Quanto mais alto é o coqueiro... |
Mas, comecemos esta recapitulação um pouco antes, mais precisamente em 1998, quando o Brasil perdeu o Mundial da França por causa da lambança de um enfermeiro, das rixas no seio do elenco e da pusilanimidade do técnico Zagallo.
Não vinha mesmo fazendo campanha brilhante: fora derrotado pela Noruega (1x2) na 1ª fase e necessitara dos pênaltis (4x2) para despachar a Holanda nas semifinais, depois do 1x1 no tempo normal.
Pior: a liderança do grupo era disputada por Dunga (apoiado pelos veteranos de 1994) e Bebeto (o preferido dos novatos), com direito a uma cabeçada do brucutu no bebê chorão durante a partida contra o Marrocos.
Poucas horas antes da final contra os anfitriões, Ronaldo Fenômeno recebe uma rotineira infiltração de xilocaína para diminuir as dores no seu joelho. Mal aplicada: atingiu uma veia e espalhou-se na corrente sanguínea, fazendo com que, 10 minutos depois, ele entrasse em convulsão.
Zagallo, acertadamente, pretendeu substitui-lo pelo animal Edmundo. Mas, o inacreditável Ricardo Teixeira, presidente da CBF, impôs uma mudança de escalação na enésima hora, em benefício do garoto-propaganda da Nike, que voltava sonado do tratamento de emergência.
Dunga ainda tentou dar força a Zagallo, para que mantivesse a decisão sensata. Mas, Bebeto usou sua influência no sentido oposto, favorecendo a aceitação do ultimato de Teixeira.
...maior é o tombo do coco, afinal! |
Inexistindo unanimidade no grupo, Zagallo ficou com as mãos livres... para submeter-se ao cartola-mor, como sempre.
Os jogadores levaram para o campo os rancores do vestiário, fazendo exibição das mais apáticas no 1º tempo. Era tudo de que Zidaine precisava para praticamente liquidar o Brasil com os dois gols que marcou.
Quando acordaram, já era tarde. A França resistiu à pressão brasileira, fez outro tento em contra-ataque e poderia ter indo além. A goleada por 0x3 saiu barata.
A frustração por haver deixado escapar uma Copa tida como ganha ainda se fazia sentir nas eliminatórias para o Mundial seguinte.
Em suas 18 partidas o Brasil foi dirigido por nada menos do que quatro técnicos: Luxemburgo, Candinho, Leão e Felipão.
Acabou por garantir sua vaga apenas na última rodada, ficando 13 pontos atrás da Argentina e só três à frente do Uruguai (repescagem) e da Colômbia (desclassificada).
Luiz Felipe Scolari, técnico de conceitos rústicos e perfil autoritário, era malvisto pela cartolagem, pois não se prostrava diante dela.
Assombrados pelo fantasma da desclassificação, os dirigentes, entretanto, acabaram cedendo à pressão dos torcedores, para quem, depois do fracasso de Luxemburgo, Felipão se tornara unanimidade – como consequência, principalmente, de seu ótimo currículo em mata-matas da Copa Libertadores da América.
Não foi nada além de razoável (três vitórias e três derrotas), mas segurou o rojão num momento crítico, bem de acordo com sua imagem de homem forte.
De quebra indispôs-se com Romário, por suposta ou real má vontade do baixinho para com o escrete. Afastou-o definitivamente, apesar do seu pedido de desculpas público e do lobby de cartolas & imprensa esportiva.
Situação paradoxal: queda de braço entre um técnico que era preferência nacional e um jogador, idem.
Ronaldos: Kahn bateu roupa e o Fenômeno guardou... |
Com seu carisma e habilidade motivacional, aproveitou as críticas à Seleção para fechar o grupo em torno de si. Era a Família Scolari lutando contra tudo e contra todos.
E a sorte o bafejou: não só Ronaldo renasceu das cinzas na Copa da Coréia do Sul/Japão, como a Seleção teve a tarefa facilitada por enfrentar as galinhas mortas que pediu a Deus.
