Fracasso histórico da esquerda chilena após uma vitória acachapante da extrema-direita nas eleições para o conselho constitucional.
Desde que a constituição proposta pela Assembléia Constituinte foi rejeitada em 2022 por mais de 60% dos eleitores, o governo chileno, comandado por Gabriel Boric, se articulou com as forças reacionárias do país para, ao invés de convocar nova assembleia, incumbir um grupo de especialistas a redação da nova Carta que deverá ser submetida a um conselho formado por 50 membros eleitos diretamente pelo voto popular. Dessa vez não precisaram bombardear
o palácio de La Moneda.
Medida absolutamente reacionária e antidemocrática que coloca o destino do país nas mãos de um minúsculo grupo da elite política chilena, em oposição ao corpo mais plural e amplo da assembleia constituinte. Não bastasse tal revés humilhante, a extrema-direita ainda conseguiu histórica vitória, tendo o partido de José Kast abocanhado 35% dos assentos, os quais somados aos 21% de outro partido direitista, coloca a direita pinochetista no comando do processo constituinte.
Kast é uma espécie de Bolsonaro chileno, tendo sido derrotado, por margem estreita, na última eleição presidencial por Boric. Esse último sofre hoje com baixíssimo índice de aprovação, tendo sido engolido pelas forças conservadoras do partido e perdido por completo apoio dentro da própria esquerda. Ao que parece, ele de fato não se atentou ao alerta feito aqui mesmo neste blog de que em situações revolucionárias o líder não deve ser republicano, mas contestador e beligerante. A tragédia anunciada se materializou, com a direita obtendo profunda vitória sem precisar ter disparado um único tiro. Do sonho à derrota: ficam as lições e o
gosto amargo
A burguesia chilena em todo o processo seguiu a cartilha politicista. Primeiro, tirou a insatisfação popular das ruas, a levando para o caminho institucional da constituinte. Ali, tratou de desmoralizar o processo e deixar que os constituintes se afundassem nas misérias e benesses da plutocracia estatal. Em um país farto da classe política, a constituinte passou a ser vista como parte do problema e não da solução.
Para completar, assistiu tranquilamente Boric, um ex ativista das ruas, assumir a falência econômica e social do país, se desgastando irremediavelmente junto à população. Juntou-se a isso uma proposta de constituição confusa, eivada de bobagens identitaristas e com pouco apelo popular, e o resultado foi o rechaço maciço ao texto. Por fim, levou o processo constituinte para o terreno ainda mais seguro dos especialistas, todos comprometidos com a burguesia, a ser referendado por um conselho oligárquico e agora controlado pela extrema-direita. A estratégia funcionou perfeitamente e a esquerda chilena teve uma derrota profunda sem nenhum bombardeio ao Palácio. Um final melancólico e amargo.
Agora, o Chile verá nascer uma constituição pinochetista chancelada pelo jogo democrático e o levante popular que pedia por mudanças sociais, paradoxalmente, levará a mais retrocessos. Fica a lição, mais uma vez: pela via institucional do estado e da democracia burguesa, nenhuma mudança virá! (por David Emanuel Coelho)