Na realidade, desde 2008 o capitalismo mundial patina, incapaz de engatar um ciclo produtivo sustentável. A razão é exatamente a elencada acima, a superprodução, ou, dito de outra forma, o capitalismo bateu no teto, igual já tinha batido em 1929. Isso significa que na atual configuração mundial é impossível os seres humanos absorverem adequadamente a quantidade de mercadorias produzida, não por falta de dinheiro pra consumir, mas porque o nível produtivo é tão titânico a ponto de ser humanamente impossível dar conta de tudo, apesar de estarmos em um contexto de hiper consumo supérfluo, com a produção abissal de lixo e rejeitos.
O resultado político disso é a ingovernabilidade social, com erupções de levantes, guerras e, mais prosaicamente, o desgaste de governantes. A impopularidade dos governos, sejam eles de esquerda ou direita, tem sido a tônica destes anos, com a crise engolindo a todos. Basta olhar para Biden, Boric, Fernandez, Macron, etc, para se ter ideia deste processo, todos assumiram com grandes esperanças para logo derraparem na insatisfação popular. Novamente, como disse Marx no 18 de Brumário, a primeira vítima de toda crise capitalista é o mandatário do país, não importa quem ele seja, pois é nele que o povo comum canalizará sua raiva e insatisfação. E quem costuma faturar é a oposição, seja também quem ela for.
Em épocas de crise aguda, como a que estamos começando a viver, as alternativas radicais ganham mais guarida no seio da população. O campo dos moderados vai diminuindo até se tornar minoria completa, ao contrário de épocas de estabilidade, quando é majoritário. A aderência às ideias radicais surge da própria condição crítica vivida pelos indivíduos no dia a dia. A emotividade passa a falar mais alto, com o medo, a raiva, o ódio e a esperança tomando o lugar do raciocínio pragmático. São tempos de intolerância e agressividade. Por isso, quem apostar no mais do mesmo invariavelmente fracassará e apenas quem encarnar a mudança será capaz de arregimentar as multidões.
A extrema-direita sabe disso e é esse o motivo de ela falar e agir de forma radical. No entanto, sua radicalidade é falsa, pois visa apenas reforçar, por outros meios, o domínio da propriedade privada e do mercado, mas consegue apelar ao vulgo por oferecer alternativas à situação vivida.
Ao não propor alternativa nenhuma, o lulopetismo entra no lodaçal modorrento da continuidade do pesadelo. Pior, pois enfraquece a esquerda e deixa a direita como única vocalizadora de um projeto de transformação social. Enquanto se arvora no discurso tecnocrata, na empulhação e na politicagem, o governo Lula é comido pouco a pouco pela crise capitalista, diante da qual é impotente. A única alternativa seria romper as amarras do bom mocismo e enveredar também pelo caminho da radicalidade, com todas as consequências daí advindas. No entanto, basta olhar a cara tediosa de Haddad para perceber o quanto audácia não é palavra constante do dicionário lulista.
Resta então ir cozinhando a gororoba indigesta e empurrando com a barriga o fim, que se prenuncia trágico. Caso não tenha outro golpe de sorte, o destino de Lula 3 será o de ser tragado pela debacle da sociedade capitalista.
Transcrevi acima a parte final de um artigo escrito há exatamente um ano - Lula 3 será cozido pelo fogo alto da crise capitalista. Diante da recente notícia da queda de popularidade do presidente, considerei válido revisitar minha análise, não para propagandear meu acerto, mas para ressaltar o quanto a situação está seguindo o script prenunciado pela atual crise crônica do capitalismo.
A mídia burguesa faz seu trabalho de manipular a opinião pública e atribuir a queda de Lula às suas falas sobre Israel, à sua política externa, à pouca austeridade fiscal, etc., tudo menos ir à raiz do problema que é o atual impasse capitalista responsável pelo alto custo de vida, pela crise alimentar e de habitação, pela deterioração das condições de vida nas grandes cidades, pela violência desenfreada e pelo acirramento do individualismo e do clima do "cada um por si".
Esses fatores não são exclusivos ao Brasil, mas comuns a todo os países. Assim, por exemplo, na Europa milhões de pessoas hoje precisam escolher se pagam os aluguéis ou compram comida. Nos EUA, há tantos moradores de rua que muitas cidades decretaram situação de emergência, com algumas, mais reacionárias, impondo proibições e remoções forçadas dessas pessoas. Na América Latina basta lembrarmos da situação calamitosa da Argentina. Para onde quer que olhemos o capitalismo patina e leva junto os chefes de Estado e de Governo, sejam eles quais forem.
