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quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

QUE, INSPIRANDO-SE EM PELÉ, O BRASIL VOLTE A SER UM PAÍS ALEGRE E CORDIAL!

dalton rosado
OBRIGADO, PELÉ!
Há uma discussão entre a intelectualidade sobre a obrigação que os grandes ídolos teriam ou não de se posicionarem sobre questões de suas vidas pessoais e políticas que têm repercussão geral e que, portanto, dizem respeito ao interesse da sociedade como um todo.

Entendo que eles devam abrir o jogo, pois a sociedade que os idolatra tem o direito de saber o que eles pensam a respeito de temas que lhe são pertinentes; eles devem interagir com quem os sustentam.

Quando se omitem, significa que têm medo da repercussão eventualmente atingir as suas imagens de heróis, e esta é uma postura social e pessoal que desmerece os seus feitos; quando se posicionam, obtêm aplausos dos que convergem com suas opiniões e sofrem com as críticas dos que deles discordam, por vezes com punições muito demasiado severas. Mas, é o preço da fama. 

Nesse campo Pelé chutou algumas bolas fora e outras dignas de um inacreditável futebol clube, mas não é o momento de magnificar concordâncias e dissonâncias,  até porque o mérito de Pelé transcende os seus deslizes pessoais e políticos, graças à grandeza do que representa para o Brasil.

Pelé colocou nosso país no mapa mundial. 

Antes de Pelé: 
— muitos estrangeiros ficavam em dúvida sobre se a capital do Brasil era Rio de Janeiro ou Buenos Aires;
— a fama de Di Stefano superava a de Leônidas da Silva, o diamante negro, inventor da chamada bicicleta no futebol; 
— Juan Perón e sua Evita eram bem mais falados do que Getúlio Vargas e Dona Santinha, esposa do general presidente Eurico Gaspar Dutra;  
—  o samba costumava ser depreciado como sambinha (sob protestos de Ary Barroso), e perdia em prestígio para o tango de Carlos Gardel; 
O Guarani, um épico da música clássica de Carlos Gomes, causava surpresa por tal qualidade artística advir de um brasileiro, como se fosse algo exótico, mas carimbava a ideia de menosprezo mundial de então pelos indígenas;
— Carmem Miranda, a grande artista luso-brasileira precisava colocar bananas na cabeça para realçar o exotismo de seu talento musical e mise-en-scène perante o público dos EUA e, não raro, precisava cantar em castelhano, como se fosse argentina; e
— e o nosso café, de qualidade internacional, fazia as vezes de nosso (único) embaixador no exterior.. 

Pelé mudou tudo. Quando alguém desembarcava em qualquer lugar do mundo e dizia ser brasileiro, era imediatamente identificado como um conterrâneo de Pelé. 

Pelé foi e ainda é o brasileiro mais reverenciado lá fora; passados quase 50 anos desde que pendurou as chuteiras, os seus recordes permanecem insuperáveis: 
— ninguém tem três Mundiais da Fifa como campeão; 
— ninguém marcou 1.283 gols em 1.363 partidas, tendo obtido a incrível média de 0,9 gol por jogo (e ele não era centroavante!); 
— ninguém parou uma guerra entre países africanos, como aconteceu com o Santos de Pelé quando foi jogar num daqueles países que se dilaceravam numa luta sangrenta;
O milésimo tento foi de pênalti, em 1969, contra o Vasco.
— ninguém viu um juiz de futebol ser expulso de uma partida por ter expulsado Pelé (como forma de se evitar uma revolta entre os que assistiam à partida); 
— ninguém foi campeão do mundo aos 17 anos de idade (em 1958, ademais, Pelé disputou apenas as quatro partidas finais e mesmo assim marcou seis tentos!); 
— ninguém, conquistou tantos títulos por um único clube como Pelé na Santos; 
— ninguém foi tão reverenciado por dirigentes democratas (como Juscelino Kubitschek e Robert Kennedy) e ditadores oportunistas (como Garrastazu Medici). 

Ufa!!! Teria outros recordes a serem citados que minha memória septuagenária já não me permite lembrar. Mas vamos ficar como a escolha dele por europeus como o atleta do século

E olha que ele competiu com gente como Muhammad Ali, Jesse Owen, Diego Maradona, Michael Jordan, Roger Federer, Nadia Comaneci e outros que tais.. 

