sábado, 12 de junho de 2021

ESPECIALISTA EM REMOÇÃO DE ENTULHOS FEZ O LIVRO CERTO PARA O MOMENTO EXATO

O que Mafei fez...
S
empre garimpando textos que vão além da enxurrada de mais do mesmo presente na imprensa e nas redes sociais,  encontrei na Deutsche Welle Brasil uma imperdível entrevista de Rafael Mafei, autor do livro Como remover um presidente — teoria, história e prática do impeachment no Brasil.

Como a remoção daquele que usa a faixa presidencial, mas não tem sequer sanidade mental suficiente para o exercício do cargo, é a prioridade máxima e mais premente do nosso país neste momento, estou reproduzindo abaixo as respostas de Mafei às três perguntas finais da Deutsche Welle, aquelas que aprofundam tal questão. 

...foi um item de
utilidade pública
Recomendamos aos leitores que cliquem 
aqui para acessarem a íntegra da entrevista, quando são tratados temas como a história dos impeachments na América Latina, o impedimento do Collor, se o impeachment da Dilma pode ser considerado golpe e outros que igualmente têm grande interesse hoje em dia (CL)

DEUTSCHE WELLE – Jair Bolsonaro, cometeu crimes de responsabilidade?
RAFAEL MAFEI – Cometeu, e não acho que exista nenhuma dúvida jurídica hoje sobre isso, principalmente no contexto da pandemia. 

Dois crimes estão claramente configurados. O primeiro é o artigo 7º da lei [do impeachment], que diz o seguinte: é crime de responsabilidade violar, patentemente, qualquer direito social assegurado na Constituição

A Constituição assegura um direito social que é o direito social à saúde. O comportamento de Jair Bolsonaro no contexto da pandemia, e com a CPI está ainda mais claro, foi orientado a sacrificar a saúde dos brasileiros e inviabilizar políticas indispensáveis ao combate da pandemia, tanto no nível federal (como aquisição de vacinas) quanto no nível estadual, adotando uma linha de guerra contra prefeitos e governadores que dificultou, politicamente, a adoção de medidas sanitárias preventivas consensuais.

Ele fez, no início da pandemia, uma aposta de que se a economia for mal, o prejudicado serei eu; e se a saúde for mal e centenas de milhares de pessoas morrerem, essa culpa é mais fácil de ser transferida a prefeitos e governadores. 

Ele criou, então, um conflito permanente com prefeitos e governadores, e qualquer um que adotasse política de isolamento teria de lidar com uma insurreição potencial de apoiadores do presidente, que usa a visibilidade e o poder comunicacional como presidente da República. 

Isso fez com que medidas consensuais e adotadas no resto do mundo fossem muito mais difíceis de serem adotadas aqui.

Ele pensou: se eu disser para as pessoas que vacina é importante, e vacina só vai ter daqui a um ano, darei força para quem quer que as pessoas passem um ano com controle de circulação. Isso vai ser ruim para a economia. Então, não vou dar a ordem para comprar vacina e vou ignorar oferta de vacina. 

Omitiu-se, portanto, do uso de um poder do seu cargo, porque o Plano Nacional de Vacinação é nacional. Esse é o grande papel do governo federal na pandemia. 

Prefeito tem de ter cova e posto de saúde e disciplinar o transporte municipal para minimizar o contágio. Governador tem de ampliar leitos de UTI. 

O que o presidente tem de fazer? Coordenar um plano nacional de vacinação. Não vejo como, à medida que ignorava tal dever do cargo, um presidente poderia usar os seus poderes de modo mais ostensivamente ofensivo à saúde das pessoas.

O segundo crime que Bolsonaro comete é a violação ao artigo 9º, número 7: proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo. Isso pede que o presidente tenha um comportamento comedido, porque o poder que a palavra presidencial tem é absolutamente único e incomparável. 

Bolsonaro falou muita bobagem quando deputado, mas as bobagens que saem da boca do deputado Bolsonaro têm um impacto insignificante perto daquelas que saem da boca do Bolsonaro presidente.
Esse crime de responsabilidade quer impedir justamente que o presidente use esse seu poder retórico e verbal para agredir instituições, incitar comportamentos contrários à lei, estimular indisciplina de instituições militares e hostilidade entre instituições militares e instituições civis. 

Se entendermos que o comportamento de Bolsonaro não viola a dignidade, a honra ou o decoro do cargo, esse crime tem de ser riscado da lei.
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DEUTSCHE WELLE – Por que então não há um processo de impeachment contra ele?
RAFAEL MAFEI – Bolsonaro é um criminoso político que desafia o impeachment. Acho que nem Bolsonaro ignora que ele pratica crimes de responsabilidade, ele só confia que conseguiu botar de pé um escudo político. E esse escudo envolve tanto apoiadores quanto adversários que não têm o impeachment como primeira alternativa. Porque há adversários que falam: "O meu plano A é bater Bolsonaro nas urnas", o ex-presidente Lula tem claramente esse plano. 

Uma outra fração dos adversários, como o Psol, insiste mais na tese do impeachment. E há gente que já esteve no círculo de proximidade do Bolsonaro que hoje se bate pelo impeachment, como Alexandre Frota, Kim Kataguiri, Joice Hasselmann. O impeachment é difícil porque exige que todo mundo contra o presidente não somente seja um grupo grande, mas que tenha o mesmo plano A do impeachment.
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DEUTSCHE WELLE – Considerando a pesquisa que você fez sobre a história desse instrumento no Brasil, é pouco ou muito provável que Bolsonaro sofra impeachment?
RAFAEL MAFEI – Não dá para dizer. O que dá para dizer, neste momento, é que, para que ele sofra impeachment, isso tem ee ser o plano A de todos seus adversários. 

Existe um cálculo, que pode ser errado, de que bater Bolsonaro nas urnas vai se limitar a uma questão de fazer campanha e contar voto. Bolsonaro não tem nenhum estímulo para jogar limpo nas eleições. Se ele estiver com um cenário de uma derrota possível, tem todos os estímulos para jogar tão sujo quanto for possível. 

A gente viu motim de Polícia Militar no Ceará, a Polícia Civil do Rio de Janeiro ignorando flagrantemente decisões do Supremo Tribunal Federal e insistindo numa política de morticínio em comunidades, a Polícia Militar pernambucana barbarizando contra manifestantes que saíram às ruas para protestar contra o governo.

E a gente vê um presidente e um conjunto de apoiadores que não têm o menor respeito pelo STF. Qual é o respeito que eles terão pelo TSE, quando o TSE estiver conduzindo as eleições? O cenário com a possibilidade de Bolsonaro perder é de eleições absolutamente caóticas, perigosas. 

A parcela dos adversários de Bolsonaro que aposta nas eleições precisa levar isso em consideração, porque a janela de oportunidade do impeachment está se fechando. Impeachment perto de eleição é sempre muito difícil. 

E aí teremos um cenário de eleições com um governo que não faz nem questão de fingir que vai respeitar uma eleição na qual ele se veja na iminência de ser derrotado.

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