Lula vai sofrendo o mesmo destino de outros líderes mundiais que tomaram posse com altas expectativas e logo afundaram: Biden, Boric, López Obrador, Fernandez, António Costa, para citar alguns nomes. Mas outros, menos democráticos, também sentem o efeito da impopularidade causada pela crise, tais são os casos de Netanyahu, Putin, Xi Jinping, Maduro, líderes longevos, mas que patinam. Não à toa, a guerra ou é aventada por eles ou já foi assumida como solução para a impopularidade.A guerra por sinal é a grande solução tramada pelos capitalistas, sendo que hoje a indústria bélica já é a principal força econômica em nível mundial. Emmanuel Macron, que sofre com uma rejeição altíssima e insanável, não se vexou de falar abertamente no envio de tropas francesas para a Ucrânia, o que significaria simplesmente no início da Terceira Guerra Mundial. Nas cabeças burguesas mundo afora o holocausto nuclear é cada dia mais visto como a solução ideal para salvar o capitalismo de sua bancarrota.
No Brasil, Lula terá sorte se terminar seu mandato e não sofrer um impeachment - ou golpe, na terminologia farsesca do lulopetismo -, o qual tem tudo para se aventar como um duplo impeachment: dele e de seu vice sem sal. Para a esquerda, muito mais importante que se preocupar com as inúteis eleições municipais é se preparar para as decisivas lutas futuras, pois apenas um programa revolucionário poderá fazer frente ao avanço da extrema-direita. (por David Coelho)
7 comentários:
18 Brumário é muito recomendável.
Conta a respeito de outro Louis.
Na Argentina o lema é sofrer agora para melhorar depois. É o país da esperança.
Henrique, é uma variação do "é preciso esperar o bolo crescer para depois dividir" do Delfim Netto durante a ditadura militar. Quem acreditou, morreu de inanição.
Boa noite Celso e David.
A crônica lembra um trecho do livro "Capitalismo pra principiantes" de Carlos Eduardo Novaes, ao falar sobre a característica da crise capitalista, número de produtos muito maior do que a demanda de fregueses a ponto de serem jogados fora, como um caso de caminhões tanque cheios de leite correndo com as mangueiras totalmente abertas nas rodovias.
Por coincidência, 1929 era o ano do filme "O grande Gatsby", de 1974, estrelado por Robert Redford. Até quem era criança no ano em que foi exibido, no início da década de 80 no Super Cine, lembra do clima agressivo de alegria durante as festas na mansão do personagem ao som do Charleston, multidão se atirando com roupas na piscina parecendo e rindo como hienas no cio, ou com se estivessem entorpecidos.
Deixo aqui uma crônica do canal "Esquerda autocrítica" do Alexandre Figueiredo:
A Queda de Aprovação de Lula
https://www.youtube.com/watch?v=nqXIbznKPCo
Forte Abraço do Hebert.
Hebert, você não conhece o exemplo emblemático da queima do café durante a Grande Depressão e, em seguida, a 2a Guerra Mundial, quando os importadores habituais foram obrigados a reduzir as compras?
Entre 1931 e 1944, para não desvalorizar o preço do produto, o Brasil queimou 78,2 milhões de sacas de café. Preferiu destruir do que dar ao povo.
O capitalismo é monstruoso.
Hebert, isso acontece até hoje. Rotineiramente temos notícias de produtores que jogam tomates e outros produtos agrícolas fora porque o preço está muito baixo. Isso não é feito porque tais produtores são maus - a lógica moral não se aplica aqui - mas porque estão dominados pela lei do valor e não podem vender seus produtos a um valor muito baixo, sob pena de irem à falência. Daí medidas tomadas pelo Estado, conforme lembrou o Celso no caso do café, para manter o valor em preços aceitáveis.
Olá, David
Mais uma boa análise, como é de praxe aqui neste blog.
E infelizmente já se ouve falar na perspectiva real de guerra nuclear, isto é, o capitalismo mais uma vez flertando com a hecatombe.
Deixo mais um texto de semelhante teor para reflexão dos leitores do blog.
https://www.scielo.br/j/sssoc/a/JSQhmDk8n5Q4jbLmVqJnwDy/
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