segunda-feira, 1 de maio de 2023

CELEBRAR O DIA DO TRABALHADOR É CELEBRAR A SERVIDÃO CAPITALISTA

 


N
osso comportamento muda de acordo com a nossa compreensão sobre o significado dos conceitos estabelecidos ao longo da nossa vida, felizmente. É a capacidade de pensar e corrigir rumos o que nos faz avançar na busca pelo crescimento intelectual humano. 

Cogito, ergo sum!, disse o filósofo e matemático René Descartes, cuja tradução literal mais correta seria Penso, logo sou! 

Sim, é a partir do pensar que se manifesta a nossa melhor racionalidade  e não pela repetição irrefletida de conceitos equivocados que se afirmaram antes de nós e sobre os quais repetimos tal como papagaios sem saber o seu significado exato. 

Há conceitos que se estabeleceram entre nós como imutáveis verdades virtuosas e que ao longo do tempo foram positivados de modo a conservar equívocos que somente a dialética histórica do movimento pode desconstruir e denunciar as suas falácias essenciais.  

Viva o dia de trabalho! Viva o trabalhador!  

Como marxista tradicional que fui, repeti, por anos, tal frase acima a cada primeiro de maio como um mantra revolucionário capaz de nos redimir do inferno capitalista que sempre questionei.  

Mesmo sabendo que Karl Marx preconizara a superação do trabalho abstrato produtor de valor, fonte da acumulação capitalista, num futuro no qual teríamos uma sociedade sem classes sociais, a sociedade comunista, não atinava para o fato de que incensar o trabalhador e o trabalho, ambas categorias capitalistas assim consideradas pelo próprio Marx, constituía uma contadictio in adjecto [contradição entre partes de um argumento].

Jamais percebi que a foice e o martelo, símbolos revolucionários bolcheviques do trabalho no campo e na cidade, podiam representar, simultaneamente, a base sobre a qual se ergue a lógica capitalista.  

O incenso ao trabalho e ao trabalhador derivou do fato de o Marx da juventude, período no qual crescia a aglutinação urbana de trabalhadores no processo de industrialização capitalista, considerava a união desses mesmos trabalhadores em um partido político revolucionário – o partido comunista – elemento para uma revolução que derrubasse a ordem político-jurídica do capitalismo e sua lógica de produção.  

O Marx da maturidade fez uma correção de rumos que corresponde a uma autocrítica implícita.  

Retomou na maturidade o que havia estudado em 1844, quando contava apenas 26 anos - quando escreveu em cadernos a obra Manuscritos Econômico-filosóficos, de 1844, somente publicada em 1927 em russo, e em 1932 em alemão - e aprofundou a crítica da economia política nos Grundrisse, no qual estudou  e anotou observações e conclusões surpreendentes, na qual previu que com o desenvolvimento tecnológico aplicado à produção de mercadorias - esta última categoria fortemente criticada logo no primeiro capítulo de O Capital - faria voar pelos ares toda a lógica funcional capitalista, como ora ocorre. 

Segundo Marx, o conjunto das contradições das categorias capitalistas impulsiona a guerra de mercado na qual se digladiam os capitalistas e as próprias no confronto épico das mercadorias, cada uma pretendendo autofagicamente atingir a hegemonia dela mesma. Deste modo, ele contradisse seus próprios conceitos de juventude, o que jamais foi observado pelos politicistas marxistas tradicionais - Lenin sendo um deles, e Stalin um tosco e insensível ditador.  

Os marxistas tradicionais, antimarxistas na essência, de tanto incensarem o trabalho abstrato produtor de valor e escravizador dos que dele participam, deram no que deram, com os desastres do século XX!!! 

Marx teria se revirado no túmulo se pudesse ver o que os marxistas tradicionais não se aperceberam da correção de rumos que ele mesmo fizera, tanto que em certo momento afirmou: eu não sou marxista!    Ainda ontem vi e ouvi pela televisão, interrompendo um bom jogo de futebol ao qual eu assistia, um discurso de exaltação ao dia do trabalho e do trabalhador feito pelo presidente Lula em cadeia nacional com custos pagos pelo erário, cuja fonte de receita são os impostos cobrados aos trabalhadores, que além de sofrerem com a extração de mais valia, ainda pagam pela exploração fiscal estatal de que são vítimas.  

