terça-feira, 1 de março de 2022

ELE FOI UM IMPRESCINDÍVEL NA RESISTÊNCIA DA IMPRENSA À DITADURA

jornal carioca Correio da Manhã foi o primeiro veículo da grande imprensa a posicionar-se firmemente contra a quartelada de 1964.

Reunia uma plêiade de grandes jornalistas de esquerda, como Antonio Callado, Carlos Heitor Cony, Hermano Alves. Jânio de Freitas, Márcio Moreira Alves, Paulo Francis e Sérgio Augusto. 

Muitas das contundentes crônicas políticas que Cony escreveu logo após o golpe foram lançadas em livro (O ato e o fato) ainda naquele ano.

E, assim como Paulo Francis viria a ser o guru d'O Pasquim, quem cumpria tal papel no Correio da Manhã era Otto Maria Carpeaux (1900-1978).

Daí o interesse com que devorei o tributo a ele prestado por André Rosa na Folha de S. Paulo desta 3ª feira (1º de março), com o título de Carpeaux, 80. 

André Rosa, para quem não se lembra, foi responsável por um grande momentos deste blog, ao liberar para publicarmos aqui a primeira tradução brasileira, de sua autoria, do monumental poema de Ievguêni Ievtuchenko sobre o massacre de Bábi Yar, um dos crimes mais hediondos da era stalinista (vide aqui). 

Como seu texto sobre o Carpeaux excede em muito a extensão habitual dos artigos deste blog e tem um enfoque mais apropriado para cadernos culturais, selecionei os trechos que considerei de maior interesse para o público do
Náufrago.  

Os interessados em lê-lo na íntegra, contudo, o encontrarão disponibilizado aqui. (CL)
Q
uando chegou ao Brasil, em setembro de 1939, após uma longa fuga da fúria nazista, Carpeaux ainda não sabia português. 

O seu único contato com a literatura brasileira até então havia se dado no momento da vinda, no navio, por meio de uma tradução francesa da crônica O Velho Senado, de Machado de Assis, emprestada da biblioteca de bordo. 

A recepção fraternal ao amigo que deixava para trás uma Europa em ruínas foi, sem dúvida, um fator determinante para o florescimento de uma obra vigorosa e criativa e seguramente evitou um destino trágico como o de seu compatriota Stefan Zweig.

Com o golpe militar de 1964, Carpeaux resolveu deixar a literatura para se dedicar à luta política. Tornou-se um opositor veemente da ditadura. Passou a escrever textos políticos para jornais como o Folha da Semana, ligado ao Partido Comunista Brasileiro, e revistas como a Encontros com a Civilização Brasileira, de Ênio Silveira, à época a mais importante publicação da esquerda.

Os seus prefácios já não figuravam mais entre livros de literatura, mas sim em obras engajadas como Argélia, o Caminho da Independência (Civilização Brasileira, 1966) e O Poder Jovem (Civilização Brasileira, 1966), de Arthur José Poerner. 
O Correio dedicou 10 páginas à 6ª feira sangrenta 
de 68; depois se soube que a ditadura matara 28 pessoas!
No entanto, para não dizer que a literatura ficou totalmente de lado durante os anos de enfrentamento, Carpeaux recorreu a Os Sertões, de Euclides da Cunha, a fim de fazer uma defesa da guerrilha do Caparaó.

Intitulado A Lição de Canudos, sempre atual, o texto de 1966 parte da resistência dos sertanejos para exaltar a insurreição armada. 

O texto, que circulou clandestinamente e sem assinatura, só foi descoberto na década de 1990, entre as coisas de Carpeaux...

Vale notar que, antes do Brasil, o caminho de Carpeaux já havia sido longo. Na Áustria, gozou da confiança de chefes de Estado e dirigiu algumas das mais importantes publicações católicas da Europa. Conheceu pessoalmente Franz Kafka e foi aluno de Benedetto Croce. 

Só conseguiu chegar ao Brasil, acompanhado de sua esposa Hélene Silberherz, por conta de uma intervenção do papa Pio 12 junto a Getúlio Vargas.

Aos poucos, como previu Antônio Houaiss, a fisionomia moral e intelectual de Otto Maria Carpeaux será reconstituída mediante um exame atento de sua obra. É importante que as novas gerações de leitores e estudiosos estejam atentas ao seu legado, que, entre nós, teve início há 80 anos e ainda não se esgotou. 
(André Rosa é jornalista, tradutor e mestrando
em literatura comparada pelo PPGCL‐UFRJ/Capes)

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