Dei uma verificada no Google e constatei que a quase totalidade dos filmes recomendados para o dia de Finados é de produções alentadoras, direcionadas para aqueles que não se conformam com a perda dos entes queridos e querem acreditar que eles estejam num lugar melhor, morreram com a satisfação do dever cumprido, etcetera e tal. Besteirinhas.
Sabemos que as coisas não se passam assim. Paraíso, inferno, outra vida depois da morte, reencarnação? Conta outra. O Vinícius de Moraes disse tudo:
"A vida é pra valer. E não se engane não, tem uma só. Duas mesmo que é bom, ninguém vai me dizer que tem sem provar muito bem provado, com certidão passada em cartório do céu e assinado embaixo: Deus. E com firma reconhecida!".
Então, como aqui sempre procuramos oferecer visões alternativas àquelas que, embora predominantes, expressam apenas a falta de coragem para olharmos a realidade de frente, o filme para ver no blog de hoje é um dos que melhor defenderam, em todos os tempos, a tese de que a vida NÃO vale a pena ser vivida.
Trata-se de O sétimo selo (1956), que o grande diretor sueco Ingmar Bergman realizou não apenas como uma condenação da idade das trevas. Sua desesperança era mesmo com o presente, embora tal visão ficasse mais fácil de ser aceita pelo público em geral se tivesse como referencial os horrores medievais.
Levando O sétimo selo às ultimas consequências, teríamos todos de seguir o exemplo do Jim Jones. Mas, há uma opção bem melhor: lutarmos para transformar a realidade dilacerante. Se eu disputasse uma partida de xadrez com a Morte, jamais tombaria o rei. Ou receberia o xeque-mate ou continuaria tentando dar a volta por cima, ainda que fosse desesperadora a minha situação no tabuleiro.
Dito isto, fica paradoxal eu recomendar-lhes que vejam este filme? Ora, são exatamente as visões com as quais não nos identificamos aquelas que devemos procurar. Elas nos fazem pensar. Já as idênticas às nossas, no fundo, só servem para nos sentirmos confirmados quanto ao que acreditamos. Só os vacilantes e eternos inseguros precisam disso.
Mas, chega de divagações. Eis uma boa sinopse do filme, assinada pelo Bruno Tavares:
Antonius Block (Max Von Sydow) é um cavaleiro cruzado que retorna da guerra e depara com um país devastado pela peste. Logo ao chegar, ele passa por um encontro singular numa praia: a própria Morte (Bengt Ekerot) o vem saudar e faz seu chamado final.
Entretanto, Antonius propõem um jogo de xadrez com a dama negra. O intuito do embate não é fugir do seu destino, mas, caso saísse vencedor, conseguir um pouco mais de tempo para postergar o inevitável.Ao longo da trama, acompanhamos a viagem que o Block faz com seu escudeiro, Jöns (Gunnar Björnstrand), pelo interior de sua terra. Nessa jornada, ele se depara com a fome, o fanatismo e o atraso que assolam a população.Em busca de uma resposta divina que explique os motivos de tanto sofrimento, o cavaleiro gradativamente se abandona nos braços da desilusão.
Assistam ao filme ao invés de irem, morbidamente, dar encontrões e disputar espaço com a multidão nos cemitérios. É bem mais saudável. (CL)
Acima você acessa algumas divagações sobre O sétimo
4 comentários:
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Pense numa tarefa fácil e boa. Assistir este filme.
Destaco a fotografia impecável.
Uma poesia de luz e sombra.
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Fritz Pearls já cantou a pedra quando disse que, no sonho, todos os personagens são você mesmo. E, neste filme (como em todos) os personagens mostram as múltiplas facetas de Bergman.
No entanto, entendo que o alter ego dele seja a morte. A retirada do ator canastrão de cena (quando a morte serra a árvore) é o que me faz pensar assim.
Pense no tamanho do ego do cara!
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A bem dizer, entendi que a película mostra uma metáfora da vida (e não da morte), pois, pensando bem, todos estão jogando com ela, desde o momento em que foram lançados no mundo.
A gente vai escapulindo, até chegar o esgotamento das forças vitais ou o imponderável...
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Como já estive para morrer umas duas vezes, e vi muitas mortes, posso asseverar que a morte não dói.
Quando entrei em coma, para mim, foi como se piscasse os olhos. Nada entre o momento que perdi a consciência e aquele em que a retomei.
Os dias que fiquei de coma são como se não existissem para mim.
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Uma das mortes que soube foi de um cara que foi morto num banco de praça na noite de natal.
Perguntei ao agente funerário como tinha sido o momento quando ele contou aos familiares do falecido o que tinha acontecido.
"Graças a Deus"! Foi o que responderam.
A morte é um detergente que limpa o mundo.
A morte também é a igualdade primária entre os vivos. Tudo que é vivo morrerá.
O que faz a desigualdade é o que acontece entre o nascimento e a morte.
São muitas possibilidades.
A morte equaliza, pois, assim como a Lei, ela não é moral.
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Enfim, a obra tem a profundidade de um pires, mas é cinema de altíssima qualidade.
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Existe um lindo sutra deixado pelo bodhisatva Canon chamado O Sutra da Essência da Perfeita Sabedoria Transcendente (O Sutra do Coração).
"Oh Sariputra... o vazio é forma e a forma é vazio..."
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A passagem pela luta armada definiu a minha postura diante da morte: dela escapei algumas vezes por mero acaso e, passado o susto, me dei conta de que um dia o acaso seria desfavorável e eu morreria. Então, de que adiantaria eu ficar me preocupando com isso?
