terça-feira, 23 de maio de 2023

NA ERA DOS OLIGOPÓLIOS, O EMPREENDEDORISMO É A IDEOLOGIA DECADENTE DE UM MUNDO DECADENTE

 

O capitalismo do século XXI é marcado pela falta de oportunidades e pela oligopolização da economia, com o predomínio de pouquíssimas empresas e a concentração da riqueza global nas mãos de um punhado de bilionários. Para a maioria esmagadora da humanidade resta apenas a precariedade e a ausência de futuro. Não é acidental, portanto, que a ideologia do empreendedorismo tenha surgido neste período enquanto contraface perversa de um mundo perverso. 

O empreendedorismo prega o potencial de cada indivíduo em ser patrão de si mesmo. Assim, já traz em seu seio a ideia da dominação e da naturalização da classe capitalista, pois mesmo o sujeito possuindo  autonomia, ele ainda estaria em uma dinâmica de exploração, no caso explorando a si mesmo e, de fato, tal ideia de auto exploração é perfeitamente cabível quando se sabe, a partir de pesquisas, que a maioria dos chamados empreendedores possui altíssimas jornadas de trabalho, praticamente nunca tirando férias, e sacrificam o próprio bem estar em nome de débeis lucros. 

No entanto, quando se desce ao detalhe das relações econômicas dos tais empreendedores, é visível a mentira da suposta autonomia destes indivíduos. Em sua maioria esmagadora são trabalhadores precarizados ou pequeno empresários subordinados a empresas maiores, as chamadas franquias. A propaganda vende a ideia de que estariam em pé de igualdade com os grandes capitalistas do globo, fazendo livremente seus próprios horários e não tendo de prestar contas a ninguém. Na realidade, se subordinam a relações econômicas draconianas, sendo obrigados a repassar grande parte de seus ganhos às corporações na forma de royalties, aluguéis e taxas, nada mais distante do ideal do burguês senhor de si mesmo. 

E isso está bem acomodado às relações oligopólicas do capitalismo contemporâneo, com terceirizações infinitas e subcontratações que ramificam toda a cadeia produtiva e de circulação das mercadorias em uma complexa estrutura centralizada em um núcleo duro de pouquíssimas mega corporações. Nesse cenário, a ideologia do empreendedorismo acaba servindo como justificativa bem elaborada para a super exploração na base da pirâmide social, dando ao indivíduo a ilusão de que ele é livre, não está sujeito a nenhum controle ou coação porque não possuí relação tradicional de subordinação econômica.

 Ou seja, o fato de ele não ser um assalariado comum, não respondendo a um patrão convencional, cria em sua consciência a falsa concepção de autonomia, de estar em pé de igualdade com os grandes capitalistas, quando, concretamente, está de todo subordinado aos ditames das mega corporações, trabalhando para elas e por elas.  

Muito pior é a situação de quem sequer consegue se encaixar dentro da lógica de subordinação às corporações e parte para atividades antes designadas como bico, mas hoje chamadas orwelianamente de empreendedorismo. Essas pessoas ficam completamente à margem do processo econômico regular e mal conseguem o suficiente para a sobrevivência. No caso, a ideologia do empreendedorismo as leva a acreditar que sua batalha diária pela sobrevivência as transforma em capitalistas, também patrões de si mesmas, quando apenas estão dentro de uma massa de indivíduos inabsorvíveis pelo capitalismo. 

Inclusive, esse grupo em específico é cada vez mais numeroso devido às mudanças tecnológicas do sistema produtivo e de circulação, com o fechamento de postos de trabalho mesmo no setor de serviços. Em um país economicamente débil igual o Brasil, com sua base produtiva limitada ao neoextrativismo, tais fatores disruptivos tendem a agravar o quadro, criando milhões e milhões de indivíduos sem qualquer função econômica, elemento certo para a desestabilização política e possíveis explosões sociais. A ideologia empreendedorista serve como uma tentativa de anteparo a isso. 

Ideia decadente de uma sociedade decadente, simples escarro da antiga concepção do self made man - que tinha lá sua verdade na época clássica do capitalismo liberal do século XIX -, o empreendedorismo é mais uma forma de justificar a exploração humana e a barbárie do capitalismo em sua fase agônica. (por David Emanuel Coelho) 



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