sexta-feira, 3 de novembro de 2023

ALGUNS PRINCÍPIOS PARA UMA CONSTITUIÇÃO EMANCIPACIONISTA

 

As constituições - mesmo as consuetudinárias, que são pouquíssimas - representam a espinha dorsal definidora da forma e conteúdo das relações sociais. É nelas que estão insculpidos os fundamentos que regulam a vida social.  

As constituições burguesas - todas! - mundo afora, sejam de cunho mais ou menos conservadoras nos costumes, ou mais ou menos distributivas das riquezas abstratas, são escravistas nas suas essências, por mais que os juristas e legisladores que as concebam tentem maquilar seu conteúdo intrínseco como se fossem testemunho e modo de fazer da cidadania protetora.  

Não são! 

Destarte, uma constituição emancipatória da humanidade, que para merecer tal título tem que ter como princípio fundamental a coibição milenar da segregação e escravização social, direta e indireta, portanto histórica, de uns sobre outros, que se reproduz constitucionalmente com aperfeiçoamentos humanistas e retrocessos inumanos ao longo dos tempos, e que em todos os casos se consubstanciam na apropriação indébita por uns poucos da riqueza coletivamente produzida, deve conter a explicitação libertária de conteúdo sob princípios e sob as seguintes cláusulas de formas organizacionais e conteúdos intrínsecos:  

-  definição dos princípios constitucionais; 

- definição dos direitos e garantias fundamentais dos indivíduos sociais; 

- modo de organização administrativa de abrangência territorial; 

- o modo de produção social e sua distribuição;  


- a forma de ocupação do solo e dos bens de usos individuais e coletivos; 

- a organização jurídico administrativa do espaço territorial;  

A administração dos serviços de interesse público, quais sejam: 

(i) princípios para a definição local de espaços de lazer;  

(ii) princípios para a definição do modo de transporte urbano e individual e infraestrutura de circulação de pessoas e bens da produção; 

(iii) princípios para consecução dos sistemas energéticos; 

(iv) princípios e infraestrutura do sistema de educação e correspondente orientação doutrinária do currículo educacional a ser seguido; 

(v) princípios para o estímulo às artes e aos desportos;  

(vi) normas para a segurança pública;  

(vii) formas de elaboração legislativa e jurisdicional relativas às reformas constitucionais, e à elaboração dos códigos de direito substantivo e adjetivo e normas para o exercício da magistratura.  

A constituição emancipatória deve vigorar no território abrangido por comunidades que se constituírem sob os princípios e formas definidas que tenham como objetivo o bem comum, o combate à injustiça social, a defesa da vida e do bom convívio social, a liberdade e o crescimento intelectual e material.   

A relação social será realizada por critério de mediação social distributiva da produção social coletiva - sem as tradicionais trocas mediadas por valoração abstrata de compra e venda que será abolida constitucionalmente, dinheiro e mercadorias- e de modo a que todos se sintam simultaneamente partícipes e corresponsáveis da produção e do consumo. 

 Os membros da comunidade deverão usar todos os esforços, potencialidades materiais e saberes de meios tecnológicos para tal produção e de modo a que cada pessoa possa contribuir da forma e tempo que lhe for possível atuar.  

Os meios de produção organizar-se-ão sob estatutos jurídicos de modo a que possa se efetuar os seus gerenciamentos na forma adequada e prevista em lei complementar. 

Nenhum indivíduo social será remunerado, sob qualquer forma, como pagamento individual pelo esforço realizado e contribuição efetivada, mas terá todos os direitos inerentes a todos os demais, que serão simultaneamente protetores de todos, dentro das previsões legais de direito ordinário. 

A constituição deve ter como princípio fundamental a elevação do sentido do ser e o respeito a tal condição, que deve nortear os demais procedimentos.  

Nesse sentido, serão delineadas as liberdades individuais e os seus correspondentes respeitos definidos na constituição e na legislação ordinária substantiva e adjetiva dela decorrente. 

A elaboração constitucional será coletiva, definida objetivamente pela forma idealizada que aqui se estabelece, e de modo que cada comunidade elabore um resumo de sua deliberação que servirá de cotejo para o consenso definitivo da convergência majoritária das proposições para que se exercite o amplo debate e prevaleça a vontade da maioria, verdadeiramente.  

