"Foi o primeiro, foi o único sonho."
É uma das frases mais marcantes de um filme cheio delas: Pierrot Le Fou (1965), de Jean-Luc Godard, que aqui recebeu o estapafúrdio nome de O demônio das 11 horas (como os boçais da companhia distribuidora não entenderam nada de nada, acharam que qualquer título bizarro serviria...).
Meu primeiro sonho foi, claro, a revolução. E nenhum dos subsequentes viria a ser tão importante para mim.
Mas, sobrevivi à grande derrota dos anos de chumbo. E, too young to die (1), só me restou seguir em frente, living in the material world (2).
Fui juntar meus cacos nas esperançosas comunidades em que os jovens tentavam escapar, ao mesmo tempo, dos tentáculos do sistema e das tenazes da ditadura. Faço um balanço das experiências que vivenciei em Reflexões sobre a sociedade alternativa (3).
Nossa comuna também soçobrou ao baixo astral dominante, seguindo a avassaladora tendência brasileira da primeira metade dos anos 70: out of the blue, into the black (4).
Aí, resignei-me a vegetar durante o dia, quando era obrigado a vender minha força de trabalho intelectual, para só ser eu mesmo à noite, com minha companheira e meus discos, numa quitinete da av. Nove de Julho. Um flash desta fase está em Memórias de um roqueiro pobre
No final da década, não pensei mais que a cabeça aguentaria se eu parasse (5). Resolvi, portanto, abandonar a comunicação empresarial que no íntimo detestava, mas até então suportara estoicamente; e fui à luta por uma carreira mais gratificante.
Acabei crítico de rock, redator e editor de várias revistas musicais, numa simpática editorazinha que, talvez por me remunerar parcamente, dava toda liberdade para eu escrever o que me desse na telha.
Foi quando tive uma breve amizade com o Raul Seixas, consequência da satisfação que sentiu ao ler o meu texto sobre sua primeira coletiva na CBS e o primeiro porre que tomamos juntos (outros viriam): A teimosia braba do guerreiro
E criei um estilo algo diferente de abordar o rock, que até me valeu uma pequena legião de fãs – a ponto de, três décadas depois, encontrar um dos meus antigos artigos disponibilizados na internet, por alguém que se deu ao trabalho de o digitar e postar: Rock germânico no Brasil.
A bagagem de informações roqueiras e avaliações críticas que então acumulei pode ser aferida num dos meus escritos mais ambiciosos, o comemorativo dos 20 anos do festival emblemático da geração das flores: Woodstock 69: o sonho de uma geração e amostra da perfeição possível neste sofrido planeta!
Mas, acabei também me sentindo too old to rock'n roll (6). E, no final de 1984, a crise do papel me deu o empurrão final, ao tornar inviável minha subsistência meio dentro e meio fora do sistema.
Muito a contragosto, tive de ir buscar um espacinho na grande imprensa. Com o único consolo de que não perdia muito, pois o rock visceral que tanto me empolgara estava sendo substituído pelas megaproduções sem alma. É o que conto em 1991: o Queen inaugura a era dos grandes espetáculos roqueiros no Brasil. Adeus, inconformismo!
Finalmente, na década passada dei nova guinada na minha vida e, por caminhos tortuosos e sofridos, acabei voltando ao palco revolucionário, ou seja, à minha verdadeira praia, onde sempre quis estar e de onde jamais deveria ter saído.
Curiosamente, uma revista de rock me pediu que iniciasse uma colaboração, bem naquele momento em que caía para alguns internautas a ficha de que o sumido crítico André Mauro e o Celso Lungaretti atuante na defesa do Cesare Battisti eram a mesma pessoa.
Aproveitando a deixa, dissequei minha trajetória pouco convencional no artigo Still crazy after all these years.
O título, eu tomei emprestado de uma canção pungente do Paul Simon. Mas, creio ter adquirido o direito de o utilizar, até por jamais haver perdido a esperança de que os fios da História seriam reatados e novos inconformistas levariam adiante a luta contra o inferno pamonha (7) do capitalismo, partindo do ponto exato em que fomos tão rudemente interrompidos (8).
O título, eu tomei emprestado de uma canção pungente do Paul Simon. Mas, creio ter adquirido o direito de o utilizar, até por jamais haver perdido a esperança de que os fios da História seriam reatados e novos inconformistas levariam adiante a luta contra o inferno pamonha (7) do capitalismo, partindo do ponto exato em que fomos tão rudemente interrompidos (8).
Neste 2017, quando se completam quatro anos desde que as pedras voltaram a rolar naquelas memoráveis jornadas de junho, o Dia Mundial do Rock não está mais na TV, nos palcos e em nenhum espetáculo programado. Está nas ruas. Até porque há mais no quadro do que os olhos podem ver (9)...
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Observações:- Too old to rock'n roll, too young to die é a faixa-título do álbum de 1976 do Jethro Tull;
- Nome da faixa-título de um álbum de 1973 do George Harrison;
- Os trechos em vermelho são todos links, clique para abrir o artigo citado;
- Verso da canção My my, hey hey (out of the blue), do Neil Young;
- Referência à canção Tente outra vez, do Raul Seixas;
- Vide, acima, a observação 1;
- Expressão que o Paulo Francis criou para qualificar o capitalismo de imbecilizante, afora desumano;
- Before We Were So Rudely Interrupted é o título do ábum de reagrupamento do The Animals;
- Outros versos do hino roqueiro My my, hey hey (out of the blue).
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