celso lungaretti
HOJE A PASSAGEM DO REINO DA NECESSIDADE
AO REINO DA LIBERDADE SÓ DEPENDE DE NÓS
Foi constrangedoramente simplista o filósofo Hélio Schwartsman ao pretender dar um xeque-mate na componente libertária da esquerda com este artigo.
Isto porque jamais bastariam três míseros parágrafos para dar como demonstrada uma tese tão discutível:
"A esquerda vem paulatinamente se afastando da ideia de liberdade porque esta é incompatível com a de igualdade, outro conceito que lhe é caro.Se a sociedade é livre, algumas pessoas, por esforço ou sorte, acumularão mais bens e os transmitirão a quem desejarem, tipicamente os filhos.Mas, neste caso, a sociedade deixa de ser igualitária, pois não só alguns terão mais do que outros como também herdarão riquezas pelas quais não trabalharam".
A essência selvagem do capitalismo em nada mudou até hoje, pois é impossível humanizá-lo... |
1. o progressivo abandono da luta de classes (visando à transformação revolucionária da sociedade e consequente superação do capitalismo), trocada pela conciliação de classe (busca de um modus vivendi para os explorados dentro do regime de exploração do homem pelo homem); e
2. o total descarte da premissa marxista de que os países que mais desenvolverem suas forças produtivas serão sempre os que vão indicar o caminho que as demais nações cedo ou tarde seguirão (a partir daí, tornou-se possível para a esquerda descaracterizada fazer a oportunista defesa de tiranos embolorados que esmagam seus povos mas, alega ela, cumpririam também o papel de "confrontarem o imperialismo").
Ao se limitarem à participação nas eleições de cartas marcadas da democracia burguesa, nas quais estão em jogo apenas os postos de serviçais do poder econômico, as forças de esquerda abdicaram exatamente de contestar o citado direito de propriedade privada dos bens gerados pelo trabalho coletivo, o que permite a uns poucos acumularem riquezas imensas e as transmitirem à sua prole, enquanto crescente parcela da humanidade é tragada pela miséria.
Já sua aparência foi maquilada, para tranquilizar os que não suportam a realidade nua e crua |
E, obrigando-se a respeitar os valores republicanos (nunca esqueço de como a Dilma enchia a boca ao falar estas duas palavrinhas sagradas, antes de, em nome delas, receber um humilhante pé na bunda!), a esquerda institucional tem seguidamente permanecido em cima do muro quando sua obrigação moral seria a de alinhar-se com os que travassem o bom combate.
Assim, p. ex., a mesma Dilma chegou a sancionar em 2016 uma versão ligeiramente maquilada do entulho autoritário chamado Lei de Segurança Nacional, além de seu governo ter simplesmente mandado às urtigas os manifestantes de junho de 2013 quando eram barbarizados pelos efetivos policiais em vários estados e amargavam descalabros judiciais de todo o tipo.
Se o fascismo tupiniquim vingasse, o cartunista Aroeira pagaria caro pela tibieza da Dilma |
Isto, inclusive torna hipócrita o repúdio a Jair Bolsonaro quando procede daqueles que nada viam de errado em tais recaídas na barbárie e nos valores medievais.
Então, mais do que nunca, a esquerda que se mantém marxista ou anarquista tem de reassumir seu compromisso com a condução da humanidade a um estágio superior de civilização, no qual seja priorizado o bem comum e oferecidas a cada habitante do planeta condições plenas para levarem uma existência compatível com a dignidade humana.
Finalmente, para não estender demais este artigo de padrão jornalístico, assinalo sucintamente que Schwartsman dá como definitivo o que pode muito bem ser transitório, como a compulsão que faz algumas pessoas, por esforço ou sorte, acumularem mais bens.
Não podem ser desconsiderados pensadores como Hebert Marcuse e Norman O. Brown, segundo os quais foi a insuficiência de bens para suprirem-se as necessidades de todos os cidadãos, anteriormente à era moderna, que forçou a competição canibalesca entre os homens, servindo, portanto, para motivá-los nos seus esforços em busca do progresso.
No entanto, hoje se percebe claramente que já existem condições científicas e tecnológicas para se produzir o suficiente para todos disporem do realmente necessário, desde que a sociedade adote as prioridades certas.
Mais:
— isto poderia tranquilamente ser feito sem a destruição predatória de recursos essenciais à sobrevivência da nossa espécie; e
— a redução de jornada para todos os trabalhadores da Terra é perfeitamente possível, liberando tempo para passarmos a desenvolver nossas melhores qualidades e desfrutarmos de uma convivência realmente gratificante entre nós.
De minha parte, recuso enfaticamente a crença pessimista de que o ser humano seja egoísta e competitivo por natureza, incapaz de, criado noutras condições de vida e educado com outros valores, preferir o ódio ao amor.
Será difícil mesmo chegarmos a "essa terra da amizade, onde o homem ajuda o homem" (Arena Conta Zumbi), mesmo porque a desigualdade econômica e social, persistindo mesmo depois de transposta a barreira da necessidade que era a única justificativa de sua existência, deu aos que dela se beneficiavam:
— um avassalador poder de fogo para os destruírem, sem melindres democráticos, quando os meios mais suaves fracassam.
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