segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

BRASIL CONTINUA EM DÉBITO COM MUITAS OUTRAS FAMÍLIAS, INCLUSIVE AS DE MARIGHELA E LAMARCA

Fernanda Torres interpretando
sua 
mãe: atuação superlativa. 
Eunice Paiva e Zuzu Angel tiveram eternizadas nas telas as suas corajosas lutas por entes queridos que foram exterminados pela ditadura dos generais. 

Merecem o respeito e gratidão dos melhores brasileiros, assim como todas as famílias que passaram por dramas semelhantes, durante a imensa tragédia do totalitarismo que se abateu sobre nosso país no período 1964-1985.

Nunca deixarei de lamentar quão pouco pude fazer por três dessas famílias.

Como a do meu colega desde o primário e companheiro de lutas desde o movimento secundarista, Eremias Delizoicov. 

Quando terminou minha temporada no inferno e voltei em frangalhos às ruas, duas vezes encontrei seu pai no ponto de ônibus. Em ambas ele quis (praticamente me obrigou) que fosse à sua casa, para ajudar a alimentar as esperanças de que o Eremias ainda estivesse vivo, foragido pelo mundo.

Tudo isto porque a repressão anunciou inicialmente a morte de outro companheiro e só um ou dois dias depois retificou a informação. Como os verdugos se negaram inclusive a entregar ao sr. Jorge os restos mortais do filho (provavelmente para evitar que constatasse as dezenas de disparos com os quais estraçalharam seu corpo, uma bestialidade a mais dentre tantas que cometeram), o sr. Jorge e a esposa continuavam sonhando com um impossível happy end

Naquelas duas tardes em que passei horas na casa deles, resisti à tentação de simplesmente dizer-lhes o que queriam escutar. Aconselhei-os a esquecerem tal ilusão e buscarem a felicidade possível no que restara da família: eles dois e o filho mais velho, que não participou da luta. 
Zuzu Angel passou por via crucis semelhante

Então, lembro-me dessas ocasiões como um interminável sofrimento a três, do qual eu tinha a obrigação de participar até poder ir-me embora, arrasado, para voltar a juntar os cacos da minha própria existência.

Como a família do Massafumi Yoshinaga, que eu nem sequer conhecia (mas um tio dele me contatou  no final de 2005, quando eu estava lançando o Náufrago da Utopia). 

Foi então que tomei conhecimento de quanto o Massa & família sofreram com a estigmatização por parte de pessoas de esquerda mais rápidas em condenar as vítimas do terrorismo de estado do que em lutarem contra ele quando tiveram a oportunidade de fazê-lo. 

Percebi que o tio Akitoshi queria de mim uma espécie de desagravo e isto, pelo menos, estava ao meu alcance. Divulguei vários artigos deplorando o abandono ao Massa quando ele decidiu sair da organização e foi largado no mundo sem grana, sem ajuda nenhuma para deixar o país, sem ter sequer onde esconder-se (chegava a dormir nas barracas do Mercado Municipal!),  depois de haver se tornado procuradíssimo pela repressão graças à sua atuação na VPR. 

Era desesperadora sua situação quando aceitou o conselho de um antigo guru, que intermediou sua rendição ao Dops, com a garantia de não ser torturado. Teria de participar de showzinhos montados pelos serviços de guerra psicológica das Forças Armadas, sendo solto logo em seguida... 
O drama da Família Paiva sensibilizou as novas gerações... 

...mas não para reencontrar, como sonhava, o calor do povo, e sim para viver execrado em seu próprio país, a ponto de enlouquecer (tinha alucinações de que seus pensamentos estariam sendo captados pela repressão) e de tentar três vezes o suicídio, até 
obter sucesso!

Fiz o máximo que pude, com meu teclado, para que ele passasse a ser visto com um pouco de compreensão, como mais um jovem destruído pelo arbítrio então vigente no Brasil. E me orgulho de haver rebatido firmemente o uso calhorda de sua desgraça por um antigo companheiro de movimento secundarista, depois economista burguês (um dos pais do Plano Cruzado). 

Num momento em que estava praticamente esquecido em sua profissão, tal indivíduo divulgou um artigo choramingas numa revista chique, não se vexando de atacar a memória de um morto para valorizar a dele própria. Desafiei-o para uma polêmica, mas ele preferiu ignorar. Refutei o artigo, mas a revista não concedeu direito de resposta. De qualquer forma, impedi que tal baixeza passasse inteiramente em branco.

Por último, indignei-me ao perceber que as viúvas da ditadura, com o apoio da imprensa canalha, lançavam uma ofensiva avassaladora contra a correta decisão da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, de fornecer uma reparação à altura do sacrifício do comandante Carlos Lamarca, executado por agentes do Estado brasileiro quando estava rendido e combalido. 
...mas resta a dívida com a Família Lamarca

Também dessa vez
pude somar minhas forças à da família que travava luta tão desigual, pouco apoio recebendo dos antigos companheiros do Lamarca. Cumpri integralmente o meu dever de solidariedade para com o combatente tombado.

De resto, não é só o reconhecimento dos pósteros a partir de filmes e livros que as famílias dos companheiros merecem, mas também o reconhecimento do próprio Estado brasileiro, que insiste em não colocar Carlos Marighella e Carlos Lamarca como dois dos maiores heróis que este país já produziu.