Os critérios de contabilidade da produção, planejamento dessa, observadas as características de cada área e os talentos individuais e distribuição de bens, serão feitos mediante estatísticas de coleta de dados por sistema de computação em cada macrorregião e chancelado pelas comunidades, majoritariamente, após sua divulgação em período previamente estabelecido.   

Os critérios de distribuição obedecerão a princípios de possibilidade, necessidade e urgência estabelecidos por consenso majoritário das comunidades, cujos regulamentos serão definidos por consenso majoritário.    

Os preceitos constitucionais aqui defendidos podem parecer utópicos ou até mesmo ingênuos, a considerarmos as atuais condições de dominações políticas, ideológicas, níveis elevados de inconsciência da grande maioria da sociedade sobre a natureza dos males de que é vítima e mantidos pela lavagem cerebral sublinear midiática, além dos conceitos equivocados adotados nos currículos educacionais que positivam o negativo que provocam o embotamento do pensar, e o domínio opressor exercido pelo capital sobre as pessoas iludidas pelo fetichismo da mercadoria, mesmo na atual fase de depressão econômica. 

Mas as condições objetivas de vida social e ameaças de autodestruição bélica e ecológica, pari passu ao aumento do enraizamento social do crime organizado diante da corrupção policial e impossível contenção estatal deste lamentável fenômeno, além do crescimento da fome e da pobreza mundo afora, que já atinge até mesmo os países que antes se constituíam como ilhas de prosperidades e modelos a serem seguidos, insistem em demonstrar que ingênuo e irracional é continuarmos esperando que dê certo algo que se sabe de antemão que vai dar errado por se constituir como equação matemática irresolúvel: a vida social sob o capital no atual estágio das contradições dos seus próprios fundamentos. 

Há uma diferença entre o que queremos ou devemos querer e a possibilidade de fazermos; mas querer fazer já é caminho para o fazer. Como disse John Lennon certa vez, e corretamente, se você quiser, a guerra acaba amanhã! 

Assim, as proposições que elaboramos, ainda que muitos considerem inexequíveis, insisto em fazê-las, pelo menos como norte referencial a ser alcançado e aperfeiçoado, e que motive o querer, vez que saber aonde ir já é um começo da possibilidade de se trilhar o caminho para se chegar lá. 

As constituições mundo afora têm formas diferenciadas.  

Algumas são sintéticas, e fixam apenas os alicerces sobre os quais as demais leis são legiferadas e dão formas detalhadas dos fundamentos constitucionais.    

Outras são extensivamente detalhistas, como a Constituição da República Federativa do Brasil que tem 250 artigos, longos incisos e parágrafos, além de 95 Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, e que vem sendo permanentemente objeto de Emendas justamente porque deixou de remeter para as vias ordinárias a elaboração de leis que por ela se norteassem e dessem forma minuciosa aos seus princípios normativos.  

Nascida após um período de centralização governamental militar que promulgou a  Constituição de 1967, aprovada pelo Congresso Nacional por exigência da Ditadura, a chamada Constituição Cidadã foi elaborada por um parlamento constituinte eleito para tal fim, que terminou por descer a detalhes desnecessários, fato que implica, como dissemos, na necessidade da multiplicidade das Emendas que  periodicamente são votadas em face da dinâmica social que assim as exige. 

A Constituição burguesa dos Estados Unidos, mesmo ultrapassada pela dinâmica das contradições capitalistas, por exemplo, vige desde 1787, tendo sido ratificada em 1791, complementada pela Carta dos Direitos - Bill of Rights -, perfazendo um período de 235 anos. Tem apenas 07 artigos e 27 Emendas e dá aos Estados Federados autonomia para legislar sobre as questões de natureza regional nos âmbitos civil, penal e administrativo, obedecendo aos princípios constitucionais estabelecidos federalmente.  

A Constituição Emancipatória que ora vislumbramos deve apenas delinear de modo sucinto os princípios básicos de forma social da produção dos bens necessários aos consumo e sua distribuição, bem como da organização social autônoma de base, horizontalizada, sem Estado e governos verticais, remetendo para as vias ordinárias as demais questões que necessitem de detalhamentos minuciosos. 

Por eliminar a forma-valor como modo de relação social, a Constituição Emancipatória implica numa transformação transcendental daquilo que consideramos que milenarmente vem sem do aperfeiçoado como relação social escravista e segregacionista, mesmo que tente atender à evolução dos seres no sentido da civilidade humana, mas sem consegui-lo, por conta das contradições imanentes ao capitalismo. 

