Yves Montand: atuação carismática no papel do deputado assassinado |
Este é o real motivo da micareta golpista programada para este 7 de setembro, com objetivo explícito de intimidar o STF e o Senado.
Também na Grécia dos anos 60 o desmascaramento dos responsáveis por um assassinato político foi um dos ingredientes de um golpe militar. Lá a virada de mesa levou mesmo ao pretendida impunidade. Aqui, tudo leva a crer que tal tentativa desesperada flopará.
Trintignant como o juiz que não se intimidou |
O filme é Z e o seu diretor, Costa-Gravas, um dos principais nomes do grande cinema político que a Europa produziu na esteira das jornadas contestatórias de 1968.
Lançado no ano seguinte, Z foi ma espécie de manifesto dessa tendência, que dramatizava acontecimentos reais para torná-los mais conhecidos, desvendando as artimanhas e infâmias dos poderosos.
Na mesma linha, ele depois enfocaria a montagem de um julgamento stalinista na Checoslováquia (A confissão, 1970), a guerrilha urbana contra a ditadura uruguaia (Estado de sítio, 1972), o colaboracionismo francês durante a ocupação nazista (Seção Especial de Justiça, 1975) e a envolvimento estadunidense no pinochetazo (Desaparecido - um grande mistério, 1982).
Afora ter inspirado outros cineastas, como o francês Yves Boisset, que dissecou em O atentado (1972) a conspiração franco-estadunidense para eliminar o líder marroquino Mehdi Ben Barka; Francesco Rosi, cujo O caso Mattei (1972) bate em tecla semelhante, o assassinato do dirigente do Controle Nacional do Petróleo da Itália que prestigiou a constituição da Opep, tendo, em seguida, o seu avião sabotado; e o também italiano Giuliano Montaldo, que desmontou uma das maiores farsas judiciais da História, perpetrada pelos EUA contra dois imigrantes anarquistas (Sacco e Vanzetti, 1971).
O ponto de partida de Z é outra dessas tramoias, a de autoridades civis e militares contra o deputado Gregoris Lambrakis (Yves Montand) que percorria o país em campanha para que não fosse permitida a instalação de misseis balísticos dos EUA em território grego. Ele é morto em maio de 1963.
Surpreendentemente, o juiz de instrução (Jean-Louis Trintignant) incumbido de investigar a morte do líder oposicionista executa seu trabalho de forma impecável, expondo a trama e incriminando vários figurões das Forças Armadas e do empresariado. Mas, o golpe militar de 1967 veio servir de tábua de salvação para os culpados garantindo-lhes a impunidade.
A letra Z era pichada nos muros da Grécia para subentender zei, ou seja, (Lambrakis) vive.
Era uma fase em que muitos artistas de renome emprestavam seu prestígio aos filmes engajados, seja participando amigavelmente, seja se contentando com cachês irrisórios. Assim, no seu primeiro trabalho importante, Costa-Gravas já pôde contar com a nata da nata: o escritor e roteirista Jorge Semprún, o compositor Mikis Theodorakis, os dois atores principais e também Irene Papas, Renato Salvatori, Charles Denner, Bernard Fresson, etc.
Contando com um roteiro primoroso de Semprún e atuações antológicas de Montand e Trintignant, Costa Gravas encontrou a dosagem certa entre o thriller e a denúncia política, prendendo a atenção dos espectadores e tornando perfeitamente compreensíveis para eles os eventos de um país longínquo e pouco destacado na mídia, envolvendo personagens que a grande maioria desconhecia. Um filmaço! (por Celso Lungaretti)
Mais vale uma boa legenda em espanhol na mão do que duas
em português voando. Espero que os leitores concordem...
4 comentários:
Olá Celso
Muito bem lembrado! Costa Gravas fez ótimos filmes nesse período.
Caro Celso
Essa sua intimidade com o cinema é ótima.
Quando você escreve sobre a Grécia: "golpe militar de 1967 veio servir de tábua de salvação para os culpados garantindo-lhes a impunidade".
Uns dizem que isso aqui é o país da piada pronta, outros que é do Déjà vu.
