As constituições - mesmo as consuetudinárias, que são pouquíssimas - representam a espinha dorsal definidora da forma e conteúdo das relações sociais. É nelas que estão insculpidos os fundamentos que regulam a vida social.
As constituições burguesas - todas! - mundo afora, sejam de cunho mais ou menos conservadoras nos costumes, ou mais ou menos distributivas das riquezas abstratas, são escravistas nas suas essências, por mais que os juristas e legisladores que as concebam tentem maquilar seu conteúdo intrínseco como se fossem testemunho e modo de fazer da cidadania protetora.
Não são!
Destarte, uma constituição emancipatória da humanidade, que para merecer tal título tem que ter como princípio fundamental a coibição milenar da segregação e escravização social, direta e indireta, portanto histórica, de uns sobre outros, que se reproduz constitucionalmente com aperfeiçoamentos humanistas e retrocessos inumanos ao longo dos tempos, e que em todos os casos se consubstanciam na apropriação indébita por uns poucos da riqueza coletivamente produzida, deve conter a explicitação libertária de conteúdo sob princípios e sob as seguintes cláusulas de formas organizacionais e conteúdos intrínsecos:
- definição dos princípios constitucionais;
- definição dos direitos e garantias fundamentais dos indivíduos sociais;
- modo de organização administrativa de abrangência territorial;
- o modo de produção social e sua distribuição;
- a forma de ocupação do solo e dos bens de usos individuais e coletivos;
- a organização jurídico administrativa do espaço territorial;
A administração dos serviços de interesse público, quais sejam:
(i) princípios para a definição local de espaços de lazer;
(ii) princípios para a definição do modo de transporte urbano e individual e infraestrutura de circulação de pessoas e bens da produção;
(iii) princípios para consecução dos sistemas energéticos;
(iv) princípios e infraestrutura do sistema de educação e correspondente orientação doutrinária do currículo educacional a ser seguido;
(v) princípios para o estímulo às artes e aos desportos;
(vi) normas para a segurança pública;
(vii) formas de elaboração legislativa e jurisdicional relativas às reformas constitucionais, e à elaboração dos códigos de direito substantivo e adjetivo e normas para o exercício da magistratura.
A constituição emancipatória deve vigorar no território abrangido por comunidades que se constituírem sob os princípios e formas definidas que tenham como objetivo o bem comum, o combate à injustiça social, a defesa da vida e do bom convívio social, a liberdade e o crescimento intelectual e material.
A relação social será realizada por critério de mediação social distributiva da produção social coletiva - sem as tradicionais trocas mediadas por valoração abstrata de compra e venda que será abolida constitucionalmente, dinheiro e mercadorias- e de modo a que todos se sintam simultaneamente partícipes e corresponsáveis da produção e do consumo.
Os membros da comunidade deverão usar todos os esforços, potencialidades materiais e saberes de meios tecnológicos para tal produção e de modo a que cada pessoa possa contribuir da forma e tempo que lhe for possível atuar.
Os meios de produção organizar-se-ão sob estatutos jurídicos de modo a que possa se efetuar os seus gerenciamentos na forma adequada e prevista em lei complementar.
Nenhum indivíduo social será remunerado, sob qualquer forma, como pagamento individual pelo esforço realizado e contribuição efetivada, mas terá todos os direitos inerentes a todos os demais, que serão simultaneamente protetores de todos, dentro das previsões legais de direito ordinário.
A constituição deve ter como princípio fundamental a elevação do sentido do ser e o respeito a tal condição, que deve nortear os demais procedimentos.
Nesse sentido, serão delineadas as liberdades individuais e os seus correspondentes respeitos definidos na constituição e na legislação ordinária substantiva e adjetiva dela decorrente.
A elaboração constitucional será coletiva, definida objetivamente pela forma idealizada que aqui se estabelece, e de modo que cada comunidade elabore um resumo de sua deliberação que servirá de cotejo para o consenso definitivo da convergência majoritária das proposições para que se exercite o amplo debate e prevaleça a vontade da maioria, verdadeiramente.
Os critérios de contabilidade da produção, planejamento dessa, observadas as características de cada área e os talentos individuais e distribuição de bens, serão feitos mediante estatísticas de coleta de dados por sistema de computação em cada macrorregião e chancelado pelas comunidades, majoritariamente, após sua divulgação em período previamente estabelecido.