Comunicamos aos leitores que estamos envidando esforços no sentido de dar forma jurídico-constitucional aos princípios e conceitos aqui explanados  e para a publicação futura de uma proposição de constituição que mereça o nome de emancipatória. (por Dalton Rosado) 

2 comentários:

SF disse...

***
Quem diria, Dalton, o senhor é contratualista.
Jean Jacques sabia o que dizia quando escreveu O Contrato Social.
Livro que li e que me auxiliou a decidir uma questão importante a respeito do meu ente público.
Afinal, é sempre bom ler um contrato antes de assiná-lo.
Pena que as crianças não tem esse direito e os adultos infantilizados não se dispõe a tal.
*
Em banânia tudo é feito de qualquer jeito e, como não poderia deixar de ser, o nosso contrato social não é sucinto nem objetivo.
Tem que ter espaço para barganha e para o puxadinho normativo.
A nossa tendência legal é que as normas devam ser como papéis na ventania e ter o mesmo comportamento.
*
No atual estágio de evolução moral da humanidade, ter um código é melhor que nada. Hamurabi que o diga.
E ele deve ser sucinto, pois, como dizia Tácito, quanto mais leis mais corrupta é a república. (algo assim)
*
Minha visão, a título de pitaco, é que uma norma constituinte teria que ser necessariamente baseada em valores.
Consuetudinária neste sentido, não de costumes, mas de valores.
Por exemplo, "ser verdadeiro" é um valor que passa necessariamente pela ética individual e não pode ter valor "ser falso" coibido.
O que ampararia o valor seria o compilado das atitudes que deram certo na preservação da paz e da vida.
Mas quem seria o beneficiário deste valor? O individual ou o coletivo?
Veja-se que nem sempre beneficiar o coletivo dá certo.
E, como se vê no capitalismo, beneficiar o individual tampouco.
***
"Ser saudável", outro valor que, devido a própria natureza mortal do vivo, tem limitações intransponíveis.
Mas poder-se-ia, através de I.A., compilar todas as condutas e atitudes que levam a "ser saudável".
As pessoas com simetria de informações e oportunidades decidiriam que atitude ter em relação a este valor "ser saudável".
E a autoridade não teria como coagir e nem impor tais atitudes, mas, agindo de maneira pedagógica, no processo de aprender o que é saúde, levar o doente voluntário a examinar as consequências de suas atitudes doentias com as possibilidade diversas que teve e, se ainda tiver chance, poderá ter para agir em harmonia com o valor "ser saudável".
*
Combater falácias é dever impositivo e norma de conduta para o governante.
O Twiter (atual X) de Elon Musk introduziu a possibilidade dos internautas apresentarem outra versão das informações publicadas.
Até Lula já levou umas invertidas ao afirmar coisas que não seriam verdadeiras.
O mundo novo está sendo construído.
*
O constituinte (e sua moral coercitiva), se quiser ser emancipatório, tem que necessariamente estar aberto a revisão dos valores que apresenta como bons e está pronto a defender tais valores, baseado em dados verdadeiros e tendo como valor fundamental "ser verdadeiro" nas informações que traz.
Renunciando ao poder de impor e coibir qualquer valor.
Confiando que o que é bom e benéfico se impõe por si mesmo, quando existe simetria de informações e oportunidades.
Contemplando, inclusive, o admitir que não sabe quais as consequências de algumas atitudes e não tem como apresentar qualquer norma de valor a respeito delas.
*
"A priori" ou "axiomaticamente" não cabem mais na norma moderna.
*
A verdade não é mais uma narrativa há muito tempo, ela só tem que deixar de ser um privilégio.
***

*

Dalton Rosado disse...

Caro DF,
Quando se confere à comunidade o direito de escolhas diretamente os princípios e normas jurídicas que servirão para comportamento social no que diz respeito à produção de bens e serviços e respectiva distribuição, já se está conferindo autonomia gerencial do seu próprio destino.
A produção social coletiva e sua apropriação igualmente coletiva, definem o caráter da sociedade emancipada (Marx), e a sua estruturação organizacional de base define caráter participativo na elaboracao das normas sociais mais abrangentes suas respectivas correções de rumo.
Isso não é estruturalismo, mas justamente o contrário.
Aguarde para ver.

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