terça-feira, 7 de junho de 2022

COMBUSTÍVEIS: O BOZO ESTÁ ENTRE A CRUZ E A ESPADA

O novo plano infalível do presidente Jair Bolsonaro e sua turma é zerar o ICMS dos combustíveis e usar o dinheiro da privatização da Eletrobrás para bancar o rombo nos cofres de governadores Brasil afora. 

A privatização da Eletrobrás, por si mesma, já é um alucinante tiro no pé que vai aumentar as tarifas de energia e precarizar a já precária rede de eletricidade nacional. 

A promessa, contudo, era que o valor arrecadado, uma mixaria, seria usado para investir na modernização do setor. Para o Bolsonaro, nem isto entraria nos planos. 

Pior, pois a redução de impostos do combustível não iria alterar em praticamente nada o preço da gasolina, do diesel e do gás de cozinha no Brasil, pois o problema é de outra ordem e muito mais profundo, pois tem relação com interesses econômicos pesados de capitalistas nacionais e estrangeiros que se apoderaram da Petrobrás desde o fim da década de 1990.

Por óbvio, o problema não é abordado por nossa mídia, a qual, de forma mistificadora, atribui o preço apenas a pressões estrangeiras. Trata-se de uma explicação apenas parcialmente verdadeira, pois deixa inquestionado o problema de por que o país continua tão dependente do combustível importado e tão sensível a variações internacionais. 

Este fato é ainda mais marcante quando se observa que o preço do combustível brasileiro, na média, é maior que o praticado no exterior, mesmo entre nossos vizinhos sul-americanos. A mídia, no entanto, não pode tocar no essencial, pois seus proprietários são também acionistas privados da Petrobrás.

A desestatização da petrolífera empurrou a empresa para a lógica do lucro acima de tudo. Quando surgiu, na década de 50, a empresa era pensada para auxiliar no desenvolvimento nacional e por isso o lucro era o menor das preocupações. Com acionistas privados, cotada em bolsa, o lucro passou a ser o predominante.

Esta situação ainda era contrabalanceada com o domínio estatal de 51% das ações, fato que fez com que a estatal durante o governo petista continuasse a cumprir função social, mesmo com prejuízos aos acionistas. A gritaria da mídia contra o uso político da Petrobrás durante o governo lulopetista vinha daí. 

Já no segundo governo Dilma, a coisa mudou, com a imposição de uma Lei das Estatais e de um ajuste de condutas que obrigava a Petrobrás a dar lucro. E, obviamente, para ser lucrativa teve de deixar o valor final do combustível flutuando livremente, sempre para obter o máximo na venda. Daí os preços terem explodido. 

Para ter lucro, foi preciso também diminuir o ritmo de investimentos, fazendo com que muitos projetos de novas refinarias fossem abandonadas. O resultado foi o estrangulamento da oferta, impactando ainda mais os preços. 

Mas a cereja do bolo foi a criação da política de paridade de preços. Importadores de combustíveis entraram em cena para suprir a demanda não atendida pela produção nacional, pressionando mesmo pelo aumento do volume importado, o que levou a Petrobrás a não apenas deixar de abrir novas refinarias, como também a fechar as antigas. 

Importando grande parte do combustível, o Brasil, um país auto-suficiente em petróleo, tornou-se dependente do estrangeiro, com o preço diretamente atrelado ao dólar e aos valores internacionais. O resultado imediato disso foi a greve dos caminhoneiros em 2018.

Um fato que a mídia brasileira sempre omite é que, no mundo inteiro, os combustíveis sofrem forte intervenção estatal. 

Até mesmo na pátria do livre mercado, os EUA. Lá, p. ex., o petróleo é fortemente controlado pelo governo, com estoques reguladores, subsídios oficiais e acentuada intervenção militar global para garantir o fluxo do óleo. Favorece isto o fato da produção estadunidense ser um oligopólio de três ou quatro empresas. 

No resto do mundo, o quadro é mais radical. Praticamente todos os grandes países possuem estatais petroleiras e, onde elas não existem, porque são importadores, o Estado mantém forte atuação para conter o preço. 

Em nenhum lugar o preço do barril é diretamente repassado ao consumidor final, pois isto é um contrassenso político e social, que só pode resultar em inflação, instabilidade social e ônus político para o governante de plantão.  

E aqui entra o nó de Bolsonaro, sua via crucis e o motivo de seu governo ser inviável. 

O presidente genocida foi eleito amarrado ao compromisso de manter a lógica privatista da Petrobrás intacta, mesmo isto custando sua popularidade. Não pode alterar tal arranjo, pois seria seu fim, abandonado pela burguesia. Mas manter tal lógica é também acelerar o seu fim pela via eleitoral, pois o povo lhe negará apoio. 

Para tentar agradar a todos, se sai com uma proposta  de zerar impostos. Ou seja, entre enfrentar os barões capitalistas ou perpetuar os preços escorchantes para o povo, tenta manter o lucro dos primeiros e diminuir o ônus ao segundo, sacrificando o erário. O fracasso é certo, com possibilidade, ainda, de acelerar a crise fiscal e deixar o Estado insolvente. 

A verdade é que a solução para a crise do combustíveis é apenas uma: tornar a Petrobrás 100% estatal novamente, pois apenas assim será possível não apenas reduzir o impacto do valor dos produtos, mas também reativar investimentos, inclusive para a transição verde, a qual, mais uma vez, é feita no mundo inteiro com forte investimento estatal. 

A lógica privatista está ameaçando deixar o Brasil para trás na passagem para a nova matriz energética, pois capitalistas não se interessam por gastar dinheiro em investimentos incertos, que superem os ganhos imediatos.

Mas Bolsonaro, enredado numa meada de interesses contraditórios, não possui força nem possibilidade política para desatar o nó. Acabará sendo engolido pelos compromissos inconciliáveis que assumiu e que o mantêm dentro do Palácio do Planalto e fora da prisão.
(por David Emanuel Coelho) 

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