O suicídio da influenciadora bolsonarista Karol Eller, muito ativa nas redes sociais, trouxe a público um dos efeitos nefastos do fundamentalismo religioso misturado com a política de extrema direita. Remando contra a maré, Karol levava vida normal de uma homossexual com sua namorada, porém, já em 2016, havia publicado um vídeo no qual explicava ser admiradora do então deputado federal Jair Bolsonaro, mesmo sendo lésbica. Foi o começo de um erro fatal, pois dessa admiração passou à adesão, sem perceber a incompatibilidade existente entre ela e os homofóbicos, e tão pouco a manipulação da qual acabaria sendo alvo.
Para o clã Bolsonaro, evangélicos e o Partido Liberal, essa adesão da homossexual Karol se tornou uma peça importante diante das acusações de homofobia que lhes eram feitas. Por isso, logo houve uma aproximação do presidente com a jovem, já ativa nas redes sociais antes das eleições, em que possuía quase um milhão de seguidores.
Karol, cujos vídeos eram antes dedicados à sua condição de brasileira vivendo nos EUA, logo passou a postar vídeos políticos com Eduardo Bolsonaro e com o deputado Marco Feliciano.
Talvez sem perceber o alto preço que lhe seria cobrado, Karol logo entrou na engrenagem que lhe colocaria em conflito consigo mesma, ao ser integrada na equipe de comunicação do governo Bolsonaro, na Empresa Brasileira de Comunicação - EBC.
Para completar sua imagem de homossexual redimida, Karol anunciou "renunciar à prática homoafetiva por amor a Jesus", no canal de nome bem sugestivo, Cristão Também Pensa... Sua conversão ao evangelismo foi nestes termos: "sem ele eu já estava morta, então minha decisão de morrer para o mundo".
A declaração dessa conversão ocorreu na igreja Assembléia de Deus, de Rio Verde/Goiás, depois de passar por um processo que se poderia chamar de lavagem cerebral usada em ditaduras, num retiro de jovens homossexuais com o nome de Maanaim.
Um pastor, em off, no vídeo em que Karol anuncia sua conversão, usando uma blusa azul celestial com a palavra Deus, impressa verticalmente em grande letras, anuncia: "Karol, depois do seu retiro espiritual, anuncia sua decisão de renunciar aos seus desejos carnais para atender à vontade de Deus".
Apesar de se considerarem cristãos, os evangélicos seguem de perto o Velho Testamento judáico e utilizam nomes e figuras hebraicas. No caso de Manaaim, dois campos, é o nome de uma localidade da época de Jacó, mencionada na Bíblia.
Comentando o trágico suicídio da influenciadora bolsonarista de 36 anos, demonstrativo de uma extrema angústia, depressão e desespero, o ex-apresentador da Jovem Pan, Tiago Pavinatto, disse nas redes sociais que isso foi decorrência "do seu ingresso num processo de reorientação sexual" como os evangélicos denominam a Cura Gay. Bolsonaro dizia que "uma boa surra cura menino gay", os pastores curam os homossexuais com orações, ameaças do fogo do inferno e versículos bíblicos, destruindo a estrutura pessoal de suas vítimas.
Karol não estava doente e nem era uma pecadora, simplesmente seu corpo não era atraído, não sentia desejo sexual por homens, mas por mulheres. Um absurdo, uma torpeza, o pastor deputado Magno Malta dizer que Deus preparava um "varão para Karol"!
Pobre Karol que, provavelmente, percebeu, um mês apenas depois de anunciar sua conversão, não poder controlar sua natureza de mulher lésbica, mas comprometida com a farsa da cura, num covil dominado por homofóbicos e misóginos, dignos da Idade Média, não viu outra saída senão a morte.
Para o PL, esse suicídio é uma dura perda, pois foi o próprio Jair Bolsonaro quem filiou Karol ao seu partido, numa solenidade na Assembléia Legislativa de São Paulo. O objetivo era o de utilizar a popularidade de Karol, a homossexual convertida, como candidata à vereança pela cidade de São Paulo, para reforçar a campanha dos bolsonaristas contra Guilherme Boulos. Karol desfrutava de toda confiança do clã Bolsonaro e seus seguidores, pois esteve na manifestação golpista do 8 de janeiro em Brasília e, por isso, perdeu seu emprego na EBC. Mas logo se tornou assessora especial do deputado estadual paulista do PL, Paulo Mansur.
A morte de Karol foi lamentada pelo ex-presidente, pelos deputados federais Nikolas Ferreira e por Magno Malta, também pastor, que poderia ser interpretada como uma mea culpa, lágrimas de crocodilo sem reconhecimento do erro e do crime que cometem contra os homossexuais.
Leonardo Sakamoto, do Uol, pronunciou um comentário sobre o mecanismo no qual se envolveu Karol. As redes sociais de esquerda foram ativas na denúncia do processo de Cura Gay, ao qual foi submetido Karol, como o Portal do José e o do Clayson. Marcante foi a declaração ao vivo de Andréa Gonçalves, no seu Canal Youtube, dizendo-se também lésbica, ter uma companheira e denunciando a homofobia evangélico-bolsonarista. Karol Eller acabou sendo uma vítima da ideologia homofóbica de seus amigos, para os quais o homossexualismo é uma doença ou um pecado curável.
Na falta de um projeto social para os brasileiros, a bancada evangélica homofóbica agita e mobiliza seus seguidores bolsonaristas com manifestações contra o aborto e em favor do projeto de lei proibindo o casamento entre homossexuais, o que constituiria um retrocesso na legislação brasileira! (por Rui Martins)
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