Que Lula exalte o trabalhado abstrato produtor de valor e escravizador do qual tira o seu sustento, seja como sindicalista, seja como presidente de um partido de trabalhadores, ou seja como político que exerce o mais alto cargo da estrutura opressora estatal, é explicável, ainda que a partir de uma reflexão mais profunda não seja elogiável.   

Lula não quer superar o trabalho abstrato produtor de valor que explora quem o produz, mas apenas defendê-los como bandeira autosustentável de sua própria posição e da visão de mundo de tudo o que defende, principalmente da retomada do desenvolvimento econômico - mais capitalismo - como social-democrata adepto da equivocada ideia de ser possível uma vida harmoniosa entre o capital espoliador e o trabalho abstrato escravizador, ambos complementares entre si, e que ora atinge o seu ponto de saturação inviabilizando a vida social e ecológica.  

O dia do trabalho abstrato escravizador e do trabalhador escravizado deveria ser tratado com a solenidade e o lamento do sofrimento a que todos os trabalhadores historicamente são escravizados, seja diretamente, como no feudalismo e antes dele, ou indiretamente, como no capitalismo, e não como festa apoteótica de vitória e sorteio de brindes - não seriam esmolas?- , por se tratar de um processo de segregação e exploração que deve ser superado.  

A festa da emancipação humana ainda tem data a ser marcada! (por Dalton Rosado) 

5 comentários:

Anônimo disse...

Oxfam Brasil: Salários de trabalhadores cai 6,9%, enquanto acionistas têm aumento de 23,8%
https://www.ihu.unisinos.br/628272-oxfam-brasil-salarios-de-trabalhadores-cai-6-9-enquanto-acionistas-tem-aumento-de-23-8

SF disse...

***
Grande Dalton.

A intermediação social pelo dinheiro é um dos pilares fundamentais do sistema econômico moderno. Ela permite que as pessoas troquem bens e serviços de forma eficiente e sem a necessidade de uma troca direta, ou seja, sem que cada parte tenha que possuir exatamente aquilo que a outra precisa. Isso torna possível a especialização produtiva, a produção em larga escala e a criação de sistemas de preços que refletem a escassez relativa dos bens e serviços.

No entanto você argumenta que o dinheiro é uma escravidão indireta.

Contudo, a abolição da intermediação social pelo dinheiro não seria uma solução viável para os problemas associados ao sistema econômico moderno. Embora haja desvantagens em ter um sistema monetário, os benefícios em termos de eficiência, especialização produtiva e preços relativos superam essas desvantagens. Em vez disso, o que é necessário é um sistema monetário que seja justo, transparente e regulado de forma adequada, para minimizar os efeitos negativos e promover o bem-estar social e econômico de toda a sociedade.
Ou seja, criptos!

***
Surpreende-me que, aceitando a ditadura do proletariado contida no manifesto comunista (que não funcionou, pois é só mais uma ditadura), você não consiga fazer uma reflexão profunda a respeito de uma evolução mais serena e responsável, que seria a implantação de um sistema monetário justo antes da criação de uma sociedade sem mercadoria.

*

Bancos colapsam, o big crash começou.

*

Anônimo disse...

https://www.ihu.unisinos.br/628334-direita-e-esquerda-de-bobbio-lutar-pela-igualdade-continua-a-verdadeira-diferenca-artigo-de-marco-revelli

https://www.ihu.unisinos.br/628304-tambem-nos-gregos-e-italianos-emigravamos-o-egoismo-e-a-mae-de-todos-os-fascismos

David Emanuel disse...