Anda por aí o coronel da reserva Marcelo Pimentel Jorge de Souza
Já foi feita referência a ele aqui no Bolog
Dos jornais:
-Generais arrastam Forças Armadas para a política e governam o país com 'partido militar'
-Militares planejam se manter no poder 'com ou sem Bolsonaro', diz coronel da reserva
Uma recente aparição dele está em https://www.youtube.com/watch?v=22TSga3-YmA
Coronel Pimentel: O “golpe” já aconteceu e o pensador, o “Golbery” do projeto é o General Etchegoyen - YouTube
É uma dessas entrevistas de mais de uma hora!!
Nem sei mais o que pensar! Será possível a tal organização de que ele fala?
Será esse coronel um personagem plantado? Por que e por quem?
Assisti no início dos anos 80 numa "sessão de arte" que acontecia por volta das 23:00h.
Na época eu percebi que a censura estava mesmo acabando, só isso.
Na mesma época já estava nos cafundós onde e cinema só nas quartas-feiras.
Então, foi para relembrar e por nostalgia que assisti de novo, agora em streaming no youtube.
Não teve o mesmo impacto emocional da minha mocidade. mas... que filme!
Censurá-lo demonstra a opacidade mental dos governantes da época.
Estultice que revejo num dos grupos do zap que participo.
***
Assisti a entrevista do pimentel.
Nem sei o que dizer. Ou melhor, sei.
O cara está tentando apresentar uma narrativa e isente a sua instituição e, ao mesmo tempo, insinua que uma terceira via seria obra deles...
Posso estar errado.
***
Mas o fato, na minha opinião é que os caras não sabem o que fazer diante das mudanças tecnológicas que os relega a irrelevância.
Estava conversando um militar na fila da vacina e citei os drones e os cães robóticos da Boston Dinamics como ameaça a existência deles.
Ele falou que os robôs seriam para carregar equipamento junto com o soldado, algo assim.
***
Enfim, o mundo é outro. Os cenários são outros e só restou aos caras assistirem impotentes ao fim do estado que eles criaram, baseado em violência instituicional, pela nova classe de "techs", cuja narrativa e projeto de poder ainda não estão bem claros, para mim pelo menos.
***
Fausto,
a minha intimidade com o cinema é mesmo grande: vem desde quando eu era menino nos anos 50 e a matinê dominical era o momento mágico da semana.
Dos bangue-bangues com o Randolph Scott passei para os westerns italianos na década seguinte, tive minha fase de filmes de arte (a nouvelle vague francesa, principalmente) e curti intensamente o cinema politizado da época da contracultura.
Finalmente, em 1979 juntei prazer e trabalho ao trabalhar em revistas de cinema e de música como repórter, redator, crítico e editor. Tentei e não consegui escrever sobre cinema na grande imprensa, era uma panelinha fechada na qual um independente (ainda mais revolucionário!) não tinha vez.
Quando o ano de 1984 acabou, essa fase terminou junto: a crise do papel levara à extinção metade dos títulos sob minha responsabilidade na editora musical e os que sobraram não eram suficientes para o sustento familiar.
Nunca saberei se fiz a escolha correta quando, após bater papo algumas horas seguidas com o Roberto Santos, recebi dele o convite para ser seu assistente de direção, indo com sua equipe filmar um documentário de TV no Nordeste, à base do "não posso te dar a certeza de que o cliente vai pagar direitinho, mas a grana que pintar, a gente divide entre todos".
Casado com esposa que não estava trabalhando, como passar meses fora e deixá-la sem grana para o aluguel e a subsistência? Fiz a opção conservadora de recusar a oferta e passei o resto da vida me indagando se não teria sido melhor haver aceitado. "Nada do que posso me alucina tanto quanto o que não fiz"...
Voltei a sonhar quando alguns diretores de cinema andaram interessados em levar meu livro Náufrago da Utopia às telas, no mínimo ajudaria a roteirizá-lo. Mas, os 3 ou 4 que andaram acalentando a ideia não conseguiram financiamento.
Enfim, enquanto estiver firme e lúcido continuarei tentando. Sou teimoso.
Postar um comentário