DEZENAS DE OPERÁRIOS, MAS ACABOU VITORIOSA!
Fundado em 1897, o cotonifício Crespi ocupava um enorme quarteirão da zona leste paulistana, tendo se constituído num dos principais marcos da industrialização de São Paulo.
O Crespi chegaria a ter 50 mil m2 construídos |
O livro de Zélia Gattai inspirou minissérie de TV |
Numa conjuntura de guerra, crise econômica e carestia, a inquietação localizada se espalhou. O patronato respondeu com os argumentos de sempre: pau, bala e demissões. Mas, daquela vez, a agressão não funcionou. A revolta se espalhou por outras fábricas e pelo comércio.
Entre 1914 e 1923, o salário havia subido 71% enquanto o custo de vida havia aumentado 189%; isso representava uma queda de dois terços no poder de compra dos salários.
"O trabalho infantil era generalizado" |
Para salário médio de um operário de cerca de 100 mil réis correspondia um consumo básico que para uma família com dois filhos atingia a 207 mil réis. O trabalho infantil era generalizado.
'…a greve geral de 1917 não pode, de maneira alguma, ser equiparada sob qualquer aspecto que seja examinada, com outros movimentos que posteriormente se verificaram como sendo manifestações do operariado. Isso não, absolutamente não!
A greve geral de 1917 foi um movimento espontâneo do proletariado sem a interferência, direta ou indireta, de quem quer que seja. Foi uma manifestação explosiva, consequentemente de um longo período da vida tormentosa que então levava a classe trabalhadora.
A carestia do indispensável à subsistência do povo trabalhador tinha como aliada a insuficiência dos ganhos; a possibilidade normal de legítimas reivindicações de indispensáveis melhorias de situação esbarrava com a sistemática reação policial; as organizações dos trabalhadores eram constantemente assaltadas e impedidas de funcionar; os postos policiais superlotavam-se de operários, cujas residências eram invadidas e devassadas; qualquer tentativa de reunião de trabalhadores provocava a intervenção brutal da Policia.
A reação imperava nas mais odiosas modalidades. O ambiente proletário era de incertezas, de sobressaltos, de angústias. A situação tornava-se insustentável.' [Edgard Leuenroth, em artigo na imprensa]
Foi liderada por elementos de ideologia anarquista, dentre eles vários imigrantes italianos. Os sindicatos por ramos e ofícios, as forças e uniões operárias, as federações porcentuais, e a Confederação Operária Americana (fundada em 1756) sofriam forte influência dos anarquistas.
'O enterro dessa vitima da reação foi uma das mais impressionantes demonstrações populares até então verificadas em São Paulo. Partindo o féretro da rua Caetano Pinto, no Brás, estendeu-se o cortejo, como um oceano humano, por toda a avenida Rangel Pestana até a então Ladeira do Carmo em caminho da cidade, sob um silencio impressionante, que assumiu o aspecto de uma advertência.
Foram percorridas as principais ruas do centro. Debalde a Policia cercava os encontros de ruas. A multidão ia rompendo todos os cordões, prosseguindo sua impetuosa marca até o cemitério. À beira da sepultura revezaram os oradores, em indignadas manifestações de repulsa à reação...
No regresso do cemitério, uma parte da multidão reuniu-se em comício na Praça da Sé; a outra parte desceu para o Brás, até à rua Caetano Pinto, onde, em frente à casa da família do operário assassinado, foi realizado outro comício'. [relato de Edgard Leuenroth, em reportagem publicada pelo jornal Dealbar]
- que sejam postas em liberdade todas as pessoas detidas por motivo de greve;
- que seja respeitado do modo mais absoluto o direito de associação para os trabalhadores;
- que nenhum operário seja dispensado por haver participado ativa e ostensivamente no movimento grevista;
- que seja abolida de fato a exploração do trabalho de menores de 14 anos nas fábricas, oficinas etc.;
- que os trabalhadores com menos de 18 anos não sejam ocupados em trabalhos noturnos;
- que seja abolido o trabalho noturno das mulheres;
- aumento de 35% nos salários inferiores a $5000 e de 25% para os mais elevados;
- que o pagamento dos salários seja efetuado pontualmente, cada 15 dias, e, o mais tardar, 5 dias após o vencimento;
- que seja garantido aos operários trabalho permanente;
- jornada de oito horas e semana inglesa [oito horas diárias de 2ª a 6ª feira e quatro horas nos sábados];
- aumento de 50% em todo o trabalho extraordinário.
'A situação ia se tornando cada vez mais grave com os choques entre a policia e os trabalhadores. O Comitê de Defesa Proletária, somente vencendo toda a sorte de dificuldades conseguia realizar apressadas reuniões em pontos diversos da cidade, às vezes sob a impressão constrangedora do ruido de tiroteios nas imediações.
