Didi, Garrincha e Pelé
Dando seu baile de bola
Quando eles pegam no couro
Nosso escrete de ouro
Mostra o que é nossa escola
Quando a partida esquentar
E Vavá de calcanhar
Entregar a pelota a Mané
É Mané Garrincha, Didi,
Didi diz 'é por aqui'
Aí vem o gol do Pelé"
(B. Marques/D. Bezerra)
O Brasil era o favorito do Mundial 1962, no Chile, com seu grupo de jogadores que pouco havia mudado desde 1958, quando deslumbrou o Planeta Bola. A principal alteração estava no banco, com o discreto Aymoré Moreira substituindo o adoentado Vicente Feola.
Mas, a contusão de Pelé, logo na segunda partida, foi um balde de água fria no nosso ânimo.
Antes, a Seleção aplicara protocolares 2x0 num México cujo único destaque era o goleiro Carbajal, por haver disputado muitas Copas (acabaria fechando a conta em cinco).
Contra a Checoslováquia, o rei tentou um chute de fora da área, que foi à trave enquanto ele ia ao chão, abatido por uma distensão muscular.
A aplicação tática do adversário fez escassearem nossas oportunidades de gol e os dois melhores arremates brasileiros morreram nos postes. 0x0.
...seus outros 3 e a jogada decisiva contra a Espanha atestam: ele carregou o Brasil nas costas! |
Uma vitória contra a Espanha, no jogo seguinte, tornou-se obrigatória para o Brasil seguir adiante na Copa.
Foi um jogo épico, contra um adversário forte e que contava com o mito Puskas (húngaro que, após ser o grande destaque da Copa de 1954, assumira a cidadania espanhola).
Chutando da meia lua, Adelardo colocou a Espanha na frente.
Amarildo, o substituto de Pelé, empatou, aproveitando centro rasteiro de Zagallo.
Substituir Pelé parecia missão impossível. Mas Amarildo conseguiu marcar tentos providenciais. |
Gylmar salvou o Brasil fazendo uma defesa extraordinária, depois de dividir a bola com um avante espanhol na marca do pênalti. O grande Gento pegou o rebote e desferiu um arremate mortal para o gol, com Gylmar caído. Mas o goleiraço, num lance de puro reflexo, conseguiu erguer os braços e espalmar.
Parêntesis 1 – Gento, além de ser um fora de série, tinha muito caráter. Certa vez, incumbido de cobrar um pênalti inexistente para o Real Madrid, chutou na direção da bandeira de escanteio, recusando-se a tirar proveito do erro da arbitragem.
Parêntesis 2 – também errou a arbitragem de Brasil x Espanha ao não assinalar um pênalti cometido por Nilton Santos. Marcou fora da área a falta ocorrida dentro.
O enciclopédia usou de malandragem, dando um passo dissimulado à frente para confundir o juiz, que estava vindo conferir de perto o local da infração.
Parêntesis 3 – então com 11 anos, eu não entendia por que o placar do estádio de Viña del Mar estampava a frase porque nada tenemos, lo haremos todo. Só bem depois vim a saber que um forte terremoto destruíra a infraestrutura futebolística do Chile, a dois anos do Mundial.
Contudo, o grande dirigente Carlos Dittborn conseguiu evitar a mudança de sede, pronunciando então essa frase que motivou sua gente a, com um esforço descomunal, conseguir reerguer tudo em tempo.
Foi uma epopeia: na manhã da partida inaugural, ainda eram completados os últimos ajustes no Estádio Nacional. |
Parêntesis 4 – tratou-se da primeira Copa do Mundo cujas partidas foram integralmente exibidas no Brasil, em teipe. Passavam na noite do dia seguinte e, cúmulo da breguice, um locutor daqui agradecia a gentileza do comandante fulano, piloto da Varig, que havia trazido a fita no seu voo.
As duas emissoras que transmitiam futebol, a Record e a Tupi, optaram pelo revezamento: cada equipe se incumbia da locução/comentários de um tempo da partida.
Então, era o chatíssimo Walter Abrão quem resmungava, no finalzinho da partida contra a Espanha, quando Garrincha não atava nem desatava na ponta: É muito egoísmo, ficar prendendo a bola numa hora destas, em vez de passá-la a um companheiro!.