Os critérios de distribuição obedecerão a princípios de possibilidade, necessidade e urgência estabelecidos por consenso majoritário das comunidades, cujos regulamentos serão definidos por consenso majoritário.
Os preceitos constitucionais aqui defendidos podem parecer utópicos ou até mesmo ingênuos, a considerarmos as atuais condições de dominações políticas, ideológicas, níveis elevados de inconsciência da grande maioria da sociedade sobre a natureza dos males de que é vítima e mantidos pela lavagem cerebral sublinear midiática, além dos conceitos equivocados adotados nos currículos educacionais que positivam o negativo que provocam o embotamento do pensar, e o domínio opressor exercido pelo capital sobre as pessoas iludidas pelo fetichismo da mercadoria, mesmo na atual fase de depressão econômica.
Mas as condições objetivas de vida social e ameaças de autodestruição bélica e ecológica, pari passu ao aumento do enraizamento social do crime organizado diante da corrupção policial e impossível contenção estatal deste lamentável fenômeno, além do crescimento da fome e da pobreza mundo afora, que já atinge até mesmo os países que antes se constituíam como ilhas de prosperidades e modelos a serem seguidos, insistem em demonstrar que ingênuo e irracional é continuarmos esperando que dê certo algo que se sabe de antemão que vai dar errado por se constituir como equação matemática irresolúvel: a vida social sob o capital no atual estágio das contradições dos seus próprios fundamentos.
Há uma diferença entre o que queremos ou devemos querer e a possibilidade de fazermos; mas querer fazer já é caminho para o fazer. Como disse John Lennon certa vez, e corretamente, se você quiser, a guerra acaba amanhã!
Assim, as proposições que elaboramos, ainda que muitos considerem inexequíveis, insisto em fazê-las, pelo menos como norte referencial a ser alcançado e aperfeiçoado, e que motive o querer, vez que saber aonde ir já é um começo da possibilidade de se trilhar o caminho para se chegar lá.
As constituições mundo afora têm formas diferenciadas.
Algumas são sintéticas, e fixam apenas os alicerces sobre os quais as demais leis são legiferadas e dão formas detalhadas dos fundamentos constitucionais.
Outras são extensivamente detalhistas, como a Constituição da República Federativa do Brasil que tem 250 artigos, longos incisos e parágrafos, além de 95 Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, e que vem sendo permanentemente objeto de Emendas justamente porque deixou de remeter para as vias ordinárias a elaboração de leis que por ela se norteassem e dessem forma minuciosa aos seus princípios normativos.
Nascida após um período de centralização governamental militar que promulgou a Constituição de 1967, aprovada pelo Congresso Nacional por exigência da Ditadura, a chamada Constituição Cidadã foi elaborada por um parlamento constituinte eleito para tal fim, que terminou por descer a detalhes desnecessários, fato que implica, como dissemos, na necessidade da multiplicidade das Emendas que periodicamente são votadas em face da dinâmica social que assim as exige.A Constituição burguesa dos Estados Unidos, mesmo ultrapassada pela dinâmica das contradições capitalistas, por exemplo, vige desde 1787, tendo sido ratificada em 1791, complementada pela Carta dos Direitos - Bill of Rights -, perfazendo um período de 235 anos. Tem apenas 07 artigos e 27 Emendas e dá aos Estados Federados autonomia para legislar sobre as questões de natureza regional nos âmbitos civil, penal e administrativo, obedecendo aos princípios constitucionais estabelecidos federalmente.
A Constituição Emancipatória que ora vislumbramos deve apenas delinear de modo sucinto os princípios básicos de forma social da produção dos bens necessários aos consumo e sua distribuição, bem como da organização social autônoma de base, horizontalizada, sem Estado e governos verticais, remetendo para as vias ordinárias as demais questões que necessitem de detalhamentos minuciosos.