Mas Pelé também fez gols noutras áreas, como: 
— pedir, na noite em que marcou seu milésimo gol, atenção às crianças pobres (como ele mesmo foi em Três Corações/MG e Bauru/SP, até chegar no Santos); 
— flexibilizar em benefício dos atletas as rígidas leis da contratação dos jogadores nos clubes de futebol; e
— clamar por mais amor entre as gentes, como exaltou Caetano Veloso na bela composição Pelé disse love, love, love.
Gol da bicicleta perfeita de Pelé  no Maracanã,  
marcado num 5x0 do Brasil sobre a Bélgica em 1965 



Guardo viva na memória a minha primeira grande alegria com o futebol, esporte que iria adorar pelo resto da vida. Foi na conquista da Copa do Mundo de 1958, quando pulverizamos o nosso
complexo de vira-latas, como rotulu Nelson Rodrigues.

Como foi bom ouvir naquele rádio que cortava o som de vez em quando a voz de Edson Leite a gritar emocionado o  quinto gol de Pelé para o Brasil, contra a Suécia! 

Eu, então com apenas 8 anos e dois meses de idade, vi todos as pessoas transbordarem de felicidade, de vez que o Brasil finalmente confirmava o que todos pressentíamos, mas precisávamos da certificação: pertencíamos ao 1º mundo do futebol, o esporte mais popular do Planeta. 

É uma das memórias mais gratas da minha infância.

Depois, como na cidade não tinha televisão, esperávamos os domingos para assistir aos gols de Pelé pelo Santos no Canal 100, e ouvir o tema "que bonito é as bandeiras tremulando, a torcida delirando, vendo a rede balançar" (de Luiz Bandeira e Waldir Calmon).   

Já em 1970, cursando o 1º ano de Direito em Fortaleza, pude assistir na TV à cores o escrete  brasileiro de futebol jogando o fino da bola na conquista insofismável do tricampeonato mundial.. 
Muito se discutiu sobre quem seria melhor, Pelé ou 
Maradona. O tira-teima ocorrerá num gramado do céu?

Sei que ao mesmo tempo que o Brasil comemorava como eu a vitória, pessoas com quem convivi anos depois estavam sendo presas e torturadas e que seus gritos eram silenciados pelo ufanismo do futebol e do falso
milagre brasileiro.  

O futebol, como mercadoria e moeda governamental da ditadura, já servia ali para a manipulação política. 

Mas, devemos separar as coisas. Aqueles jogadores em campo, na sua totalidade advindos das camadas pobres da periferia sofrida, proporcionavam alegrias ao povo brasileiro e o uso oportunista disso pela ditadura não deve empanar o brilho do seu feito como representantes do que há de melhor no Brasil, o seu povo.

A conquista definitiva da taça Jules Rimet não deve ser relacionada com o apoio aos ditadores de plantão, até porque outro era o ofício dos jogadores: mostrar ao mundo a excelência do nosso futebol, que, junto com a música, nos coloca num patamar de igualdade com o chamado 1º mundo.  

Como aconteceu também com você, Pelé, aos 72 anos eu já não tenho o mesmo vigor físico dos tempos em que, seis décadas atrás, procurava lhe imitar dando bicicleta num campinho de futebol e quebrei um braço. 

Meus caminhos foram outros, como advogado de causas populares já na segunda metade dos anos 70; tive então a oportunidade de constatar como é duro se posicionar ao lado do povo de forma crítica e atuante, mas nem por isso me dou ao direito de negar as suas proezas e sua importância majestática de rei do futebol. 

É claro que me identifico mais com um Sócrates, Afonsinho do meu Botafogo, Reinaldo e Casagrande que são mais próximos da minha tribo, mas reverencio e agradeço a sua existência, até porque sendo você um menino de infância pobre e da etnia africana que conseguiu resgatar o Brasil do anonimato como nenhum outro brasileiro e é reverenciado mundialmente. 

Nós, neste momento de dor e pesar, devemos dizer apenas, Obrigado, Pelé!

Obrigado por ter existido, e saiba que você permanecerá para sempre vivo na memória de todos os brasileiros. (por Dalton Rosado)
Bom documentário dos irmãos Jeff e Michael Zimbalist (2016)

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

PESAM MAIS AS ALEGRIAS QUE DEVEMOS AO REI PELÉ NOS GRAMADOS OU AS BOLAS FORA DO CIDADÃO EDSON ARANTES NO DIA A DIA?

