Li atento e lamento informar a estes diletos amigos ter sido apenas mais do mesmo do que conheço do Lula, mesmo considerando que teria sido importante o convite dos países ricos para um representante de um país explorado, pobre em riqueza abstrata, mas rico em riqueza material e de dimensão continental, poder se sentar à mesa dos exploradores, caso tal oportunidade fosse corretamente utilizada.
Lula é um representante da socialdemocracia politicista tradicional e que não apenas por sua origem de sindicalista e operário mutilado em serviço, mas por usar as insígnias simbólicas da esquerda, situa-se mais à esquerda dos que ali são seus parceiros predominantes no campo político democrático burguês.
Evoca a singularidade de operário com ascensão ao poder burguês do Estado pelo voto, e isso agrada aos postulados da democracia burguesa no seu desiderato de querer passar a ideia de que o voto e a alternância burguesa no poder político é factível às classes menos favorecidas.
Entretanto, é preciso esclarecer que o poder político burguês, mesmo nas mãos de um operário sindicalista fundador e presidente de um partido trabalhista na socialdemocracia, é essencialmente um poder burguês defendido pelos que detêm a hegemonia econômica de cúpula mundial assentados naquela cimeira e que ora se encontram perplexos diante da inviabilidade da forma e conteúdo essencial do modo de relação social que defendem e praticam.
Eles adoram a simbologia de um governante originário das classes sociais inferiores à serviço.
Lula começa dizendo que desde a última sua participação - sendo esta sua sétima- no encontro do G7, como convidado, o mundo vivia uma "crise financeira global de proporções catastróficas". Confesso que gostei que tenha reconhecido a dimensão catastrófica da crise do sub-prime de 2008/2009, à época considerada por ele equivocadamente como marolinha.
Entretanto, continua seu discurso dizendo que o "ímpeto informador daquele momento foi insuficiente para corrigir os excessos da desregulação dos mercados e do estado mínimo". Lula defende um Estado forte como contraponto ao neoliberalismo desde que os patrões privados e o patrão estado continuem existindo.
A socialdemocracia burguesa estatizante se contrapõe ao neoliberalismo apenas no campo das formas políticas de gerenciamento estatal em favor do capital, e isso não pode se constituir como uma dicotomia séria, de conteúdo essencial, porque não ataca as causas de debacle mundial ora existente e que desde sempre segregou as populações exploradas pela extração de mais-valia junto ao operariado que Lula quer representar.
Continua o seu discurso afirmando que "a arquitetura financeira global mudou pouco e as bases de uma nova governança econômica não foram lançadas".
Aqui Lula reclama e demonstra claramente que acredita no poder político estatal burguês de estabelecer uma nova governança econômica, desconhecendo - por ignorância ou oportunismo político? - a natureza da lógica funcional do capital que está falindo por conta de suas próprias contradições internas, e não porque esteja necessitando de correção de rumos político-administrativas.
Lula deseja que os seus pares do G7 façam uma correção de rumos do tipo vão-se os anéis para que os dedos sejam conservados. Quer que os ricos sejam conscientes na sua exploração econômico-financeira e sejam racionais na predação ecológica que praticam mudando de comportamento. Algo assim como querer que o capeta se converta ao cristianismo.
Continua a sua pregação afirmando que "por conta da falta de regulamentação correta e estímulos houve um enfraquecimento do sistema multilateral de comércio. O protecionismo dos países ricos ganhou força e a Organização Mundial de Comércio permanece paralisada. Ninguém se recorda da Rodada do Desenvolvimento".
Lula sempre volta ao desejo de retomada do desenvolvimento econômico como todos os capitalistas pretendem, mais parecendo um sindicalista a querer ensinar aos patrões como devem administrar os seus lucros, e de modo a que a boa administração venha a beneficiar a todos, patrões e trabalhadores por ele explorados pela via da partilha conscienciosa do butim capitalista como se isto fosse possível.
Continua dizendo que “a crise se deve a questões circunstanciais sobrepostas como a covid19; mudança de clima; tensões políticas decorrentes de uma guerra no coração da Europa; pressões sobre a segurança alimentar e energética; e ameaça à democracia”.
Aqui ele inverte a análise sobre causa e feito. A crise mundial do capitalismo não decorre destes fatores, mas são estes fenômenos que ele admite existir, e existem, que são a consequência decorrente de uma forma de relação social que atingiu o seu limite existencial e ameaça a vida que ele diz defender.