Por eliminar a forma-valor como modo de relação social, a Constituição Emancipatória implica numa transformação transcendental daquilo que consideramos que milenarmente vem sem do aperfeiçoado como relação social escravista e segregacionista, mesmo que tente atender à evolução dos seres no sentido da civilidade humana, mas sem consegui-lo, por conta das contradições imanentes ao capitalismo.Comunicamos aos leitores que estamos envidando esforços no sentido de dar forma jurídico-constitucional aos princípios e conceitos aqui explanados e para a publicação futura de uma proposição de constituição que mereça o nome de emancipatória. (por Dalton Rosado)
2 comentários:
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Quem diria, Dalton, o senhor é contratualista.
Jean Jacques sabia o que dizia quando escreveu O Contrato Social.
Livro que li e que me auxiliou a decidir uma questão importante a respeito do meu ente público.
Afinal, é sempre bom ler um contrato antes de assiná-lo.
Pena que as crianças não tem esse direito e os adultos infantilizados não se dispõe a tal.
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Em banânia tudo é feito de qualquer jeito e, como não poderia deixar de ser, o nosso contrato social não é sucinto nem objetivo.
Tem que ter espaço para barganha e para o puxadinho normativo.
A nossa tendência legal é que as normas devam ser como papéis na ventania e ter o mesmo comportamento.
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No atual estágio de evolução moral da humanidade, ter um código é melhor que nada. Hamurabi que o diga.
E ele deve ser sucinto, pois, como dizia Tácito, quanto mais leis mais corrupta é a república. (algo assim)
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Minha visão, a título de pitaco, é que uma norma constituinte teria que ser necessariamente baseada em valores.
Consuetudinária neste sentido, não de costumes, mas de valores.
Por exemplo, "ser verdadeiro" é um valor que passa necessariamente pela ética individual e não pode ter valor "ser falso" coibido.
O que ampararia o valor seria o compilado das atitudes que deram certo na preservação da paz e da vida.
Mas quem seria o beneficiário deste valor? O individual ou o coletivo?
Veja-se que nem sempre beneficiar o coletivo dá certo.
E, como se vê no capitalismo, beneficiar o individual tampouco.
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"Ser saudável", outro valor que, devido a própria natureza mortal do vivo, tem limitações intransponíveis.
Mas poder-se-ia, através de I.A., compilar todas as condutas e atitudes que levam a "ser saudável".
As pessoas com simetria de informações e oportunidades decidiriam que atitude ter em relação a este valor "ser saudável".
E a autoridade não teria como coagir e nem impor tais atitudes, mas, agindo de maneira pedagógica, no processo de aprender o que é saúde, levar o doente voluntário a examinar as consequências de suas atitudes doentias com as possibilidade diversas que teve e, se ainda tiver chance, poderá ter para agir em harmonia com o valor "ser saudável".
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Combater falácias é dever impositivo e norma de conduta para o governante.
O Twiter (atual X) de Elon Musk introduziu a possibilidade dos internautas apresentarem outra versão das informações publicadas.
Até Lula já levou umas invertidas ao afirmar coisas que não seriam verdadeiras.
O mundo novo está sendo construído.
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O constituinte (e sua moral coercitiva), se quiser ser emancipatório, tem que necessariamente estar aberto a revisão dos valores que apresenta como bons e está pronto a defender tais valores, baseado em dados verdadeiros e tendo como valor fundamental "ser verdadeiro" nas informações que traz.
Renunciando ao poder de impor e coibir qualquer valor.
Confiando que o que é bom e benéfico se impõe por si mesmo, quando existe simetria de informações e oportunidades.
Contemplando, inclusive, o admitir que não sabe quais as consequências de algumas atitudes e não tem como apresentar qualquer norma de valor a respeito delas.
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"A priori" ou "axiomaticamente" não cabem mais na norma moderna.
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A verdade não é mais uma narrativa há muito tempo, ela só tem que deixar de ser um privilégio.
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Caro DF,
Quando se confere à comunidade o direito de escolhas diretamente os princípios e normas jurídicas que servirão para comportamento social no que diz respeito à produção de bens e serviços e respectiva distribuição, já se está conferindo autonomia gerencial do seu próprio destino.
A produção social coletiva e sua apropriação igualmente coletiva, definem o caráter da sociedade emancipada (Marx), e a sua estruturação organizacional de base define caráter participativo na elaboracao das normas sociais mais abrangentes suas respectivas correções de rumo.
Isso não é estruturalismo, mas justamente o contrário.
Aguarde para ver.
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