Pelé deixou de ser unanimidade para os torcedores comuns quando se negou a atuar pela seleção brasileira em 74, alegando respeito aos que haviam pagado para ver suas partidas de despedida
.
dalton rosado
PELÉ
Não me furto a confrontar-me publicamente com os dramas de consciência dos meus sentimentos.

Geralmente tais conflitos aparecem como contradição entre o que é tido como politicamente correto e o que vai no funda da minha alma.

Tenho questionado muito a política ao longo dos últimos anos, identificando como política todo o enquadramento a partir de uma matriz do pensar que nos remete a jogar um jogo dentro de regras preestabelecidas. 

Tal como na história do ovo de Colombo, há que se quebrar a sua casca para o estabelecimento de novos fazeres. O pensar fora da caixa nos permite a elaboração de pensar o novo sem as amarras do velho, e com tal postura descortinar um ampliado horizonte de possibilidades. 

Isto posto, vamos à análise do meu conflito de consciência pessoal em torno do tema Pelé.

O meu lado politicamente correto condena o maior atleta do século passado.  
Já os politizados o criticavam desde 70. Médici explica

O meu lado de menino que era apaixonado por futebol (e ainda sou, apesar de compreender que ele se tornou, predominante e infelizmente, uma mercadoria, embora eventualmente ainda se manifeste como arte esportiva) e acordava agarrado ao melhor presente recebido do meu pai na pré-adolescência, uma bola de couro, agradece todas as alegrias dadas por Pelé, de 1958 até meus 20 anos, em 1970.

Foi assistindo ao recém-lançado filme Pelé e vendo e ouvindo o sempre lúcido jornalista esportivo Juca Kfouri que entendi melhor o porquê do conflito da dubiedade de meus sentimentos em relação ao Pelé. 

Pelé, tal como Roberto Carlos, um o rei do futebol e outro, o da música pop, sempre se esquivaram de emitir opiniões políticas mais polêmicas, mesmo sendo celebridades cujas palavras poderiam calar fundo na consciência popular brasileira. 

Celebridades têm o direito de se omitirem sobre questões de relevância nacional? Ficarem em cima do muro lhes é negado, ainda que não entendam muito do assunto, justamente porque, mesmo evitando admitir, eles têm lá, sim, suas preferências pessoais, que deveriam ser francamente expostas aos que os idolatram. Não deveriam deixar que os seus interesses midiáticos os fizessem menores como cidadãos. 

Mas, como leigos que são em política e voltados inteiramente para os seus talentos artísticos, devemos minimizar os danos de suas omissões de opiniões e posicionamentos, bem como analisar os contextos nos quais tais omissões se dão. 

Concordo com que foi brilhante o posicionamento de Muhammad Ali, em se negar a ir para a guerra do Vietnã, dizendo que os vietnamitas nunca lhe haviam feito nenhum mal, e que, ao subir ao ringue para uma luta de boxe, travava guerra bem maior: uma afirmação contributiva para a sua etnia num país que a segregava socialmente.
Ali e Pelé: contextos diferentes

Mas concordo, principalmente, com Juca Kfouri quando ele diz que Muhammad Ali vivia num país que respeitava as regras do jogo democrático-burguês, as quais, embora leoninas, são bem diferentes da bestialidade de uma ditadura militar. 

Pelé vivia no Brasil dos anos 60, momento de sua exuberância esportiva, quando estávamos sob terrorismo de Estado, circunstancia que diferencia profundamente o contexto dos dois grandes ídolos esportivos, o de lá e o de cá.

Caso Pelé, com seu prestígio internacional que vinha desde o Mundial da Fifa de 1958, e reiterado com as incríveis façanhas suas e do Santos mundo afora (até parou uma guerra africana quando por lá se apresentou!), poderia ter-se manifestado contra as barbaridades que eram cometidas contra o povo brasileiro?

Claro que sim, poderia e deveria; mesmo que isto prejudicasse em muito sua trajetória futebolística no Brasil. Mas ele não quis isso, infelizmente. Devemos crucificá-lo por tal omissão? 

Não, isto seria excessivo, embora possamos lamentar a sua postura de quase sempre dizer simbolicamente amém a um sistema que segregava a sua etnia. 