Tais fenômenos não são causa, mas efeitos decorrentes de uma causa original que precisa ser superada: o modo de produção de mercadorias e tudo que a ele se incorpora. Maior produção de mercadorias como quer Lula, agora já impossíveis de serem plenamente alavancadas graças às contradições dos fundamentos capitalistas que provocam o emperramento da lógica funcional da máquina capitalista, somente prolongaria a vida do que sempre foi ruim e que ora se tornou insuportável.
Após conclui que “o sistema financeiro global tem que estar a serviço da produção, do trabalho e do emprego. Só teremos um crescimento sustentável de verdade direcionando esforços e recursos em prol da economia real”.
Primeiro ele quer que a agiotagem internacional que penaliza o Brasil e os países pobres com juros escorchantes, e que já está prenunciando sua falência completa como se pode observar de algumas fissuras graves no dique de contenção incapaz de suportar a pressão da inadimplência da dívida pública e privada impagáveis - aí incluindo-se até os juros -, renuncie a tais juros a serem pagos aos rentistas mundo afora.
Em seguida ele quer o dinheiro, que ora está desempregado por conta da incapacidade de expansão do capital, seja investido sem lucros e sem retorno confiável para a retomada do crescimento da economia real. Precisa que se informe a Lula que banqueiro só empresta a quem não precisa e nunca a quem não pode pagar, e que a agiotagem somente sobrevive se houver retorno aumentado do capital investido - critério da famigerada viabilidade econômica.
Reclama que “o endividamento externo que vitimou o Brasil no passado (????), e hoje assola a Argentina, é a causa da desigualdade gritante e crescente, e requer do Fundo Monetário Internacional um tratamento que considere as consequências sociais das políticas de ajuste”.
Devemos dizer incialmente que a dívida do Brasil em relação ao seu PIB é relativamente bem menor do que a dos países que estão sentados à mesa com Lula no G7, mas nós continuamos pagando juros de mais de 10% ao ano, enquanto aqueles têm até juros negativos.
Ao invés de querer que o FMI seja condescendente, e pretender que o Banco do Brics seja parcimonioso na cobrança de juros, é necessário dizer que o Brasil não pode continuar a pagar juros que correspondem a quatro vezes o déficit da previdência social brasileira, cujos direitos previdenciários foram agora reduzidos, como queria Lula em 2003.
Seria preciso dizer um NÃO! contundente ao pagamento de juros ao sistema bancário sediado nos países do G7, mas se quisesse e tivesse peito para dizer isto ele jamais seria convidado à mesa deste grupo.
Considera que é possível a boa convivência do capital com a sustentabilidade ecológica quando diz “a falsa dicotomia entre crescimento e proteção ao meio ambiente está superada. O combate à fome, à pobreza e à desigualdade deve voltar ao centro da agenda internacional, assegurando o financiamento adequado e transferência de tecnologia.”
Como algum Presidente da República pode dizer que a dicotomia entre crescimento econômico e proteção ao meio ambiente está superada?!
Esquece-se ele que os Estados Unidos e a China, presentes ao G7, são as maiores economias do mundo e que são também os maiores emissores de CO² na atmosfera, causa cientificamente comprovada do atual aquecimento global que causa fome e destruição?!
Francamente, esse discurso para agradar os ricos representa a definição explícita da conciliação política com o que há de pior na humanidade, e que precisa ser enfrentado com a verdade, mesmo considerando as conveniências de sobrevivência política neste mundo marcado pela hipocrisia governamental.
Para terminar, Lula quer ampliar a participação do Brasil no que chama de concerto multipolar de nações, chamando para uma reforma no Conselho de Segurança da ONU, pretendendo a inclusão do Brasil neste organismo internacional.
Não precisamos de concerto internacional, mas de conserto (com s mesmo) transnacional, que possa abolir as fronteiras;
- não precisamos de juros baixos, mas da superação do próprio dinheiro e dos bancos;
- não precisamente de investimentos econômicos para a sustentação racional da Amazonia, mas de abolição do forma valor e do dinheiro como causa dos males e da exploração mundo afora e da predação ecológica;
- não precisamos do desenvolvimento econômico mundial, mas de uma relação social na qual a produção coletiva esteja voltada para a satisfação das necessidades humanas;
- não precisamos de uma ordem jurídica burguesa e eleitoral, mas de uma estrutura jurídica de base na qual a ordem social não seja delegada, mas exercida pelos interessados diretamente, e que o direito represente o ideia de realização do ideal de justiça;
- não precisamos de pretendentes a estadistas, mas da abolição do próprio Estado.
Basta de hipocrisia de salão! (por Dalton Rosado)
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