quarta-feira, 18 de maio de 2022

MAMÃE, FALEI DEMAIS E VIREI BODE EXPIATÓRIO!

Que o deputado Arthur Do Val merecia tanto a cassação do seu mandato quanto a inelegibilidade, e que a Assembleia Legislativa de São Paulo ficará muito melhor sem ele, é o óbvio ululante.

Mas, igualmente óbvio é que muitos casos piores já deixaram de ser punidos pelos legislativos federal, estaduais e municipais, daí o presente episódio não passar de uma exceção que confirma a regra. 

Tendo outrora se popularizado como youtuber, o dito Mamãe, Falei foi à Ucrânia atrás dos holofotes da guerra e se deu mal: suas falas de que as mulheres ucranianas "são fáceis porque são pobres" e de que a fila de refugiadas lembrava "as melhores baladas de São Paulo", repercutidas intensamente pela imprensa e pelas redes sociais, causaram asco e indignação.

Não que estivesse de todo errado na primeira afirmação, pois o cinema não cansa de nos lembrar que, nos países libertados do jugo nazista em 1945, os movimentos de resistência raspavam o cabelo de mulheres e expunham-nas à humilhação pública porque haviam se prostituído ao inimigo. 

[Os motivos para tal comportamento certamente diferiam caso a caso, mas eu nunca execraria mães que tivessem comprado com seu corpo barras de chocolate e outros alimentos para seus filhos famintos... afinal, com quem mais poderiam obtê-los naquela situação crítica, se não oferecendo-se às tropas de ocupação?]  

Contudo, pesou contra o Mamãe, Falei a desumanidade e cinismo do que ele deve ter imaginado que soariam como belas frases de efeito...   

A cassação do mandato, vale dizer, demorou tanto que acabou sendo redundante, pois ele já havia renunciado. A verdadeira novidade foi o terem tornado inelegível por oito anos. 

Mas, que ninguém se iluda. Lembrando o grande Stanislaw Ponte Preta, a moralidade nem de longe foi restaurada. 

É que, para todos continuarem se locupletando, eles precisam sacrificar de vez em quando um bode expiatório e, assim, aplacarem a ira dos justos. Ainda mais quando as eleições estão marcadas para menos de cinco meses à frente. 

E as quebras de decoro parlamentar ou governamental, parafraseando desta vez a Bíblia, são verdadeira legião no Brasil. No mesmo legislativo paulista, p. ex., o deputado Fernando Cury teve o seu mandato tão somente suspenso (por seis meses) após haver sido filmado apalpando os seios de sua colega Isa Penna no plenário. 

E o deputado Delegado Olim, solidário a Cury, teve seu pedido de cassação arquivado pelo Conselho de Ética, mesmo tendo proferido a barbaridade de que a deputada Isa "teve sorte" (!), pois "irá se reeleger por causa disso" (!). 

Last but not least, ninguém no Brasil já acumulou tantas quebras de decoro parlamentar e governamental como o Bozo. Não estaria desgraçando o Brasil, como o pior presidente de todos os tempos, se a Câmara Federal houvesse cumprido o seu dever quando, p. ex.:
— disse que não estupraria a deputada Maria do Rosário porque "ela não merece";
— afirmou que preferia a morte de um filho seu a vê-lo como amante "de um bigodudo";
— quantificou em arrobas o peso dos quilombolas, que, de tão gordos, "nem para procriadores servem mais";
— 
esmurrou em público o franzino senador Randolfe Rodrigues; 
— admoestou a ditadura militar por não ter "matado uns 30 mil opositores", começando pelo ex-presidente FHC;
— comparou os restos mortais dos guerrilheiros executados pela repressão ditatorial no Araguaia a ossos para cachorros; ou
— fez os mais rasgados elogios a um assassino do crime organizado (integrante das milícias do Rio de Janeiro) e a vis torturadores como Brilhante Ustra. 

E, para encurtar a história, no cargo atual ele continuou, por palavras e atos, dando motivos de sobra para ser impichado, processado e preso, com sua impunidade simplesmente avacalhando as instituições deste país. 

Caso da recente concessão de uma graça presidencial totalmente irregular e descabida a um deputado ferrabrás condenado pela mais alta corte do país por pregar o golpismo e incitar hordas de celerados contra os juízes de processos em que ele próprio figura como acusado.

Comparado ao perdoado Daniel Silveira,  o cassado Arthur Do Val é um gentleman inglês. (por Celso Lungaretti)

Nenhum comentário:

Related Posts with Thumbnails