Vimos, nos últimos anos, grande parte da América do Sul sendo governada pela esquerda. Houve mudanças históricas, como as vitórias de uma nova esquerda, mais moderna, de Gabriel Boric no Chile e do ex-guerrilheiro Gustavo Petro na Colômbia. Ainda mais surpreendente foi a vitória de Pedro Castillo, um professor e sindicalista, no Peru. Com a volta de Luiz Inácio Lula da Silva, que derrotou a extrema direita de Jair Bolsonaro no Brasil, sobraram apenas Uruguai, Paraguai e Equador governados pela direita – três países pequenos, aliás, enquanto os grandes elegeram governos de esquerda.
No entanto, o exemplo recente do Chile mostrou como um país pode mudar rapidamente de rumo político. Depois de manifestações maciças em 2019 pedindo reformas sociais e de vitórias da esquerda nas urnas em 2020 e 2021, o pêndulo agora foi para a direita, com a derrota acachapante de uma nova Constituição, em plebiscito realizado em setembro de 2022, e a vitória, no último fim de semana, da ultradireita liderada por José Antonio Kast na eleição para uma Constituinte.
As exigências de mudanças sociais que dominaram as manifestações de 2019 e que levaram à vitória de Boric nas urnas deram espaço para temas mais tradicionais: economia e segurança. Por muito tempo visto como um dos países mais seguros da América do Sul, o Chile vive um aumento da violência. Além disso, a alta da imigração gera cada vez mais críticas. Ainda temos uma situação inusitada de crise econômica justamente num país que vinha mostrando um robusto crescimento nas últimas décadas. Mas temos que lembrar que o Chile tradicionalmente é um país conservador e que, portanto, a volta da direita não seria uma grande surpresa.
O tema do aumento de violência também tem sido importante nas companhas eleitorais no Paraguai. No pequeno país ultraconservador, há um temor em relação à grande influência que o PCC, o poderoso cartel brasileiro, tem principalmente no leste. A maioria dos paraguaios tem pavor da esquerda e, assim, a direita se manteve no poder. O Partido Colorado governa desde 1947, com uma única exceção: de 2008, quando o bispo Fernando Lugo venceu as eleições, até 2013, quando os colorados voltaram ao poder. A vitória do conservador Santiago Peña nas mais recentes eleições paraguaias não foi, portanto, uma surpresa.
Também não surpreenderia uma derrota clara da esquerda nas eleições presidenciais de outubro deste ano na Argentina, onde o peronismo está na corda bamba depois de um agravo da situação econômica nos últimos anos e, ainda mais, nas últimas semanas. Há, ainda por cima, uma crise de segurança pública, com o aumento do poder das gangues de drogas que dominam cada vez mais regiões do país.
No Peru, por sua vez, o governo do esquerdista Pedro Castillo mostrou incompetência política e grande apetite pela corrupção, fazendo com que o país se somasse a outros péssimos exemplos de governos de esquerda na região.
Os desastres econômicos e também no quesito liberdade democrática em países como Venezuela, Cuba e Nicarágua não só geram ondas de migrantes, mas, também, pavor nos países vizinhos.
Assim, não será uma grande surpresa se o pêndulo agora se mover para a direita, gerando uma onda conservadora no sul da América do Sul. (por Thomas Milzn no Deutsche Welle)
COMENTÁRIO DO EDITOR Apesar da posição conservadora e liberal de Thomas Milzn, a análise dele vai ao encontro no essencial do que vem sendo analisado neste blog a respeito da ascensão da extrema direita no rastro do fracasso da esquerda. O último a fracassar, de forma retumbante, foi Boric, que nada tem de moderno, mas é apenas um perdido socialdemocrata que teve a proeza de levar ao fiasco o gigantesco movimento popular iniciado no Chile em 2019. Já alertávamos em 2022, após a derrota da proposta de nova carta constitucional, da necessidade do presidente chileno passar a se comportar enquanto um líder de um movimento revolucionário, e não um simples e passivo líder republicano. Agora, a Argentina parece também estar se encaminhando rumo ao retorno da direita, após a sua derrota em 2019. Lula também acabará tendo o mesmo destino, com possível retorno do bolsonarismo ao poder, com ou sem o ex-presidente fujão. Por trás de todo esse pêndulo não está nenhuma natureza conservadora dos países ou medo de regimes autoritários - uma ilusão liberal - mas a crise capitalista que se acelera e derrete a popularidade dos presidentes, sejam de direita ou esquerda. Enquanto não restabelecermos o horizonte radical da revolução, viveremos assim, ziguezagueando entre direita e esquerda, mas sem sair do lugar. (por David Emanuel Coelho)
Um comentário:
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O que se percebe em ambos os discursos é uma polarização anacrônica.
Temos que estar além da disputas ideológicas se quisermos progredir no esforço civilizatório.
Há que lembrar o elevado grau de automatização da produção e dos serviços o que impõe aos políticos revisão de seus posicionamentos e estratégias.
Algo como para de brigar pelo botim e começar a servir a comunidade.
Em uma sociedade com elevado grau de justiça social e tecnologia avançada, é possível que a polarização esquerda-direita perca força, uma vez que a ênfase seria colocada na solução de problemas e na satisfação das necessidades humanas, em vez de em questões ideológicas.
No entanto, é importante lembrar que a polarização esquerda-direita não se baseia apenas em questões ideológicas, mas também em questões econômicas, sociais e culturais, que podem não desaparecer completamente em uma sociedade mais justa e tecnologicamente avançada.
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Poderiam haver diferenças de opinião em relação ao papel do Estado na economia, aos direitos individuais e coletivos, à diversidade cultural, entre outros assuntos.
De qualquer forma, o importante seria garantir que as decisões políticas sejam baseadas em evidências e no interesse coletivo, em vez de em interesses particulares ou ideologias extremas.
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É fácil, mas o EGO deixa?
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