A ARAPUCA EVANGÉLICA PARA O PT
É normal que o PT se preocupe com o voto dos evangélicos. Foram os pregadores evangélicos os principais articuladores da vitória de Bolsonaro contra Haddad em 2018, quando conseguiram reunir cerca de um terço do total dos votos dos eleitores em todo Brasil.
Esses eleitores foram induzidos e guiados pelas pregações político-religiosas de pastores de pequenas e grandes comunidades ditas evangélicas, a maioria deles sem formação muito menos teológica que, na época, descrevi como vendedores ambulantes de barbatanas para colarinhos da praça da Sé, em São Paulo, buscando alguma coisa mais rendosa e simples, embora também inútil, para venderem.
A receita do novo produto foi extraída de um livro tão sagrado quanto pouco lido e praticamente desconhecido pelo povo, com cujas frases dispersas aqui e ali, algumas mesmo contraditórias, se pode construir um manual de crenças e esperanças numa vida eterna depois da morte.
E enquanto ela não chega, ir-se vivendo alheio àquilo que se passa ao redor, ignorando-se e suportando-se as misérias, explorações, sofrimentos e injustiças terrenas, porque no céu nada disso haverá...
A ingenuidade de tantos, a falta de instrução de muitos e a simplicidade de outros garantiu o sucesso da nova receita conjugada com cânticos de fervor, discursos inflamados capazes de criar e realçar a fé e despertar a esperança em tantos fracos e oprimidos.
As pregações exaltavam o amor, a salvação, a alegria, a paz, como se fossem coisas concretas tão tangíveis quanto as moedas suadas e sofridas depositadas nas bandejas das igrejas como ofertas para o Deus tão misericordioso.
Para alertar os mais desconfiados, propensos à dúvida e insensíveis aos apelos do pregador, existem as sorrateiras, mas claras ameaças do castigo e de mais sofrimentos ainda depois da morte, no fogo do inferno.
Porque se Jesus representa o amor, seu pai, o rigoroso Deus do Velho Testamento bíblico é a personificação da Justiça, exceto para aqueles que elege como seus preferidos, como costuma também acontecer nas famílias humanas.
Essa nova teologia popularizada no Brasil pelos evangélicos, segundo receituário original estadunidense, já foi aceita pela maioria do pastorado das igrejas protestantes vindas da Reforma, rompendo assim com a cultura do protestantismo europeu vindo de Lutero e Calvino, mesmo que no conceito individualista calvinista estejam as raízes da privacidade e do capitalismo.
Sem esquecer-se de uma evolução de certa forma contraditória com sua origem, a da separação entre Igreja e Estado, criadora do conceito da laicidade, hoje começando a ser deixada de lado pelos legisladores brasileiros com o recente advento político-religioso do evangelismo.
Essa nova influência, ou poder religioso, está interessada em exercer sua influência na organização comportamental, legal e social do país e não apenas na isenção de impostos de igrejas, associações, entidades, escolas, universidades, hospitais e órgãos assistenciais religiosos ou, mais precisamente, evangélicos.
Estamos, portanto, no despontar de um movimento inverso ao ocorrido com a República, cujo decorrer foi responsável pela decretação do Estado laico e pela gradativa separação do Estado brasileiro das entidades ligadas à Igreja Católica.
O atual movimento de evangelização do Brasil a partir de suas bases populares não tem um objetivo meramente religioso: trata-se de um projeto político mais amplo que utiliza o conceito individual da salvação da alma como base contra teorias de socialização políticas, projeto justificador da posse individualizada de bens e do capitalismo com suas evoluções atuais.
Desenha-se a derrota eleitoral do atual governo, que chegou a ser equiparado por pregadores evangélicos fanáticos (os mesmos que no 7 de setembro apoiavam um golpe bolsonarista) ao governo de um escolhido de Deus, nada diferente dos governos teocráticos medievais.
Entretanto, não fosse a atual crise econômica desestabilizadora do governo Bolsonaro, o Brasil viveria um grande retrocesso cultural, social e político com sua gradativa transformação num Estado religioso evangélico. E veríamos o absurdo paradoxo de uma Igreja Católica abandonada justamente quando seus teólogos e parte de seus pregadores aderiram ao preceito da Teologia da Libertação.
Contra a luta pela ampliação das conquistas sociais, o conjunto conservador e pró-capitalista das comunidades evangélicas propõe aos seus seguidores uma visionária Teologia da Prosperidade, baseada numa interpretação do Velho Testamento de que miséria e sofrimento são causados pelo pecado, enquanto a riqueza provém das bênçãos de Deus.
Nesta linha, os grandes capitalistas, como os antigos senhores feudais, são abençoados por Deus, assim como os grandes bancos. Em contrapartida, o evangélico que vê no seu prato uma colher a mais de feijão já se julga abençoado por seguir a nova fé.
O encarregado de levar a mensagem petista aos evangélicos é o pastor Paulo Marcelo Schallenberger, amigo do pastor Marco Feliciano.
O PT deve ter suas razões eleitorais estratégicas para aceitar auxílio de pastor evangélico conservador para diminuir a força dos evangélicos comandados por figuras agressivas como os pastores Silas Malafaia, Cláudio Duarte e o próprio Feliciano, três que incitaram a micareta golpista do último 7 de setembro.
Gente que participou das fake news e dos discursos de ódio responsáveis em 2018 pela vitória de Bolsonaro, apesar de suas falas em favor da tortura, dos torturadores, das armas, do assassinato de 30 mil pessoas opositores e da devastação da Amazônia.
Entretanto, a antiga aliança com Edir Macedo e outros, durante os governos de Lula e Dilma, mostrou-se mais benéfica aos interesses desses pastores do que ao PT e ao Brasil. Mal comparando, alianças duvidosas desse tipo são como o cavalo de Tróia, do qual saem inimigos quando menos se espera. E foi o que ocorreu em 2018.
O Brasil espera, com a saída de Bolsonaro, a aplicação da regra republicana da laicidade, com uma separação clara e nítida entre o Estado e a religião, o fim das isenções tributárias para as igrejas (sejam quais forem), seus sacerdotes, suas entidades, seus comércios e seus estabelecimentos de ensino. E a anulação das leis que, no período Bolsonaro, tenham representado um retrocesso político e social.
Schallenberger, o arauto do Lula |
Em síntese, que a lealdade do pastor Schallenberger fique clara e verificável desde o início, além de ele garantir que não concorrerá a qualquer cargo político. Caso contrário, esse anunciado apoio a Lula não passará de um trampolim para a conquista de algum mandato. (por Rui Martins)
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