Fernanda Torres interpretando sua mãe: atuação superlativa. |
Merecem o respeito e gratidão dos melhores brasileiros, assim como todas as famílias que passaram por dramas semelhantes, durante a imensa tragédia do totalitarismo que se abateu sobre nosso país no período 1964-1985.
Nunca deixarei de lamentar quão pouco pude fazer por três dessas famílias.
Como a do meu colega desde o primário e companheiro de lutas desde o movimento secundarista, Eremias Delizoicov.
Quando terminou minha temporada no inferno e voltei em frangalhos às ruas, duas vezes encontrei seu pai no ponto de ônibus. Em ambas ele quis (praticamente me obrigou) que fosse à sua casa, para ajudar a alimentar as esperanças de que o Eremias ainda estivesse vivo, foragido pelo mundo.
Tudo isto porque a repressão anunciou inicialmente a morte de outro companheiro e só um ou dois dias depois retificou a informação. Como os verdugos se negaram inclusive a entregar ao sr. Jorge os restos mortais do filho (provavelmente para evitar que constatasse as dezenas de disparos com os quais estraçalharam seu corpo, uma bestialidade a mais dentre tantas que cometeram), o sr. Jorge e a esposa continuavam sonhando com um impossível happy end.
Zuzu Angel passou por via crucis semelhante |
Como a família do Massafumi Yoshinaga, que eu nem sequer conhecia (mas um tio dele me contatou no final de 2005, quando eu estava lançando o Náufrago da Utopia).
Foi então que tomei conhecimento de quanto o Massa & família sofreram com a estigmatização por parte de pessoas de esquerda mais rápidas em condenar as vítimas do terrorismo de estado do que em lutarem contra ele quando tiveram a oportunidade de fazê-lo.
Percebi que o tio Akitoshi queria de mim uma espécie de desagravo e isto, pelo menos, estava ao meu alcance. Divulguei vários artigos deplorando o abandono ao Massa quando ele decidiu sair da organização e foi largado no mundo sem grana, sem ajuda nenhuma para deixar o país, sem ter sequer onde esconder-se (chegava a dormir nas barracas do Mercado Municipal!), depois de haver se tornado procuradíssimo pela repressão graças à sua atuação na VPR.
O drama da Família Paiva sensibilizou as novas gerações... |
Fiz o máximo que pude, com meu teclado, para que ele passasse a ser visto com um pouco de compreensão, como mais um jovem destruído pelo arbítrio então vigente no Brasil. E me orgulho de haver rebatido firmemente o uso calhorda de sua desgraça por um antigo companheiro de movimento secundarista, depois economista burguês (um dos pais do Plano Cruzado).
Num momento em que estava praticamente esquecido em sua profissão, tal indivíduo divulgou um artigo choramingas numa revista chique, não se vexando de atacar a memória de um morto para valorizar a dele própria. Desafiei-o para uma polêmica, mas ele preferiu ignorar. Refutei o artigo, mas a revista não concedeu direito de resposta. De qualquer forma, impedi que tal baixeza passasse inteiramente em branco.
...mas resta a dívida com a Família Lamarca |
De resto, não é só o reconhecimento dos pósteros a partir de filmes e livros que as famílias dos companheiros merecem, mas também o reconhecimento do próprio Estado brasileiro, que insiste em não colocar Carlos Marighella e Carlos Lamarca como dois dos maiores heróis que este país já produziu.
É ultrajante que eles não tenham seus nomes acrescentados às mais de 60 figuras históricas que já constam do Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. Trata-se de outra dívida que a nação brasileira tem para com as famílias daqueles que mais a honraram com suas ações e com o sacrifício de suas vidas.
E que não será paga de maneira branda, agora que a direita manda e desmanda no Congresso Nacional. Mas, se evitarmos todas as batalhas difíceis de vencermos, perderemos a guerra de forma cada vez mais acachapante, como vem acontecendo desde 2016. (por Celso Lungaretti)
2 comentários:
Gosto muito de sempre citar Carlos Lamarca como uma referência na história brasileira, ele não temeu a fúria dos bestas-feras subordinados a generais que a qualquer custo queriam eliminar a guerrilha, como aconteceu.
Lamarca preferiu morrer sem trair a organização e seus companheiros, ao contrário de outros que simplesmente temeram a situação.
Lembro-me carinhosamente também do Joaquim Câmara Ferreira e do Virgílio Gomes da Silva, assim como outros que mantiveram-se firmes até o último segundo, mesmo custando-lhes a própria vida.
Ângelo, perfeito o Lamarca não era. Ninguém é. Mas, sua disposição de sacrificar tudo que lhe era mais caro para libertar o Brasil do jugo capitalista o colocava em patamar muito superior à da grande maioria de personagens que aqui são reconhecidos como heróis.
Não vejo nenhum outro, nem mesmo Marighela e Tiradentes, que o igualasse como melhor comandante possível ida revolução de que o Brasil tanto carecia e carece.
Mas, não soubemos aproveitar o trunfo que tivemos nas mãos. De nada adiantou possuirmos o melhor comandante de exército do qual nosso lado algum dia dispôs, pois falhamos miseravelmente em entregar um exército para ele comandar.
Lendo tudo que li sobre Tiradentes e conhecendo pessoalmente a história do Lamarca, passei a ter sérias dúvidas quanto à possibilidade de fazermos uma revolução com princípio, meio e fim no Brasil.
A hipótese mais plausível é a de um movimento que nasça quase que espontaneamente, como o 1968 francês ou o 2013 brasileiro, e de repente cresça o suficiente para conquistar o poder.
A chamada "Primavera de Paris", com suas barricadas que repentinamente brotaram do nada, esteve perto disso. E, em meio à crise extremada do capitalismo que se avizinha, pode até acontecer por aqui.
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