SF, Dalton envia a seguinte resposta ao seu comentário: (primeira parte)
Caro SF,
Faz-se necessário que eu esclareça a minha visão sobre as questões que você coloca como ilação aos meus escritos, e o faço para que tanto você como os demais leitores tenham clareza do que proponho, mesmo sem querer ser o dono da verdade e estar sempre aberto às críticas e a fazer autocrítica, quando necessário.
Assim vamos aos esclarecimentos, objetivamente e pontualmente:
01.. A humanidade trilhou o caminho do escravismo direto e, posteriormente, do escravismo indireto, quando abandonou o sistema de partilha comunitária, e estabeleceu o sistema de trocas entre produtores de mercadorias que se apropriavam do que produziam.
É o sistema de trocas, traduzido inicialmente como escambo, e que hoje é chamado de sistema de compra e venda de mercadorias, aquilo que criou a ideia de valor mensurado nas trocas pelo critério do tempo de produção de cada mercadoria.
Cada objeto, agora transformado em mercadoria, com valor de uso e de troca no mercado, passou a ter duas personalidades, a primeira concreta, o valor de uso, e a segunda, abstrata, o valor de troca, mensurado pelo tempo de esforço físico (denominado depois como trabalho, do latim tripalium, instrumento de tortura de escravos) para produção de cada objeto.
Os produtores privados, não mais coletivos, passaram a se apropriar da produção de mercadorias e trocá-las usando a escravização dos produtores para acumular valor e poder.
Então, a troca de mercadorias, não é um ganho da humanidade, mas o vírus que inoculado nas mentes ambiciosas e embriagadas pelo fetichismo da mercadoria de quem as produz para obter e acumular valor de modo socialmente segregacionista (valor representado pelo dinheiro, que num primeiro momento era representado por uma mercadoria eleita pelo mercado como equivalente geral).
Destarte, é a intermediação pelo dinheiro e o sistema de produção de mercadorias destinadas ao mercado (o sistema monetário usurário desenvolvido veio depois) aquilo que venho condenando em todos os meus artigos, e que espero que agora tenha sido compreendido de modo mais claro.
O dinheiro não é um ganho da humanidade, mas um sistema facilitador da acumulação da riqueza abstrata privada ou estatal de modo segregacionista, mas que está chegando a um impasse histórico, graças às suas contradições intrínsecas insuperáveis.
02.. O sistema econômico moderno está falido e precisa ser superado, e não aperfeiçoado, justamente porque ele roda sobre uma base falsa, a produção tecnológica, robotizada de mercadorias que eliminou o trabalho abstrato produtor de valor e está matando a galinha dos ovos de ouro, o capital.
Não pode haver sistema monetário justo, e as criptos, que você demonstra admirar, representam apenas a abstração da abstração, ou seja, representam uma cesta de moedas que já não têm nenhuma relação com o valor que pretendem representar. São a síntese da falsidade de coisas falsas. Vão dar com os burros n’água num futuro histórico, que é diferente do tempo de nossas vidas;

David Emanuel disse...

(segunda parte da resposta do Dalton)
03.. Nunca aceitei a ditadura do proletariado como você afirma, e este é o objeto central das minhas críticas aos que se diziam anticapitalistas, ou seja, um estado proletário no sentido de ser formado por trabalhadores que recebem a mercadoria dinheiro via salário de empresas estatais ou do próprio estado e produzem mercadorias com valor de uso e de troca, num processo que corresponde a uma forma de relação social mediada pelo valor, portanto, capitalista, e que só poderia terminar como terminou: abrindo-se para a economia de mercado como fez a Rússia e a China.
A crítica por Marx nas suas análises de crítica da economia política da maturidade corresponde a uma autocrítica que condenou o capitalismo de Estado. Os marxistas adeptos da ditadura de proletariado, ou estavam enganados e fizeram a leitura errada de Marx, ou eram oportunistas que usaram o capitalismo de estado para melhor subjugar e trair o ideal revolucionário de emancipação dos povos;
04.. O Manifesto Comunista de 1848, de Marx e Engels, escrito quando Marx tinha apenas 30 anos, é um panfleto político próprio às turbulências francesas da época e não corresponde à evolução do pensamento que foi por ele mesmo corrigido nos Grundrisse e no O Capital, completado por Engels em volumes de publicação póstuma.
Eu jamais considerei o Manifesto Comunista como um texto com conteúdo consentâneo com a crítica da valor que faço tendo como base o próprio Marx e muitos outros estados complementares.
Espero ter colocado corretamente o meu pensamento e ser agora melhor compreendido por você e por eventuais outros leitores que não me tenham compreendido. Qualquer comentarista pode discordar dos meus escritos, mas não pode e não deve nunca alterar os seus conteúdos. Discordar da essência conceitual é diferente de alterar o seu conteúdo.
Obrigado por ter tido a gentileza de explanar a sua leitura do meu pensamento, que embora equivocada, deu-me a oportunidade de fazer uma conceituação correta do dito cujo e certamente contribuir para o seu próprio aclaramento e entendimento.
Abração, Dalton Rosado.

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