Depois, o padrão continuou se repetindo em acidentes de trânsito dos quais escapei por um tris, como motorista.
E como pedestre, numa noite fui atravessar a rua e acordei no Hospital das Clínicas, com a tíbia e o perônio fraturados. Isto fortaleceu a minha convicção de que eu (como todos os viventes) não passo de um joguete do destino, pois, tanto quanto despertei com vida, poderia ter morrido sem nem perceber.
Jamais consegui recordar o momento do atropelamento, o trauma foi tão forte que as minhas lembranças se apagaram e vão só até mais ou menos uma hora antes do acidente.
A última coincidência que me salvou a pele foi em 2019. Já com dificuldades para caminhar, atravessava a rua e um motoqueiro vinha em desabalada corrida, na direção para a qual me encaminhava. Eu recuei e ele também mudou a direção para não me atropelar. Mas não reduziu a velocidade (tinha cérebro de minhoca?).
Então, ficamos durante um lapso de segundo mudando ambos de direção sem eliminar o perigo, até que, nesse vai e volta, acabei tropeçando e caindo. Aí ele teve certeza de minha posição definitiva e pôde passar ao lado. A queda acabou me salvando.
Não me considero um homem particularmente valente, nem covarde. Sou como todos os outros. Mas, o acúmulo de vezes em que escapei da morte me levou a uma certa indiferença. Quando tiver de ser, será.
E é besteira pensar que tais ou quais precauções a evitarão, como naquele conto do Edgar Allan Poe. O criado pede ao patrão que lhe permita ir para outra cidade, pois vira a Morte na feira e ela lhe fizera uma careta ameaçadora. O patrão consente.
Algumas horas depois, ele mesmo cruza com a Morte na feira e lhe pergunta por que assustara o seu criado. Ela lhe responde que sua expressão não fora de ameaça, mas sim de espanto, porque tinha um encontro marcado com o criado no dia seguinte, numa cidade distante. E o patrão percebeu a ironia da situação, pois sabia que era exatamente aquela para a qual o criado fugira...
Ah, ia esquecendo. Não sou nenhum fatalista conformado com o que vier a ocorrer. Em algumas vezes nas quais a tomada de decisão, o sangue frio ou a perícia (principalmente no volante) foram decisivas, escapei por mérito e não apenas por sorte.
Uma dessas armadilhas do destino foi quando, já cinquentão, numa fase financeiramente terrível, estava indo buscar medicamentos grátis para minha mãe num posto do INSS em região inóspita e de repente vi pela frente mendigos descansando e uma matilha de uns 30 cães na calçada.
Andei mais devagar e considerei as possibilidades. Ao lado passavam carros em alta velocidade, não tinha como atravessar aquela avenida. Voltar atrás, demonstrando receio, poderia fazer com que os cães viessem me atacar. A única coisa sensata era seguir adiante e passar no meio deles.
Um ou outro rosnou e eu tive de mobilizar todo o autocontrole que adquiri na vida para resistir ao impulso fatal de sair correndo. Passei por eles e nem olhei para trás. Foi uma situação bizarra, rara e que eu nunca cogitara.
Já desisti de compreender o motivo de tantas situações críticas se acumularem na minha vida. E até para pai de santo perguntei se eu tinha alguma missão a cumprir na vida, daí estar sendo preservado.
Bobagem. Depois de tudo isso, nada impede de um carrinho de pedreiro despencar de um edifício em obras e cair bem na minha cabeça, como aconteceu com o marido de uma antiga vizinha.
E como não vejo maneira de controlar minha morte, também não me preocupo com ela nem me ponho a filosofar sobre o tema, como você. Tento é fazer o possível pelos vivos (humilhados e ofendidos) enquanto continuo por aqui.
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Também estou com a vida!
E também já auxiliei o que pude aos semelhantes.
Mas aprendi uma verdade inconveniente: não se pode ajudar quem quer que seja se a pessoa mesmo não fizer por si.
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Conheço gente que trabalha com os sem-teto.
Tem abrigos, tem assistência médica, odontológica, psiquiátrica.
Existe todo um projeto de amparo social aos despossuídos.
Agora, advinha?
Quando se pede para ir para o abrigo desarmado, tomar um banho e não usar drogas estupefacientes... os caras não querem.
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Então o programa assistencial continua, o que é meritório, mas o público não colabora e nem quer outra vida que não seja a que vivem.
O mesmo com o pessoal que apoia os enganadores de sempre.
Que acredita que dinheiro é riqueza.
Que adora a si mesmo no altar do narcisismo doentio.
E que acham um filme de Bergman chato.
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Se você der ouro em pó dirão "podia ser em barras".
Se der barras de ouro dirão "moedas são mais fáceis de trocar".
Dê moedas e ouvirá "poderiam ser jóias".
O povo gosta mesmo é de reclamar.
Pensando bem, se a morte não existisse precisaria ser inventada.
Abraço.
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Você me entendeu mal. Nunca acreditei em caridade como princípio, é um paliativo que não resolve problemas estruturais.
O que não impede de, coração de manteiga. eu dar esmola a pedintes que percebo estarem mesmo necessitados.
Mas, se me dizem que estão com fome, vou ao bar mais próximo e compro algum sanduíche. É vergonhoso alguém ainda passar fome em nossa época, mas evito dar grana e ela virar tóxicos.
A minha contribuição à humanidade sempre foi e será lutar contra o capitalismo que, enquanto existir, desgraçará os seres humanos. Não vai dar para fazer muita coisa no tempo que me resta (pela média familiar, será de uns 10 anos), mas continuarei plantando minhas sementes e torcendo para que um dia frutifiquem, mesmo que eu não esteja mais aqui.
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