quarta-feira, 29 de novembro de 2017

EX-TORTURADOR E CONTRAVENTOR CONDENADO, O CAPITÃO GUIMARÃES CONTINUA IMPUNE. ATÉ QUANDO?!

Esta notícia, com o título de Capitão Guimarães faz aniversário, saiu no blogue O Dia (vide aqui) e é de autoria de Leo Dias:
"Aílton Guimarães Jorge, o Capitão Guimarães, um dos fundadores da Liesa - Liga das Escolas de Samba, fez uma festança [na 5ª feira passada, dia 23] no Clube Tio Sam, em Niterói, para comemorar seus 76 anos. 

A luxuosa festa contou com presenças ilustres como Zeca Pagodinho, Martinho da Vila e Jorge Aragão. 

Na foto acima, Luizinho Drummond, da Imperatriz Leopoldinense, cumprimenta o aniversariante sob os olhos de Jorge Castanheira, presidente da Liesa. Entre os presidentes de escolas presentes estavam Regina Celi (Salgueiro) e Anisio Abraão Davi (Beija Flor)". 

A minha dúvida é se o aniversariante foi fotografado de costas por mero acaso ou para não assustar as criancinhas... 

Pois o bom velhinho é ninguém menos do que um antigo torturador dos anos de chumbo, a quem tive o desprazer de conhecer na PE da Vila Militar (RJ). Depois, ele saiu do armário: deu baixa e iniciou uma bem-sucedida carreira na contravenção.
Guimarães saindo da carceragem da Polícia Federal em 2007

Foi no seu quartel que morreu assassinado, em novembro de 1969, o militante Chael Charles Schreier, 23 anos, companheiro de Dilma Rousseff na VAR-PalmaresEle é citado nos testemunhos de outros presos como autor de alguns dos chutes e pontapés que causaram a morte de Schreier por “contusão abdominal com rupturas do mesocólon transverso e mesentério, com hemorragia interna”.

E estava também entre os quatro torturadores responsáveis pelo assassinato do meu companheiro e amigo Eremias Delizoicov, que tinha apenas 18 anos.

JUSTIÇA POÉTICA: OS TORTURADORES
QUE PROVARAM DO PRÓPRIO VENENO...

Como acabou caindo em desgraça na caserna? É uma história que merece ser contada muitas e muitas vezes...
Rara imagem da PE nos anos 70
Embora fosse oficial de Intendência, o Capitão Guimarães passou a atuar na II seção (Inteligência) daquela unidade. Sua equipe, como todas as incumbidas da guerra suja durante a ditadura militar, auferia ganhos substanciais ao capturar ou matar militantes revolucionários.

Tudo que era apreendido com os resistentes e tivesse algum valor, virava butim a ser rateado entre aqueles rapinantes. 

Jamais cogitavam, p. ex., devolver o dinheiro aos bancos que haviam sido  expropriados  pelos guerrilheiros urbanos. Numerário, veículos, armas e até objetos de uso pessoal iam sempre para a  caixinha  do bando. De mim, até os óculos roubaram.

Havia também as vultosas recompensas oferecidas pelos empresários fascistas. Estes acertaram inclusive uma tabela com os órgãos de repressão: dirigente revolucionário preso valia tanto; integrante de  grupo de fogo, um pouco menos, e assim por diante.
Chael Charles Schreier, uma de suas vítimas. 

Quanto, em novembro de 1969, o estudante Schreier morreu como consequência das sevícias aplicadas por Guimarães e seus comandados, o episódio repercutiu pessimamente no mundo inteiro e até mesmo no Brasil, pois a revista Veja fez uma matéria-de-capa histórica sobre as torturas.

As Forças Armadas decidiram, então, proibir que a unidade de Inteligência de cada Arma fosse à caça por sua própria conta. 

Unificaram o combate à luta armada no quartel da PE da rua Barão de Mesquita (Tijuca), que passou a ser a sede do DOI-Codi/RJ, integrado por oficiais da II Seção do Exército, do Serviço de Informações da Aeronáutica (Sisa) e do Centro de Informações da Marinha (Cenimar), mais investigadores da polícia civil.

A equipe do Capitão Guimarães, até como punição pela morte do Schreier, foi alijada desse vantajoso esquema. Então, quando cheguei preso lá, em junho de 1970, aqueles rapinantes estavam desesperados com a falta de grana.

Tinham se habituado a um padrão de vida mais elevado e já não conseguiam subsistir apenas com o soldo. Tentavam por todas as maneiras convencer seus superiores de que mereciam ser readmitidos no combate à luta armada, em vão.

Foi por isso que, em 1974, a equipe de torturadores da PE da Vila Militar envolveu-se com contrabandistas: como forma de obter a renda adicional que tanto lhe fazia falta.
O bicheiro Tio Patinhas iniciou-o na sua nova carreira

Mas, tornaram-se ambiciosos demais. Tentaram roubar dos outros bandidos uma carga particularmente valiosa, houve troca de tiros e a matéria fecal foi para o ventilador...  

O Exército instaurou um Inquérito Policial-Militar contra soldados, cabos, sargentos e quatro oficiais, inclusive o tenente Ailton Joaquim (um dos 10 piores torturadores do período, segundo o Tortura Nunca Mais) e o Capitão Guimarães.