Tornava-se indispensável um encontro dos trabalhadores, para ser tomada uma resolução decisiva. Surgiu, então, a sugestão de um comício geral. Como e onde? E como vencer os cercos da Policia? Mas a situação, que se desenrolava com a mesma gravidade, exigia a sua realização.
O perigo a que os trabalhadores se iriam expor estava sendo transformado em sangrenta realidade nos ataques da policia em todos os bairros da cidade, deles resultando também vitimas da reação, inúmeros operários, cujo único crime era reclamarem o direito à sobrevivência.
E o comício foi realizado. O Brás, bairro onde tivera inicio o movimento, foi o ponto da cidade mais indicado, tendo como local o vasto recinto do antigo Hipódromo da Mooca.
Foi indescritível o espetáculo que então a população de São Paulo assistiu, preocupada com a gravidade da situação. De todos os pontos da cidade, como verdadeiros caudais humanos, caminhavam as multidões em busca do local que, durante muito tempo, havia servido de passarela para a ostentação de dispendiosas vaidades, justamente neste recanto da cidade de céu habitualmente toldado pela fumaça das fábricas, naquele instante, vazias dos trabalhadores que ali se reuniam para reclamar o seu indiscutível direito a um mais alto teor de vida.
Não cabe aqui a descrição de como se desenrolou aquele comício, considerado como uma das maiores manifestações que a história do proletariado brasileiro registra. Basta dizer que a imensa multidão decidiu que o movimento somente cessaria quando as suas reivindicações, sintetizadas no memorial do Comitê de Defesa Proletária, fossem atendidas.' [notícia na imprensa]
'São Paulo é uma cidade morta: sua população está alarmada, os rostos denotam apreensão e pânico, porque tudo está fechado, sem o menor movimento. Pelas ruas, afora alguns transeuntes apressados, só circulavam veículos militares, requisitados pela Cia. Antártica e demais indústrias, com tropas armadas de fuzis e metralhadoras.
Há ordem de atirar para quem fique parado na rua. Nos bairros fabris do Brás, Moóca, Barra Funda, Lapa, sucederam-se tiroteios com grupos de populares; em certas ruas já começaram fazer barricadas com pedras, madeiras velhas, carroças viradas. A polícia não se atreve a passar por lá, porque dos telhados e cantos partem tiros certeiros.
Os jornais saem cheios de notícias sem comentários quase, mas o que se sabe é sumamente grave, prenunciando dramáticos acontecimentos'. [declarações de Fernando Dannemann]
"Os patrões deram aumento imediato de salário e prometeram estudar as demais exigências" |
'Na primeira reunião foi examinado o memorial das reivindicações dos trabalhadores, apresentado pelo Comitê de Defesa Proletária, que a comissão de jornalistas estava encarregada de levar ao governo do Estado.
A segunda reunião teve o seu inicio retardado, em virtude da prisão de dois dos membros do comitê de Defesa Proletária ao saírem da redação, após a primeira reunião.
Os entendimentos seriam rompidos se esses dois elementos não fossem imediatamente postos em liberdade. Essa resolução foi transmitida ao presidente do Estado. A exigência foi atendida, os elementos levados à redação e a reunião pôde ser realizada com breve duração, pois o governo ainda não havia entregue a sua resolução.
A resolução da concessão das reivindicações dos trabalhadores foi dada por intermédio da Comissão de Jornalistas, com a informação de que já estavam sendo libertados os operários presos durante o movimento. Foram realizados comícios dos trabalhadores em vários bairros para a decisão da retomada do trabalho, que se iniciou no dia imediato.
São Paulo reiniciava suas atividades laboriosas. A cidade retomava o seu aspecto costumeiro, restando, entretanto, a triste lembrança das vitimas que haviam deixado lares enlutados.' [relato de Edgard Leuenroth, em reportagem publicada pelo jornal Dealbar]"
Clássico italiano sobre greve no final do século 19 em Turim: a
tecelagem é quase idêntica ao Crespi que conheci na década de 1960
3 comentários:
Os camaradas de ontem e de hoje não mudaram.
O fim é o poder de mando, a obediência cega e a lealdade canina ao caudilho da vez.
Eles também me permitem usar a palavra adrede, pois adrede omitem a verdade dos fatos.
Eles temem a liberdade.
As mudanças ocorrem a cada instante, companheiro. Mas é preciso estar onde se decidem os rumos da sociedade para perceber bem isto. Quem fica olhando só de longe dificilmente nota.
https://www.ihu.unisinos.br/637240-quando-milionarios-se-preparam-para-o-colapso-artigo-de-raul-zibechi?utm_campaign=newsletter_ihu__11-03-2024&utm_medium=email&utm_source=RD+Station
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