Treinou contra a China (4x0), Costa Rica (5x2) e desperdiçou duas vezes a oportunidade de golear a incipiente Turquia, vencendo-a apenas por 2x1 na 1ª fase e 1x0 na semifinal (gol de Ronaldo, em bela arrancada pela meia-esquerda).
Nas oitavas-de-final, a Bélgica chegou a dar algum trabalho a são Marcos (um dos destaques da campanha), mas Rivaldo e Ronaldo resolveram. 2x0.
O único adversário de verdade foi o das quartas-de-final: a Inglaterra de Beckham, Owen e Campbell, que sobrevivera ao grupo da morte na 1ª fase (vencendo a Argentina e empatando com a Suécia e a Nigéria) e vinha de golear a Dinamarca. Não havia favorito.
...já Seaman se adiantou demais e o Gaúcho o encobriu. |
Uma rara falha de Lúcio propiciou gol a Owen, mas o personagem do jogo seria Ronaldinho Gaúcho, que:
— carregando a bola do meio-de-campo até a entrada da área, serviu Rivaldo livre, para este empatar;
— cobrando falta da zona morta (na intermediária, junto à lateral), acertou chute primoroso, encobrindo o goleiro David Seaman, que esperava um cruzamento; e
— foi expulso logo em seguida por causa de uma solada, mas os dez restantes souberam segurar o 2x1.
Depois de fazer a lição de casa contra a Turquia, teve pela frente uma Alemanha que nem sequer cogitava chegar à final: seu objetivo era preparar o time para a Copa seguinte, que iria disputar em casa.
Vitória, com autoridade, do Brasil de Marcos; Cafu, Lúcio, Edmilson, Roque Jr. e Roberto Carlos; Gilberto Silva, Kleberson e Ronaldinho Gaúcho (Juninho Paulista); Rivaldo e Ronaldo (Denilson).
Já criara mais chances no 1º tempo, quando Kleberson acertou o travessão e Oliver Kahn, o melhor goleiro do Mundial, andou fazendo defesas difíceis.
Dever cumprido em 2002. Ninguém imaginava que viria então uma ressaca de 4 Copas |
A Alemanha saiu para o jogo e, em rápido contra-ataque pela direita, Kleberson cruzou, Rivaldo deixou passar e Ronaldo colocou no canto: 2x0.
Terminou a campanha com estatísticas invejáveis:
— só vitórias, como em 1970 (quando um campeão jogava seis vezes, e não as atuais sete);
— melhor ataque (18 gols);
— artilheiro (Ronaldo, 8);
— um dos vice-artilheiros (Rivaldo, 5, na companhia do alemão Miroslav Klose);
— uma das melhores defesas (4 gols sofridos, atrás apenas da Alemanha, 3); e
— melhor saldo de gols (14) de um campeão nos 21 Mundiais jogados até hoje (a Alemanha igualou o saldo 14 em 2014, disputando, contudo, duas prorrogações).
Sem ser um esquadrão dos sonhos como os de 1958, 1970 e 1982, soube fazer valer a experiência e a qualidade técnica do seu elenco.
Na empolgação da conquista, contudo, os brasileiros valorizaram em demasia um treinador que apenas soubera aproveitar bem o elenco superior que tinha nas mãos.
Do dia para a noite, o Felipão virou estrela de palestras de liderança para empresários, como se fossem de grande valia lições como a do que se deve fazer quando o concorrente esnoba sua empresa.
Deveriam eles correr atrás dos rivais para agredi-los (como Scolari instigou Paulo Nunes a fazer numa decisão de Campeonato Paulista, aos gritos de Pega!, Pega!, Pega!)?
Como diziam os antigos, quanto mais alto o coqueiro, maior é o tombo. O Felipão aprenderia isto em 2014, ao sofrer a pior goleada de uma seleção brasileira de futebol em 108 anos de existência, com a agravante de o 1x7 diante da Alemanha ter ocorrido numa semifinal de Copa do Mundo disputada no Brasil! (por Celso Lungaretti)
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