Deveria considerar-me um felizardo por continuar firme e forte, e não estrebuchando por falta do oxigênio vital, embora pertença aos grupos de risco da covid.
Mas, um homem é mais do que uma carcaça que caminha, e o ânimo também faz imensa falta... para a minha alma.
Hoje surpreendi-me recordando nostalgicamente A banda, a singela canção do Chico Buarque pela qual não torci no 2º Festival da MPB da TV Record (1966), pois a minha preferida era aquela com a qual a dita cuja dividiu o prêmio de 1º lugar: Disparada, do Geraldo Vandré e Theo de Barros.
Chegando aos 16 anos, empolgava-me muito mais o épico nordestino sobre o peão que se deslumbra ao tornar-se vaqueiro e poder ver o mundo do alto de seu cavalo, mas aí as visões vão se clareando e ele decide que não continuará sendo "valente lugar-tenente/ de dono de gado e gente/ porque gado a gente marca/ tange, ferra, engorda e mata/ mas com gente é diferente".
Hoje, tanto nosso país retrocedeu e piorou (em 1966 a ditadura militar ainda não chegara ao seu pior momento, então continuava existindo cordialidade e solidariedade entre os brasileiros), que até a melancólica ilusão suscitada pela passagem de uma banda seria bem-vinda.
Eu então sonhava alto: não me contentava com menos do que ver nossa gente, superando a dominação secular, construir um futuro no qual até o mais humilde coitadeza pudesse alcançar a realização plena, liberto dos grilhões da necessidade e do acinte da desigualdade escandalosa.
Nossa realidade, contudo, se tornou tão atroz e dilacerante que agora não se fala mais numa felicidade vindoura, mas apenas em garantir que haja um futuro para os explorados mais vulneráveis: como no caso dos judeus sob o nazismo, a mera sobrevivência passou a ser lucro (e um luxo!).
Uma sutil resposta ao romantismo desalentado de A banda já foi, aliás, dada em 1967 pelo próprio Vandré, com sua composição sobre um João que canta para sua Maria uma música tão bela que "o povo na rua/ pensou que [a canção] era sua/ de tanto que andava atrás de qualquer alegria".
Mas, alegria de verdade, concluiu Vandré, só viria quando "quem sabe o canto da gente/ seguindo na frente/ prepar[ass]e o dia da alegria".
A lição serve para hoje. Os tempos amenos não voltarão por si sós, então a saída deste inferno genocida depende de todos nós: aqueles que sabem o canto da gente têm de assumir o seu lugar na linha de frente e engajar o povo na preparação do dia da alegria. Nada nos será dado de graça. (por Celso Lungaretti)
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