SÓ DEUS SABE
Ao rugir para dizer que não é um rato, Bolsonaro afirmou que não vai respeitar decisões do Judiciário que considere prejudiciais.
Tecnicamente anunciou um golpe, deixando claro que utilizaria as Forças Armadas como instrumento para chegar a seu objetivo político.
Dada a incompetência política de Bolsonaro, sua incapacidade de organização, ausência de planejamento e sentido estratégico, o mais provável é que o golpe acabe sendo a montanha que pariu um rato.
Ele não dispõe de dispositivo militar, movimento de massas tomando as ruas nem de suficiente apoio político.
De improvisação em improvisação, Bolsonaro está ficando sem opções políticas.
O nível de improvisação sob o qual Bolsonaro opera não significa flexibilidade e capacidade de adaptação a situações (como na política) voláteis. Significa ausência de rumo e cálculo que leve em conta meios e fins – embora o propósito geral, neutralizar o Judiciário, seja explícito.
O processo está se acelerando à medida que as eleições se aproximam e as pesquisas sugerem que a derrota dele tem probabilidade de ocorrer já no 1º turno. A improvisação para atacar a subida dos preços dos combustíveis, p. ex., o levou a montar uma enorme operação política custosa para os cofres públicos, pouco relevante para a economia popular e que promete escassos resultados eleitorais.
Mas é no seu principal eixo operacional – o confronto com o STF – que a improvisação de Bolsonaro o impede de chegar aonde quer.
No começo do mandato presidencial, Bolsonaro ensaiou o que populistas autoritários desenvolveram em vários países (Hungria, Venezuela, Polônia): a marcha através das instituições, ou seja, a ocupação interna do Judiciário por meio de nomeações e/ou limitações à atuação de tribunais superiores.
O voto de seus dois indicados na 2ª Turma do STF nesta 3ª feira (7), perfeitamente alinhados ao Planalto, indica aonde Bolsonaro poderia ter chegado. Ocorre que a ocupação metódica do Judiciário cedeu lugar nos últimos três anos a uma espiral crescente de ataques verbais e estripulias políticas – improvisados ao sabor do momento e das redes sociais – cujo principal resultado foi criar no STF um espírito de união e atuação conjunta voltados a frear e limitar Bolsonaro.
Hoje o mito chegou à situação na qual tem poucas opções na economia e na política, correndo contra o tempo e à espera de uma virada nas pesquisas que até aqui não se vislumbra. Não há improvisação que altere esse desconfortável quadro geral para quem pretende continuar presidente.
A não ser aquela que promete ser a derradeira: o salto rumo à ruptura. Bolsonaro deixou suficientemente claro que pensa nisso. Mas estaria disposto a saltar? Só Deus sabe, diz um companheiro dele de primeira hora. (por William Waack, n'O Estado de S. Paulo)
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