O pior mal que acomete a mais alta autoridade do País nada tem que ver com hospitais, consultórios ou com exames laboratoriais. O pior mal está na cara de todo mundo. O nome desse mal, chegou a hora de dizer com todas as letras, é ódio.
Como fratura exposta, o ódio escancara-se nos esgares crispados, nas infâmias, nos vexames da atroz falta de modos. O doente estrebucha, tosco, em praça pública. Ódio, senhoras e senhores. Ódio a não mais poder. Ódio nu. Ódio obsceno. Ódio corrosivo. Ódio em estado terminal.
Mas não apenas ódio – sejamos um pouco mais específicos. O ódio do referido paciente impaciente não é um ódio qualquer, genérico, não é um ódio comum, desses que dão em qualquer um a qualquer hora. O ódio presidencial é agravado pela comorbidade paralisante de outra paixão baixíssima: o pavor.
Sabe-se que o chefe do Executivo tem medo da CPI, assim como tinha medo dos debates eleitorais. Tem medo das pesquisas, medo das manifestações de rua, medo de um dia ser condenado a ex-presidente, condição que o exporá a outras tantas condenações muito mais amedrontadoras.
Sejamos, portanto, respeitosamente específicos. O quadro nos leva à evidência gritante de que a pior doença do presidente da República é um tipo de ódio qualificado, que se remói nas próprias entranhas odiosas, alimentando a si mesmo sem sair do lugar. O mal do presidente é o ódio dos covardes.
...a puerilidade das fantasias compensatórias revelou tratar-se de um idoso carente de afirmação até hoje... |
Mas que distúrbio é esse? Que patologia é essa? De que ódio estamos falando aqui, afinal de contas? Antes que o improvável leitor se inquiete, convém esclarecer logo a fonte bibliográfica (não descuidemos da metodologia).
Como se sabe, essa patologia fascistífera, o ódio dos covardes, não aparece em manuais da OMS nem nas incontáveis classificações das entidades de psiquiatria espalhadas pelo globo terrestre.
Ela foi descrita, com acurácia, rigor e sensibilidade, não pela ciência, mas pela poesia. Tinha de ser a poesia.
Numa canção do compositor uruguaio Jorge Drexler, La Guerrilla de la Concordia, a letra ensina que o ódio é o guia dos covardes.
Drexler diz que precisamos de coragem não para odiar, mas para amar: O medo saiu de seu túmulo e hoje amar é coisa de valentes. É isso. Ou somos capazes de amar, em guerrilha, ou vamos deixar o medo e o ódio tomarem conta.
A desordem psicopoliticossomática que acomete o paciente impaciente ameaça o estado geral da Nação e a saúde cívica da democracia. O contágio não pode mais se alastrar assim. Para estancar e debelar o ódio dos covardes – o fel dos que se cobrem de veneno e saem por aí aspergindo pestilências para matar nos semelhantes o desejo que mataram em si mesmos – é preciso agir.
...e a covardia completou o quadro: deve ter-lhe sido insuportável ficar com a autoimagem em frangalhos! |
Armemo-nos, armemo-nos de coragem. A reação há de ser alegre, cantante. Vamos nos amar, agora e aqui/ Fazendo história/ Vamos lançar nossos panfletos no ar.
Poesia. Não há melhor palavra de ordem para as ruas brasileiras. Qualquer maneira de amor vale a pena. Nenhuma de ódio.
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(por Eugênio Bucci, professor titular da ECA/USP, escritor
e jornalista)
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