Foi a maior queimada de língua que vi na vida. Num único mas decisivo lampejo de gênio, Mané se livrou dos adversários, atraiu toda a marcação (inclusive o goleiro) e deu um centro milimétrico para a cabeçada certeira de Amarildo. O possesso nem precisou pular. 2x1
Apesar do folclore, Garrincha não era nenhum desmiolado em campo. Tanto que, quando Pelé se contundiu, a ficha logo caiu para o Mané: era a ele que competia liderar o ataque brasileiro no restante do Mundial.
Então, às suas jogadas desconcertantes mas nem sempre objetivas, ele acrescentou uma inusitada dose de pragmatismo: passou a priorizar o gol.
Schroiff, melhor goleiro da Copa, falhou em 2 gols da final |
Nas quartas-de-final contra a Inglaterra, fez um cabeceando do meio da área e outro, sensacional, chutando da intermediária, quase uma folha seca ao estilo de Didi (só que, com a bola rolando, é bem mais difícil!). 3x1.
Na semifinal contra os anfitriões, o inverossímil: pegou um rebote na entrada da área e, com a perna cega que só servia para descer do bonde, acertou um chute perfeito, no ângulo.
De quebra, outro gol de cabeça, quase igual ao da partida anterior. E o Brasil despachou o Chile: 4x2.
Parêntesis 5 – o Mané foi expulso no fim da semifinal, mas o jeitinho brasileiro fez a diferença nos bastidores. O árbitro, providencialmente (seria mais apropriado dizer premeditadamente...) não entregou a súmula em tempo e Garrincha pôde disputar a final.
Assim, com exceção do contundido Pelé, o Brasil levou a campo sua força máxima: Gilmar; Djalma Santos, Mauro, Zózimo e Nilton Santos; Zito e Didi; Garrincha, Vavá, Amarildo e Zagallo.
A Checoslovaquia, com seu bem montado esquema de formiguinhas, foi o adversário – mas a sorte, dessa vez, lhe seria madrasta.
Clique acima para ver os melhores momentos da semifinal
Os meio-campistas Masopust (0x1) e Zito (2x1), surgindo como elementos-surpresa, marcaram.
Amarildo, tentando um cruzamento da linha de fundo, viu, com seu espanto transparecendo no olhar, a bola enganar o goleiro Schroiff, que se posicionara para interceptar o centro. Nem ele acreditou no gol (1x1) que fizera.
E o empolgante Djalma Santos alçou a bola despretensiosamente para a área. O pobre Schroiff, melhor arqueiro da Copa, estava num dia pra lá de infeliz. Ofuscado pelo sol, soltou infantilmente a pelota no pé de Vavá, que não perdoou. 3x1.
Parêntesis final – chefiando a delegação, o empresário paulista Paulo Machado de Carvalho foi fundamental para as conquistas de 1958 e 62.
O comandante ajudando a carregar Pelé depois que ele se contundiu |
Chegaram ao cúmulo de recomendarem ao limitado zagueiro Bigode que não abrisse a caixa de ferramentas na final, pois o mundo todo estaria olhando. Com Bigode pisando em ovos, o hábil ponta Gighia fez a festa em cima dele, levando o Uruguai à vitória.
E deu novo vexame em 1954, perdendo não só o jogo, mas também a esportiva, contra a Hungria, que era realmente melhor.
Aí entrou Paulo Machado de Carvalho, com um enfoque mais profissional do futebol e uma habilidade imensa na motivação dos jogadores.
P. ex.: ao ficar sabendo que Didi estava apático e macambúzio porque sentia falta da caninha habitual, o marechal da vitória o levou ao bar e, para surpresa do jogador, chamou duas pingas.
Didi hesitou, mas o velho disse: Comigo você pode. Toma!.
Copo vazio, ele foi além: Beba a minha também!.
Finalmente: Agora, vai à luta e arrebenta! Nós precisamos de você.
Assim era o homem. Então, não foi surpresa que, depois de criticadíssimo pela equipe esportiva da rádio Bandeirantes (SP) ao longo de toda a campanha, ele desse o troco quando um pouco perspicaz repórter da emissora o foi entrevistar no vestiário festivo da conquista do bi.
O veterano locutor discursou durante minutos, criticando a mesquinhez de quem aproveitava um momento de júbilo nacional para vinganças pessoais.
Em vão: tinha ido a nocaute e, como os pugilistas sonados, não se dera conta. (por Celso Lungaretti)
Melhores momentos da final; para assisti-la completa, clique aqui
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