quarta-feira, 15 de setembro de 2021

JÁ TIVEMOS ATÉ CAÇADOR DE MARAJÁS. QUE TAL UM ENGOLIDOR DE MITOS QUE ACABA DE DESPERTAR DO SONO DOS MORTOS-VIVOS?

 rui martins
BOLSONARO E A CARTA (como O Pasquim contaria)
E
se a carta de Bolsonaro pedindo desculpas ou perdão foi só encenação para durar algumas semanas? 

E se Bolsonaro for engolido por Michel Temer, cuja tranquilidade poderia apagar o incêndio do ódio lançado no país pelas redes de fake news bolsonaristas?

Nas manifestações do 7 de setembro, Bolsonaro proferia ameaças e impropérios contra o ministro do Supremo, Alexandre de Moraes. 

Cuspia fogo e, quando abria a boca, se podiam ver mesmo as profundezas do inferno, cujo calor do momento aumentava com o combustível das redes do ódio. 

No seu delírio do poder, se julgava o rei, o déspota, ou ditador todo poderoso.

Mas seus vassalos não eram guerreiros de lança nas mãos, montados em cavalos de raça. Na maioria, eram simples motoristas dirigindo os enormes caminhões dos patrões agropecuários, caminhoneiros dispostos a entrarem com seus veículos, motores roncando e buzinas soando, derrubando portas e paredes do STF e do Congresso. 

Seria uma espécie de motim motorizado no vazio de um feriado, sem inimigos à vista, quando é mais fácil ser valente. Mas com belas fotos, verde-amarelas.

Mesmo se no, calor do momento, Bolsonaro arreganhava a boca e mostrava seus caninos pontiagudos, com a benção dos pastores evangélicos ali ao lado, o cenário não estava completo como se programara. Suas mímicas de arminhas não convenciam, estavam sem balas, faltavam os soldados e faltavam os policiais armados, faltavam novecentas mil pessoas. 

O golpe falhara como um balão murcho ou outra coisa, murcha.

De volta para casa, debaixo do riso e vaias dos inimigos e da imprensa, Bolsoignaro tinha se transformado no Bolsoralo. O valente déspota perdera toda sua majestade. A moto ficara sem gasolina. E como se não bastasse a vergonha do fiasco, Barroso, Fux, Moraes desafiaram: 
Não vai mesmo cumprir decisões do STF? Verdade? Tenta pra ver. Isso dá impeachment!
Bolsoralo não dormiu. E como vai ser minha dinastia destituída, pensava, cada filho numa prisão diferente? Nem o dedo queria mais fazer arminha! Não caiu da cama, mas a cama ficou molhada de tanto suor.

Foi quando se lembrou do Temer, o Michel, também neoliberal. Foi ele quem colocou o Moraes lá no STF, quem sabe consegue limpar minha cagada. Chamou o Temer por telefone, na linha direta, alguém instruído, bem-educado, alta classe, mas não pôde conter sua linguagem de boteco:
"Porra Michel, fiz uma cagada com teu amigo Alexandre, caralho! E agora, pode me livrar dessa? Ele é teu amigo, pô!".
E o Michel, com aquele sorriso do lado direito do rosto, malicioso e meio-cínico, sentindo o peixe no anzol, disse, circunspecto: 
"Mas Bolsoralo, você ofendeu o ministro, e ainda mais na frente da boiada em Brasília e São Paulo! Isso é coisa que se faça? O ministro está um leão, e boi tem medo até de rato!".

O outro desabou: 

"Merda, e o que faço agora, peço perdão de joelhos?".
Temer assustado, reagiu:
"O que é isso? Tenha mais brio, você é o presidente! Você precisa pedir desculpas, mas sem perder a honra, senão o gado vem aí na chifrada. Escreva uma carta se desculpando".
Aí quem ficou assustado foi o Bolsoralo:
"Mas Michel, nunca precisei escrever nada para chegar até aqui ao Alvorada. Não sou analfabeto, mas essas coisas de escrever carta, complica…".
"Está no papo!" – pensou o Temer, ao propor:
"Bom, se você quiser eu serei o ghost writer de sua carta…".

Bolsoralo, é óbvio, boiou: 

"Gosto do que? não entendi…".
E Temer pacientemente explicou, como professor falando com aluno burrinho
"Presidente, em inglês isso quer dizer que posso escrever a carta como se fosse sua".
A carta foi feita, naquela fórmula jurídica apropriada ao tamanho da ofensa, feita não só ao ministro Moraes como a todos os brasileiros não pertencentes à manada. 

No calor do momento é uma fórmula usada nos fóruns para justificar atos violentos e xingações, e pode diminuir em até 10% o tempo de prisão numa condenação. Isto Temer, velha raposa, não explicou ao desesperado presidente.

Para reforçar o pedido de perdão, o presidente conseguiu falar com Moraes. Mas ninguém gravou, sabe-se lá o que falou para se desculpar de ter usado o quase palavrão canalha

Logo depois foi divulgada a Declaração à Nação, nem o Ciro Nogueira leu antes, e milagre!, a tempestade passou, pelo menos por algum tempo. Bolsonaro tirou aquela coisa de quatro linhas da Constituição e substituiu pelo respeito aos três pilares da democracia.

Enfim, pôde respirar e ficou se dizendo, como moleque apanhado cometendo besteira: Não faço mais! Não faço mais!

Só que… só que o Michel Temer virou herói, o bombeiro que apagou o fogo. 

Tanto que o Oinegue da Bandeirantes, matreiro que é, viu, no repentino retorno de Temer, o risco de o ex-presidente, ladino e esperto, querer usar do atual inesperado prestígio como pacificador, para se tornar a outra opção da direita para evitar a explosiva polarização Bolsoralo/Lula.

Temer não tem trânsito e nem boa imagem na esquerda, em que é chamado de
vampiro, e, embora tenha sido preso por corrupção, foi absolvido e se tornou elegível. Sua posição neoliberal parecida com a posição defendida por Bolsoralo, sem os desvarios do presidente, seria uma atração mais segura para a direita. 

Porém Temer não tem popularidade para vencer uma eleição, talvez razão pela qual não quis ser candidato em 2018. Mesmo assim, Oinegue perguntou ao vivo:
"E, então, ex-presidente Temer, essa sua vitória não lhe reabriu o apetite para se candidatar à presidência?"
A evasiva de Temer equivaleu a um sim: 
"Aqui, agora, isso não está no meu horizonte, mas sabe-se lá, vamos deixar o tempo passar…".
Passou o sábado, passou o domingo. É verdade que a voz grave do ex-presidente ficava às vezes difícil de entender-se, mas não vi ainda nenhum comentário sobre essa resposta nada ambígua.

Ou seja, o ghost writer com sua calma, sua pacificação, matreirice, esperteza de raposa da política, deixou ao Oinegue lançar sua candidatura como o esperado nome para a terceira opção.
 
Se a direita neoliberal entendeu o sutil recado, o valente Bolsoralo vai se arrepender de ter telefonado ao Temer e assinado a
Declaração à Nação. Política tem dessas coisas. 

Em todo caso, Bolsoralo já era… (por Rui Martins)

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