As exceções ficam por conta de episódios como o de dedicar seu milésimo gol às crianças do Brasil (isto no ano de 1969, quando a fúria assassina do regime estava no auge!); ou quando pugnou rogando love, love, love nos EUA, com os punhos cerrados (mas com o dedo indicador para cima).  

Tais posturas de inconformismo ocorreram, contudo, episodicamente, além de se terem dado de modo muito genérico, beirando a demagogia bem comportada e politicamente correta. 

Entretanto, não podemos esquecer as imensas alegrias que Pelé deu ao povo brasileiro, ainda que a euforia da conquista do tri no Mundial Fifa de 1970 fizesse ouvidos moucos para os gritos dos torturados e assassinados nas celas da ditadura. 

Pelé colocou, sozinho, o Brasil no mapa mundial, a ponto de ficarem sabendo no exterior que éramos do país do futebol e de Pelé, e que nossa capital não era Buenos Aires. Lá atrás, Eder Jofre e Maria Ester Bueno haviam dado uma mãozinha.
As estilísticas bicicletas do Pelé: inimitáveis (o Dalton que o diga...)
Agradeço a Pelé a alegria que me proporcionavam as matinês do cinema de minha cidade de então (Mossoró-RN), quando era exibido o
Canal 100: deliciava-me aquele maravilhoso samba do baiano Luiz Bandeira, na deliciosa orquestração de Valdir Calmon (que bonito é) fazendo o fundo musical das bicicletas do Pelé. Aliás, ao tentar imitá-las, quebrei o braço numa queda desajeitada... 

Agradeço a Pelé a alegria daquele jogo final contra a Itália em junho de 1970, quando já em Fortaleza e cursando a Faculdade de Direito da UFC, fui convidado por um colega ricaço para assistir ao jogo numa televisão com transmissão instantânea, colorida, regada a uísque importado e salgadinhos, para dali sairmos em passeata pela Beira-Mar eufórica.

Naquele dia tomei todas, sem saber exatamente por que e ignorando que futuros companheiros meus estavam sendo presos e torturados ao lado de outros dos quais apenas ouviria falar depois. Nunca mais os veria (como Bergson Gurjão Farias, que morreu no Araguaia).

À altura eu era apenas um rapaz latino americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes, vindo do interior. Ouvia, ainda tímido, na mesma Faculdade e ano, as músicas recém tiradas do forno pelos cearenses Belchior, Ednardo e Fagner (este último apoiou Bolsonaro na eleição presidencial, mas já recuperou a lucidez); do piauiense Jorge Melo; e do meu amigo Rodger Rogério. 
Terá sido Messi o último sul-americano melhor do mundo?

Gostava muito das criações e interpretações do chamado
Pessoal do Ceará, mas ainda não possuía as informações que depois me fariam sentir a necessidade de colocar os meus serviços de futuro advogado a serviço do povo. E agradeci a Pelé por ele existir.

Talvez a minha inconsciência de jovem ingênuo que passava batido pela manipulação futebolística do sistema, naquele momento em que a ditadura era mais brutal, fosse parecida com aquela de quem era atleta dedicado full time à sua atividade esportiva, como Pelé. 

Acho mais relevante para uma análise e juízo de valor de caráter, a rejeição do reconhecimento de Pelé a uma filha fora do casamento, que era a sua cara; ninguém merece ser rejeitado(a) como tal. 

Mas, quando coloco na balança de ganhos e perdas, concluo que pesa mais o primeiro prato. É isto que meu coração decide e não devo mentir para mim mesmo para fazer média com o politicamente correto, até porque a política é a engenhoca que faz com que toleremos todo o escravismo milenar. 

Obrigado, Pelé: 
— pelas inesquecíveis alegrias que você me deu até meus verdes 20 anos;
— por ter lavado a alma de todo o povo brasileiro, que viu no menino pobre e negro a imagem de sua própria vitória e a afirmação de que tudo é possível, apesar das imensas dificuldades;
— por estar noutra galáxia em termos de futebol, acima de Maradona, Messi, Di Stefano, de todos os grandes craques brasileiros e mundiais de todos os tempos.

Finalmente, reiterando minha gratidão, peço que me perdoe pelo nível de exigência que minha consciência social lhe faz, recriminando-o pela omissão diante do que você poderia e deveria ter concomitantemente sido. Aí você seria ainda maior. (por Dalton Rosado)
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