É ultrajante que eles não tenham seus nomes acrescentados às mais de 60 figuras históricas que já constam do Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. Trata-se de outra dívida que a nação brasileira tem para com as famílias daqueles que mais a honraram com suas ações e com o sacrifício de suas vidas.

E que não será paga de maneira branda, agora que a direita manda e desmanda no Congresso Nacional. Mas, se evitarmos todas as batalhas difíceis de vencermos, perderemos a guerra de forma cada vez mais acachapante, como vem acontecendo desde 2016. (por Celso Lungaretti)

4 comentários:

Angelo Genovesi disse...

Gosto muito de sempre citar Carlos Lamarca como uma referência na história brasileira, ele não temeu a fúria dos bestas-feras subordinados a generais que a qualquer custo queriam eliminar a guerrilha, como aconteceu.
Lamarca preferiu morrer sem trair a organização e seus companheiros, ao contrário de outros que simplesmente temeram a situação.
Lembro-me carinhosamente também do Joaquim Câmara Ferreira e do Virgílio Gomes da Silva, assim como outros que mantiveram-se firmes até o último segundo, mesmo custando-lhes a própria vida.

celsolungaretti disse...

Ângelo, perfeito o Lamarca não era. Ninguém é. Mas, sua disposição de sacrificar tudo que lhe era mais caro para libertar o Brasil do jugo capitalista o colocava em patamar muito superior à da grande maioria de personagens que aqui são reconhecidos como heróis.

Não vejo nenhum outro, nem mesmo Marighela e Tiradentes, que o igualasse como melhor comandante possível ida revolução de que o Brasil tanto carecia e carece.

Mas, não soubemos aproveitar o trunfo que tivemos nas mãos. De nada adiantou possuirmos o melhor comandante de exército do qual nosso lado algum dia dispôs, pois falhamos miseravelmente em entregar um exército para ele comandar.

Lendo tudo que li sobre Tiradentes e conhecendo pessoalmente a história do Lamarca, passei a ter sérias dúvidas quanto à possibilidade de fazermos uma revolução com princípio, meio e fim no Brasil.

A hipótese mais plausível é a de um movimento que nasça quase que espontaneamente, como o 1968 francês ou o 2013 brasileiro, e de repente cresça o suficiente para conquistar o poder.

A chamada "Primavera de Paris", com suas barricadas que repentinamente brotaram do nada, esteve perto disso. E, em meio à crise extremada do capitalismo que se avizinha, pode até acontecer por aqui.

Anônimo disse...

Oi Celso, tudo bem por aí com Você?
Desejos do Hebert de um ano próspero e produtivo à Você
e todos aqui.

Pois bem, a premiação que trouxe a sensação de torcedor, vendo o juiz dando o apito final e decretando meu Time Campeão, deu lugar ao ranço, causado pelos "juizes" da vida alheia (sempre eles), e nosso atual mandatário "se apossando" o título, como sempre. Vale a pena torcer assim? Até quando?!

Vitória no Globo de Ouro não coloca Brasil no Centro do Mundo
https://www.youtube.com/watch?v=w8C1VmVUnVM

Na última terça, na "Rede Brasil de TV", foi o filme Duelo de Gigantes (com Marlon Brando e Jack Nicholson), ótimo elenco, mas o filme é meio parado.

celsolungaretti disse...

Valeram os votos, Hebert. Tudo de bom p/ vc também!

Parece que voltamos aos tempos do "complexo de viralatas", pois estamos dando importância desmesurada a qualquer afirmaçãozinha nacional em qualquer atividade, sejam filmes banais como "O Cangaceiro" e "Pagador de promessas", seja pela faixa de Miss Universo que Marta Rocha iria conquistar mas perdeu por alguns centímetros de corpulência a mais, seja pelo brilho isolado do Eder Jofre no boxe e da Maria Ester Bueno no tênis.

A carência de autoafirmação nacional transforma em grandes conquistas o que nunca fora considerado importante pelos brasileiros, como o tênis feminino. Os viralatas latem ensurdecedoramente quando acreditam igualar-se aos cachorros que têm pedigree.

Foi bonita a festa da Fernanda Torres, pá, até eu fiquei contente. Mas está longe, muito longe, de significar que a cinematografia brasileira deixou de ser inferior às principais do planeta. Melhor atriz nunca teve tal relevância. As categorias que definem os maiorais da sétima arte são melhor filme e/ou melhor diretor.

O cinema brasileiro chegou a ser grande nas décadas de 1960 e 1970, por obra e graça dos diretores revelados pelo cinema novo, começando pelo maior de todos os tempos, Glauber Rocha. Havia ousadia e criatividade, cinema com linguagem de cinema, desbravando novos caminhos.

Agora há filmes característicos da TV e das novelas, tudo bonitinho, arrumadinho e chatinho. Eu trocaria centenas dessa tralha por "Terra em Transe" e "O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro", p. ex.

Enfim, talvez o sucesso da Fernandiha inspire os diretores atuais a irem além da batatinha quando nasce. Mas, em princípio, só Walter Salles e José Padilha me dão esperança de, melhorando, alcançarem o patamar do Glauber, do Nelson Pereira dos Santos, do Joaquim Pedro de Andrade, do Cacá Diegues, do Ruy Guerra e até do Héctor Babenco que importamos da Argentina.

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