segunda-feira, 4 de julho de 2022

NOSSA TAREFA NÃO FINDA COM A QUEDA DO BOZO: O MAIS DIFÍCIL VIRÁ DEPOIS

É
muito oportuno o artigo de Gerardo Lissardy, publicado nesta 2ª feira (4) pela BBC Brasil, sobre as diferenças entre avanço da esquerda na América Latina e a onda rosa de duas décadas [atrás], cuja íntegra pode ser acessada aqui. Serve como antidoto ao auê deslumbrado de muitos reformistas brasileiros. 

Lissardy constata que, uma vez confirmada a vitória do populista retrô sobre o ultradireitista ensandecido no Brasil, "as sete nações mais populosas da América Latina e suas seis maiores economias [ficarão] nas mãos da esquerda".

Mas isto, avalia ele, não equivaleria a uma repetição da chamada maré rosa de duas décadas atrás. Eis o porquê:
"Num contexto de fúria com os políticos, desigualdade e estagnação econômica, o voto dos latino-americanos nos últimos tempos tem sido pendular: da esquerda para a direita e agora novamente para a esquerda.

A regra nas eleições democráticas na região é a vitória da oposição.

'O importante é mudar de lado para ver se as coisas melhoram, porque o grau de descontentamento na América Latina nunca foi maior do que agora', diz Marta Lagos, diretora da pesquisa de opinião regional Latinobarômetro..."

Segundo Lissardy, talvez a maior diferença entre a onda esquerdista do passado e a onda atual na América Latina seja o cenário em que elas surgem:

"Entre 2000 e 2014, o boom internacional das commodities deu aos presidentes da região um cheque gordo para investir em programas sociais e projetos estatais de todos os tipos. 

Agora, com uma guerra na Europa, inflação crescendo e alta dos preços, tanto para crédito quanto para insumos, as economias da região estão encontrando mais dificuldades para tirar vantagem do aumento dos preços das commodities. 

E os governos podem gastar muito menos do que seus cidadãos desejam, em tempos de pandemia de covid-19 e instabilidade social.

Isso contrasta com a agenda dos antigos líderes da maré rosa, de Chávez a Lula, que priorizavam a exploração de petróleo.

De fato, as diferenças persistem: Lula disse recentemente que a ideia de Petro, da Colômbia, criar um bloco anti-petróleo com líderes regionais progressistas 'não é real' neste mundo.

Outros presidentes de esquerda, como o mexicano Andrés Manuel López Obrador e o boliviano Luis Arce, também apostam nas indústrias extrativas.

No entanto, talvez nisso a nova política que Boric e Petro estão propondo hoje esteja em melhor sintonia com a sociedade do que a antiga política, como assinala Lagos".

Ou seja (e este é o motivo de eu ter aqui reproduzido tais trechos do longo artigo da BBC), Lissardy veio ao encontro dos alertas que este blog tem lançado desde há um bom tempo, no sentido de que a conjuntura internacional invalida a mera tentativa de repetição da política econômica adotada por Lula no seu primeiro governo, aquela da qual os brasileiros sentem saudades. 

Por absoluta falta de ideias, ele, depois de bater em bêbado nas urnas, levará uma surra da realidade ao enfrentar o desafio de tirar a economia brasileira do fundo do poço sem ir à raiz do problema: é o próprio capitalismo que agoniza e precisa ser superado.   

Para piorar as coisas, Lula, fracassando, criará condições para uma volta da extrema-direita ao poder, seja pela via golpista, seja nas eleições de 2026. 

O movimento pendular entre esquerda e direita persistirá enquanto a alternância for entre a esquerda domesticada que não ousa confrontar a dominação burguesa e as duas faces da moeda capitalista (a que se impõe pela força bruta e a que se impõe pela supremacia econômica e pela lavagem cerebral levada a cabo pela indústria cultural). 

Expelido o Bozo (e inevitavelmente o será, pois nem vai conseguir reverter sua estratosférica rejeição com esmolas na enésima hora, nem tem a menor chance de encabeçar um golpe bem sucedido, já que lhe faltam as condições objetivas para tanto, além de, no plano pessoal, um mínimo de coragem) não deve ser encarado como o fim da nossa missão.

Mas, antes, como o início da parte mais difícil: forjar uma nova esquerda, que ofereça um rumo à sociedade depois do fracasso anunciado do terceiro governo do Lula. 

Uma nova esquerda que esteja sintonizada com o tempo em que vivemos e consciente da necessidade de assegurarmos um futuro para os que virão depois de nós, ao invés de, p. ex., exibir uma ignorância estarrecedora sobre o imperativo de mudarmos a matriz energética, o que já deveríamos ter feito lá no século passado. (por Celso Lungaretti)

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