(continuação deste post)
Afirmei, ainda, que a meritória ação do MST, ao defender a propriedade de terras para agricultores delas carentes, esbarrava exatamente num conceito negativo de propriedade.
Isto porque eu considerava errado lutar para que os sem-terra passassem a ser proprietários de terras (mesmo que pequenas) com produção destinada ao mercado, já que, sem a produção de escala e sem os equipamentos tecnológicos, estavam fadados ao insucesso comercial.
Ademais, criar-se-ia um ciclo vicioso de inviabilidade econômica, levando a uma nova concentração das terras nas mãos de grandes latifundiários, com o abandono dessas pequenas propriedades.
Como ele balançava a cabeça negativamente, entendi que meus argumentos eram complexos demais para a sua compreensão e que ele não havia compreendido nada do que eu dissera.
Mais do que isto, que ele não queria entender, pois havia engolido a pílula de conceitos que vêm sendo martelados incessantemente pelas mídias sociais conservadoras, pois ele puxou, em seguida, argumentos falaciosos sobre direitos humanos, dignos de uma Damares boçalnariana:
— o de que respectivos ativistas não defendiam os direitos as vítimas, apenas os dos bandidos; e
— o de que o Estado sustentava os criminosos, enquanto as famílias das vítimas passavam fome.
Respondi que uma sociedade que mantém cadeias insalubres, concentrando 100 presos numa cela destinada a 10 e na qual os alimentos são levados por familiares que os dividem com os deserdados da sorte, é a mesma que cria um índice de criminalidade de guerra civil não-declarada.
Acrescentei que são pretos e pobres, em sua quase totalidade, aqueles que ali estão (os poucos doutores e os ricaços recebem tratamento diferenciado, além de subornarem os carcereiros para a obtenção de mais regalias), muitos dos quais levados a tal condição por uma infinidade de fatores sociais negativos, razão pela qual não se deve criticar os abnegados que se dedicam a defender os direitos da dignidade humana tanto de um lado como do outro.
As vítimas dos crimes e das perdas sofridas diretamente pelas ações dos criminosos também fazem parte de um quadro social de anomia no qual todos são afetados por uma forma de relação social negativa e incompreendida como tal.
Disse que precisamos de uma transformação estrutural da sociedade, mas ela depende de uma conscientização sobre conceitos de vida social que começam por uma educação diferenciada e que questione conceitos equivocados que vêm sendo transmitidos por séculos aos estudantes e aos próprios mestres, que os absorvem e retransmitem, numa cadeia de perpetuação que aprisiona a capacidade de pensar correta e livremente.
Por fim, faltando-lhe argumentos para acompanhar-me neste nível de discussão, recorreu ao lugar comum de que o Brasil precisa investir em educação!
Claro que concordo com tal afirmação, mas, sem uma visão crítica a respeito, ela se reduz a uma meia verdade, que acaba equivalendo a uma mentira inteira. Os governos não priorizam a educação porque ao invés de votos, ela cria consciência libertadora; e um indivíduo social crítico é um perigoso subversivo da ordem segregacionista e opressora sob a qual vivemos.
Uma educação libertadora permitiria uma ampla compreensão da essência e a gênese da exploração social que transforma todas as pessoas em adversárias uma das outras na competitiva e fratricida relação social advinda do capital. A questão, portanto, não é apenas educar, mas como e para que educar.
Seria necessário, prossegui, mudar o conceito da educação humanista e sociológica para que não reproduzíssemos as verdades dos opressores como vem sendo feito desde que Pedro Álvares Cabral aqui chegou. .
Como o Uber estava próximo do meu destino, disse-lhe, educadamente que respeitava as suas opiniões, mesmo delas discordando, mas não omiti que até ele mesmo era uma vítima de conceitos equivocados que lhe eram transmitidos e por ele (e por muitos) absorvidos.
Desci do veículo e fiquei a imaginar quão forte é a matriz ideológica do opressor que há séculos vem sendo disseminada e que, em momentos de miséria social acentuada como o atual, ao invés de perder força, ganha apoio de pensamentos ultra-conservadores, como ocorreu na eleição presidencial de 2018, daí estarmos agora tendo de suportar um presidente energúmeno e sua trupe de farsantes.
Desejei boa sorte ao meu interlocutor, apesar de lamentar seu conformismo da precariedade e incongruência representada da vida que um motorista de Uber leva, a ponto de, apesar de oprimido, reproduzir conceitos de opressão.
Só que, no íntimo, desejei melhor sorte ainda para o seu pai, por ser um lutador da causa campesina e meu companheiro, mesmo sem o conhecer. (por Dalton Rosado)
Mais uma composição do versátil Dalton, na voz do Gomes Brasil
2 comentários:
Boa tarde
Que belo texto Dalton! Só faltou o motorista lhe dizer que "estava indo muito bem como empresário em ascensão".
Mario
Grande texto, Dalton.
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Simpatizei com o agricultor.
Na minha luta contra o sistema, plantei a goiabeira no canteiro da avenida onde moro.
Está no terceiro ano de produção.
Sinto legítima felicidade ao ver alguém colher as frutas sem pagar, sem impostos, sem embalagens e sem saber quem foram os benfeitores anônimos que plantaram e zelaram da árvore que acintosa e graciosamente frutifica em meio ao trânsito, asfalto e motocicletas sem escapamento.
Os funcionários da prefeitura sempre evitaram danos a goiabeira quando roçavam e limpavam a área. É atávico isso. O povo sabe quais são as verdadeiras companheiras dos humanos na terra.
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Grande erro do pt foi plantar ipês. Só saúva gosta de ipês.
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Outra alegria que tenho é a pitangueira, que plantei na calçada, e agora frutifica. Abundantemente, como é característico das mirtáceas.
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Próximo a minha casa, no campinho de futebol do bairro, outros plantaram cajueiros, mangueiras, fruta-de-sabiá, amora, amendoeiras e jambeiros que produzem deliciosos e gratuitos frutos aos passantes.
Além da sombra e da aragem.
Mais adiante, em outro canteiro central, deparo com um lindo pé de jatobá. Medicinal. As marcas na cascas mostram o quanto é utilizado nas meizinhas e garrafadas.
Há quem aprecie o fruto, eu não, mas comi algumas vezes e o sabor não é desagradável.
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Há também as P.A.N.C.'s (plantas alimentícias não convencionais) das quais tenho duas: taioba e ora-pro-nobis.
Destaco o cará uma tuberosa extremamente resistente, saborosa e produtiva.
Plantei-a em meio a pedras e areia, num solo ácido, e produziu lindamente.
Vez por outra meu jantar ou café da manhã é essa iguaria cozida e, as vezes, frita.
Obviamente, nenhuma dessas plantas precisa de veneno ou de adubação química alguma.
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Ao cultivar essa maravilhas rústicas e ubíquas percebi que nosso alimento poderia ter origem local se todos cultivassem seus quintais e chácaras.
Com máquinas agrícolas pequenas de elevada tecnologia e baixo custo de manutenção, então, seria a glória!
Decerto não se pode produzir para mercado.
Nem pegar sementes que não estão adaptadas a região em que se vive.
E tem que ser variado, misturado e embricado.
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A natureza odeia uniformidade.
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E por isso nós, enquanto espécie parasita, deficitária e egocentrada iremos ser extintos por ela.
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Acontece que um ser vivo não se extingue totalmente. As versões melhores e mais adaptadas sobrevivem.
Vejam os dinossauros, viraram as aves!
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Ao mestre Calixto foi perguntado por que as aves voam.
"Por causa da energia", ele respondeu enquanto seu braço erguia-se e apontava o alto...
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