As investigações foram conduzidas com o método que o Exército invariavelmente utilizava. Então, aqueles notórios torturadores acabaram conhecendo na própria pele a tortura. Houve até caso de assédio sexual à esposa de um dos acusados, por parte dos seus colegas de farda!

...E A PIZZA ACABOU SENDO LEVADA
AO FORNO EM SEGREDO!

O STM, quem diria, absolveu as vergonhas da farda...
Como o Élio Gaspari relata em A ditadura escancarada, o caso acabou, entretanto, em pizza:
"Todos os indiciados disseram em juízo que o coronel do 1PM lhes extorquira as confissões. A maioria deles sustentou que, surrados, assinaram os papéis sem lê-los. Num procedimento inédito, os oficiais do Conselho de Justiça decidiram que o processo tramitaria em segredo. Durante o julgamento a promotoria jogou a toalha, e, em maio de 1979, os 21 acusados foram absolvidos. 
O caso voltou ao STM, cinco ministros recusaram-se a relatá-lo, e, por unanimidade, confirmou-se a absolvição. 
A sentença baseou-se num só argumento: ‘Tudo o que se apurou nestes autos, o foi, exclusivamente, através de confissões, declarações e depoimentos extrajudiciais, retratados e desmentidos posteriormente em juízo, sob a alegação de violências e ameaças praticadas durante o IPM'".
Um livro que esgotou o assunto
A carreira militar do Capitão Guimarães, ficou, entretanto, comprometida. Nos quartéis, ele seria sempre visto como ovelha negra e apenas tolerado. Então, pediu baixa e foi capitanear o jogo-do-bicho, conforme narra o Gaspari:
"Coube ao bicheiro Tio Patinhas consertar a vida de Ailton Guimarães Jorge. (...) O processo do contrabando ainda tramitava (...) quando ele se transferiu formalmente para a contravenção, levando a patente por apelido e diversos colegas como colaboradores. 

Começou como gerente do banqueiro Guto, sob cujo controle estavam quatro municípios fluminenses. Um dia três visitantes misteriosos tiraram Guto de casa e sumiram com ele. (...) Tio Patinhas passou-lhe a banca. 

Em três anos o Capitão Guimarães foi de tenente a general, sentando-se no conselho dos sete grandes do bicho, redigindo as atas das reuniões, delimitando as zonas dos pequenos banqueiros. Seu território estendeu-se de Niterói ao Espírito Santo. 

Seguindo a etiqueta de legitimação social de seus pares, apadrinhou a escola de samba Unidos de Vila Isabel e virou a maior autoridade do Carnaval, presidindo a liga das escolas do Rio de Janeiro. 

Rico e famoso, adquiriu uma aparência de árvore de Natal pelas cores de suas roupas e pelo ouro de seus cordões. Tornou-se um dos mais conhecidos comandantes da contravenção carioca.
Do seu tempo da PE ficou-lhe o guarda-costas, um imenso ex-cabo que, como ele, começara no crime organizado da repressão política".
Ele era assim quando começou a comandar o carnaval carioca
Esse cabo, Marco Antônio Polvorelli, pesava 140 quilos e lutava judô. No final de 1969, ao tentar prender meu companheiro Eremias Delizoicov, foi por ele atingido com um disparo no braço. 

Polvorelli e os outros torturadores retalharam então o Eremias com 35 tiros, tornando impossível até sua identificação (só souberam quem era pelas impressões digitais).

Depois, em junho de 1970, unicamente por ter sabido que eu era amigo do Eremias desde a infância, ele fez questão de vingar-se em mim pelo final prematuro de sua carreira de judoca: estourou meu tímpano com um fortíssimo tapa de mão aberta. Nunca mais tive audição normal, apesar das três cirurgias por que passei.

Eram esses os ratos de esgoto dos quais a ditadura servia-se para combater os heróis e mártires da resistência.

EXEMPLO VIVO DO BANDITISMO DA
REPRESSÃO DA DITADURA

Outro criminoso comum que atuou na repressão política: Fleury.
Guimarães seria várias vezes preso como chefão do jogo do bicho e dos bingos, além de ser acusado de subornar membros do Executivo, Legislativo e Judiciário para atingir seus objetivos. Consta que teria também pertencido a grupos de extermínio do Espírito Santo (recaída?).

A última notícia relevante que localizei dele na internei é do blog do Fernando Rodrigues, em março de 2015, dando conta de que, embora condenado a 47 anos de prisão, o capitão Guimarães continuava solto graças às manobras de seus advogados. Tudo indica que as coisas continuem na mesma.

Afora os crimes atuais, que fazem do  Capitão Guimarães  um personagem emblemático do que há de pior neste país, ele continua sendo o mais notório exemplo vivo do banditismo inerente aos órgãos de repressão da ditadura militar.

A outra celebridade capaz de rivalizar com ele nesse quesito já morreu, como um  arquivo queimado  pelos próprios cúmplices: o delegado Sérgio Paranhos Fleury, em cujo benefício os militares chegaram até a criar uma lei, com o único propósito de mantê-lo fora das grades.

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