mesmo quando nem sequer se apercebe desta distorção, é sumamente lamentável que nela incorra.

Estado nacional forte, financiado pelos impostos cobrados ao exaurido trabalhador produtor de valor, é proposta para que o oprimido financie ainda mais o seu opressor.

PELO REVIGORAMENTO DA CONSTITUIÇÃO CIDADÃ DE 1988 Para começar, o conceito de cidadania é o oposto daquilo que deve ser o indivíduo social emancipado, livre, soberano de vontade e dotado de consciência social. 

A cidadania é um conceito burguês, estatal. Tanto que qualquer pessoa com dinheiro suficiente pode entrar e residir em qualquer país rico, enquanto os refugiados pobres, expulsos pela desintegração capitalista nos países periféricos, são tratados como indesejados. 

Quando Ulisses Guimarães cunhou a expressão triunfalista Constituição cidadã, sabia que estava promulgando uma Carta burguesa na qual estão preservados todos os institutos jurídicos capitalistas, coadunados com o conceito de cidadania. 

Assim, ao jurar obediência irrestrita à Constituição, a esquerda propõe a volta à observação rigorosa dos seus institutos, o que equivale a ajoelhar-se diante do capital; da mediação social patrocinada pelo sistema produtor de mercadorias; do trabalho abstrato (a escravidão indireta da coerção tácita do capital); do direito à propriedade;  e de todos os demais acessórios categoriais capitalistas.

PELA RETOMADA DO CICLO DESENVOLVIMENTISTA DE 2003/2016 O crescimento do PIB em tal período pôde proporcionar alguma melhora da renda geral, mas nunca significou a erradicação substancial da milenar miséria social dos empobrecidos. Não é isto que os revolucionários devem desejar, pois uma melhora pontual e episódica está longe de ser paradigma de emancipação. 

Ademais, não foi no final de tal ciclo que a insustentabilidade do crescimento econômico do país levou ao desemprego estrutural de 14 milhões de brasileiros e a uma depressão econômica grave, com rebaixamento da nota de crédito do Brasil pelas indefectíveis agências de risco? 

Não se deve tentar iludir as pessoas manipulando as cronologias da vida social capitalista, até porque a verdade é revolucionária e a mentira sempre tem pernas curtas.  

Karl Marx, o esotérico, não assinaria o tal manifesto, e até mesmo o Karl Marx, o exotérico, teria dificuldades de o assumir. (por Dalton Rosado) 

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